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[Naruto] Redenção - Capítulo 6, escrita por Andréia Kennen

Capítulos: Prólogo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Epílogo
Autor: Andréia Kennen
Fandom: Naruto
Gênero: Drama, Lemon, Mistério, Romance, Suspense, Terror, Tragédia, Universo Alternativo, Yaoi
Classificação: 18 anos

Status: Completa
Resumo: Sinopse: Japão, 1890, transição do período Edo para Era Meiji, um jovem brilhante e recém formado investigador é incumbido de um caso estranho em um povoado afastado do grande centro urbano do país. Descrente da causa que estava motivando a série de assassinatos no tal vilarejo, ele segue para o local, certo de que iria desmascarar algum falsário psicopata, e ganharia, enfim, seu lugar de destaque na policia da capital. Contudo... Queria o destino que o mal que aterrorizava aquela região, não fosse uma mera crendice popular. [ItaNaru. Shota. Yaoi. + 18. Drama. Terror. Suspense. Sobrenatural. Lemon.]

Redenção

Revisado por Blanxe

Capítulo VI - Fatos

“Porque de fato estranhas coisas acontecerão,

e coisas secretas serão conhecidas,

e muitos séculos passarão antes que estas

memórias caiam sob vistas humanas.

E ao serem lidas,

haverá quem nelas não acredite.

Alguém que delas duvide, e, contudo, uns

poucos encontrarão motivos de reflexão

nos caracteres aqui gravados (...)”

(Sombra, Edgar Allan Poe)

Itachi caminhava dentre uma aglomeração de pessoas, todas elas usavam véus sobre as cabeças e recitavam algo parecido com uma oração, e que era lida, concentradamente, em um livrinho. Não conseguira assimilar o que diziam aquelas palavras zumbidas. Continuou caminhando, sem ser percebido. Havia pouca claridade no ambiente, alguns focos de uma luz amarelada que provinham de velas acesas em cantos estratégicos daquele lugar.

De repente, se deteve. Ao se deparar com os únicos pares de olhos que se fixavam em si. Mesmo assim, ficou admirado daqueles orbes foscos; íris branca e sem pupilas. Duas crianças. Pareciam gêmeas de tão parecidas. Era um menino de cabelos longos, lisos e castanhos, e uma menininha de cabelos negros e curtos. Eles estavam de mãos dadas e do nada, a voz da pessoa ao lado deles, se fez audível em uma pergunta sussurrada:

— O que houve, jovem?

Itachi notara que a pergunta fora direcionada a si, por isso, a respondeu sem delongas:

— Por que eles estão me olhando?

Itachi achou estranha sua voz, parecia distante. A pessoa — a qual não se interessara em ver o rosto, mas a qual tinha absoluta certeza de ser um homem devido ao timbre — sorriu-lhe debochadamente, provavelmente, caçoando da sua ignorância.

— Eles não podem estar “olhando” para você, meu rapaz. Se não percebeu, eles não enxergam...

Itachi encarou mais seriamente o semblante firme da dupla que mantinha os olhos foscos sobre si, enquanto o homem que falara sobre a cegueira voltava a recitar os versos do livro, juntando-se de novo ao coro de vozes. Não era engano seu. Enquanto todos os presentes estavam voltados para algo que acontecia à frente, aquelas duas crianças continuavam voltadas na sua direção e, assim como ele, pareciam não pertencerem àquele ambiente. Foi quando um pequeno trecho daquele estranho zumbido que se propagava pelo ambiente, permeou-lhe a mente, trazendo-lhe algum sentido.

“... na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na redenção eterna... amém.”

Em um piscar de olhos, o ambiente onde o investigador estava havia mudado completamente. Agora ele caminhava por um local que se assemelhava a um jardim de uma mansão inglesa. Da onde estava, podia ver as enormes janelas da casa bem iluminada e os vultos das silhuetas das pessoas atrás das cortinas; elas riam, se movimentavam, dançavam ao som de uma música instrumental ritmada, uma balada dançante. Seguravam taças e brindavam; comemoravam algo. Estavam felizes.

Porém, se prendeu aquela imagem ali no jardim: um senhor sentado em um banco, balançando uma criança que estava em seu colo. Havia dois outros homens perto dele: um em pé, de costas para Itachi, segurando uma bebida enquanto conversava animadamente, rindo com o pai daquela criança; e o outro era um rapaz, que estava sentado ao lado do homem com o bebê, esse tinha as mãos entrelaçadas umas nas outras, além de um olhar abatido. E foi esse jovem que repousou os olhos em Itachi e, silenciosamente, apontou–lhe a criança no colo do pai, que a segurava pelas costas, por isso, estava de frente para si. Esse rapaz desenlaçou seus dedos para segurar na mãozinha pálida do pequeno e então constatar, tristemente, para Itachi:

— Pobrezinha... Está morta.

Um arrepio percorreu a coluna vertebral do investigador. Ele se voltou assustado para a criança e constatou que ela realmente não se movia, estava petrificada, a pele coberta por aquele tom arroxeado dando mais contraste aos cabelos vermelhos, enquanto os olhos verdes claros mantinham-se arregalados, inertes, sem foco algum. Mas que Itachi, por um mísero segundo, teve a certeza de vê-los se moverem rápidos de um lado para o outro, até pararem em si e ali estagnarem. Havia uma inscrição em vermelho na testa dele, a qual parecia ter sido escrita com dedos de tinta...

“Amor...”

Sentiu uma vertigem e amparou a cabeça com ambas as mãos e, ao reabrir os olhos, tudo havia mudado novamente. Agora caminhava em um campo aberto, claro, ensolarado, céu azul, podia-se ver árvores ao redor; muito verde. Conseguiu sentir um vento correr levemente e balançar-lhe os cabelos. Parecia estar fazendo um calor terrível, por mais que não o sentisse. Também, haveria um silêncio intenso se não fosse o cântico incessante das cigarras que retumbavam um zunido ritmado e ecoante.

Continuou caminhando até ver as costas de um homem vestido de terno, detido diante de algo. Aproximou-se e estancou a poucos passos de distância dele, o suficiente para perceber que aquela pessoa estava diante de uma lápide. Foi quando olhou o chão ao seu redor. Havia inúmeras delas...

Novamente, aquele arrepio estranho.

— Era tão jovem... — ouviu aquela pessoa lamentar, então, espiou por cima do ombro dele o epitáfio na lápide.

Foi um choque.

“Aqui jaz Uchiha...”

Os olhos de Itachi se arregalaram, sua boca foi sobreposta com ambas às mãos e viu tudo rodar em uma grande espiral. Cerrou os orbes ônix novamente, sentindo a mente ainda dando voltas, o coração acelerado. Precisava se acalmar e esperar o corpo assimilar que havia acordado. Sabia que se fizesse um movimento brusco, a vertigem o faria vomitar. Esperou, inspirando e espirando cadenciado até que pudesse sentir sua cabeça leve novamente.

...

Assim que Itachi saiu para a vila, Iruka levantou-se rápido, abasteceu uma mochila com mantimentos, água benta e um punhal pra se defender no caminho caso precisasse. Vestiu uma calça jeans, colocou uma camisa de manga cumprida e, por cima dela, a semi-batina; calçou uma bota de cano longo, pôs um chapéu de palha sobre a cabeça e arrumou a mochila nas costas: estava pronto.

Sabia que mentir para seu hóspede era pecado, mas não teve alternativa para poder despistá-lo. Assim, determinando como faria seu caminho pela floresta, abriu a porta, para seguir, contudo, trombou contra um torso de alguém bem alto e que cheirava a nicotina.

– Está com pressa, padre?

Iruka arregalou os olhos ao se deparar com o governante da vila, ele estava acompanhado de dois dos seus capangas.

– A- Asu- ma-sama?

– Quero conversar dois minutos com o senhor. Estava de saída?

– Bem... é... não... Eu... só iria...

– Não precisa se forçar em me dar uma desculpa, padreco! Eu sei o quanto isso é complicado para “um homem de Deus”. – o homem cortou a gagueira vinda do rapaz e seguiu direto ao assunto que viera tratar: — Já que você não respondeu a pergunta que lhe fiz no outro dia, quando me apresentou ao investigador no gabinete, resolvi visitá–lo. Agora vamos ao que interessa: o Uchiha é a pessoa que estávamos esperando?

– Já lhe disse uma vez, Asuma-san – o homem elucidou, voltando para dentro da cozinha, retirando a mochila das costas e depositando-a no chão; puxando uma das cadeiras que estavam rente a mesa e apontando-a ao superior. – Não é como se eu pudesse fazer o reconhecimento... Eu ainda não sou um padre.

– Não vou demorar, estou bem em pé – respondeu ele, referente ao móvel. – Mas pelo menos tentou? Na visita que fizemos a diocese da última vez, eles disseram que você seria capaz de fazer o reconhecimento!

– Mas do que adianta ter alguém compatível se não sabemos como conceber o ritual, Asuma-sama? Além disso, eu ouvi dizer que... — o homem vacilou, engoliu em seco, então balançou a cabeça fortemente. — Não! Eu serei um padre! Eu não posso tirar o direito de redenção de alguém!

O homem de barba cuspiu o tabaco semi-aceso no chão da cozinha e se aproximou do jovem com um ar ameaçador.

– Escute bem, Iruka... — Ele o segurou pelo colarinho e o ergueu. — Há muito tempo estamos à procura de alguém compatível e só a igreja sabe da existência deles. Além dos seus membros serem os únicos que podem reconhecê-los. Você não vai estragar tudo agora. Além do que, a culpa é toda de vocês! Aquele maldito padre trouxe a desgraça pra nossa vila, concebendo vergonhosamente uma criança propícia para ser o hospedeiro de um monstro! Você ouviu o que nos foi dito aquela vez, não é? Você estudou sobre isso quando esse lugar era um seminário! Sabia e sabe muito bem, que é por esse motivo que padres não podem se casar e nem ter filhos. Agora me diz! Por que aquele desgraçado colocou aquele monstro no mundo?

O rosto moreno do padre começou a ganhar uma tonalidade arroxeada devido a força que o homem empunha ao segurar sua gola, quase o asfixiando. O governante, por sua vez, ao perceber que o padre não tinha forças para responder, acabou soltando-o.

– Você é mesmo um inútil! – resmungou entre dentes, para constatar em seguida: – Serei obrigado a resolver o problema eu mesmo. Onde o investigador está?

– Foi... continuar... o interrogatório... na vila – Iruka informou, com a respiração entrecortada, tentando recuperar o fôlego.

– Inferno! — ele praguejou, batendo o punho fechado sobre a mesa de madeira, fazendo com que as frutas dispostas ao centro, em uma fruteira, rolassem e caíssem no chão. — Vamos atrás dele. — delegou para os dois homens que o acompanhavam e que haviam se detido na entrada do lugar. — E quanto a você... — o mais velho apontou o dedo indicador de forma acusadora para Iruka. — Eu já sei qual é a sua intenção, padreco. Você não está com pena de condenar uma alma ao inferno, senão, teria compaixão pelas almas inocentes que aquela criança-demônio está devorando. Na verdade, você quer protegê-lo. — Asuma atestou, olhando firme no rosto contraído do rapaz. — Você acobertou a existência dele durante todo esse tempo e acabou se afeiçoando a um monstro. Agora, prefere vê-lo se alimentando dos nossos moradores ao invés de colaborar com sua extinção.

O seminarista abaixou a cabeça, massageando o pescoço dolorido com as mãos. Não se importava com as palavras ferinas e nem com a ameaça do governante, já que não era a primeira vez que as ouvia.

— Você virá conosco. — Asuma decidiu de repente, não se importando com a expressão de assombro que o outro lhe fizera.

— Mas... Eu tenho os meus afazeres...

— Não! Eu não quero ouvir desculpas. Vamos encontrar o Uchiha e acabar com isso hoje mesmo! — ele afirmou, fazendo um gesto para os homens que o acompanhavam, adentrassem a casa e apanhassem o padre.

— Não precisam usar de brutalidade! — Iruka puxou seus braços de volta do agarre repentino dos capangas. — Eu só quero pegar a minha mochila no chão e irei com os senhores.

— Então, se apresse! Pelos nossos cálculos, a fera deverá atacar hoje ou amanhã. E, padreco... ­— Asuma voltou-se para o homem que já havia pegado a mochila e agora vinha em sua direção no meio dos capangas e, mais uma vez, em tom de ameaça, elucidou: — Se algo acontecer à minha mulher ou à minha filha... Se esse demônio fizer algo à elas... Eu não me importo de ir para o inferno por ir contra as leis divinas, mas o primeiro que vai morrer... será o servo do Senhor.

...

O entardecer trouxe com ele nuvens pesadas e não demorou muito para a chuva cair com intensidade sobre a terra. O investigador Uchiha descerrou seus olhos e soergueu o dorso, mas logo, curvou-se, apoiando as mãos na nuca, sentindo uma dor latejante naquela região e na parte lombar. Jogou o cobertor que encobria suas pernas para o lado e, amparando a cabeça dolorida com ambas às mãos, tentou fazer com que os fatos reais se separassem das imagens desconexas de seus sonhos e se ordenassem dentro do seu cérebro. Logo suas lembranças ficaram mais nítidas e deduziu que estava em algum cômodo da funerária.

Recordou-se de algo que vira antes de desmaiar: teve absoluta certeza de ter visto Naruto deitado em um leito da funerária. O semblante sonolento. Porém, diferente do que Kabuto lhe dissera, o garoto não parecia em coma, mas apenas adormecido.

Itachi saiu da cama e sentiu que pisara em algo rusguento no chão. Haviam tirado suas roupas e estava vestido algo parecido com o camisolão que Iruka usava para dormir.

Percebeu que naquele lugar não havia janelas, pois o ar não circulava ali dentro e o cheiro de algo podre impregnava suas narinas. Estava muito escuro, mas não soube deduzir se era porque estava de noite ou se era devido à tempestade que ouvia caindo do lado de fora. Caminhou até alcançar a parede, onde firmou as mãos espalmadas, e foi tateando-a a procura de uma textura de madeira, onde pudesse ser a porta.

Mas não a encontrou.

Engoliu em seco ao imaginar que havia feito o percurso todo, então tentou de novo, desta vez, com mais calma. Sentiu melhor a textura da parede: não havia reboco, somente os tijolos, também não tinha nenhum móvel encostado na parede. Tentou prestar atenção melhor ao chão: não havia piso, era terra batida, tivera a impressão de passar às vezes por cima de galhos, insetos mortos, paus, pedras. Tentou ir para o meio do quarto, onde ficava a cama, sentou-se nela, debruçou-se e tocou naquele líquido com a ponta dos dedos e depois de sentir sua textura o levou até o nariz para ter certeza:

– Sangue...

Mais uma vez, Itachi engoliu em seco. Primeiro tocou-se para ter certeza que o sangue não era dele. Ao constatar que não estava mesmo ferido, agachou-se no chão e passou a procurar por mais alguém que pudesse estar ferido ali. A ausência de claridade estava deixando-o irritado. Tentava forçar a visão para ver algo, mas não encontrara nada. Voltou a sentar-se na cama, raciocinando. Se não havia portas e nem abertura no chão, isso significava que fora jogado ali por cima. Olhou para o teto e tentou prestar atenção no barulho da chuva, ela não parecia trepidar sobre ele e sim, mais acima, ainda viu algo que lhe chamou atenção. Havia claridade entre as frestas do que para ele, tinha que ser um telhado.

– É um porão... – sussurrou. – Eu fui jogado aqui dentro?

De repente, Itachi congelou. Uma mão que saíra debaixo da cama, agarrara seu tornozelo.

...

A chuva na estrada pegara os quatro homens de surpresa. O lamaçal que se fez rápido atrapalhou a cavalgada. O jovem padre, que estava na garupa de um dos comandados do governante, conhecia aquela região como a palma da mão, sabia que havia inúmeras trilhas pela floresta e poderia até apontar um caminho ao grupo, porém, o seu destino era contrário do restante, desta forma, não iria intervir. Apenas, calculava o melhor momento para fugir.

— Vamos esperar a chuva passar, Asuma-sama. Os cavalos terão dificuldade de continuar nessa lama.

— Certo! Vamos aguardar um pouco.

Aquele era o momento perfeito.

Assim que subiram em uma elevação mais alta para evitar a enxurrada que começava a se formar na estrada, eles desceram dos animais para atrelá-los nas árvores. Só foi preciso dar alguns passos para trás e Iruka já estava embrenhado pelo verde denso da floresta. Virou-se, e antes que notassem sua ausência, correu.

Os relâmpagos estrondavam alto no céu. Tinha que chegar do outro lado, onde deixara um cavalo preparado para a viagem. Seguiria para a capital e procuraria a pessoa que lhe dissera haver uma forma de reverter àquela situação sem precisar sacrificar a criança.

Amava Naruto como amou Minato. Prometera a si mesmo que protegeria o garoto que carregava as características daquele homem pelo qual sentira uma paixão desmedida. No início, imaginara que se nunca o expusesse a maldade, nem ao contato com outras pessoas, seu lado monstro jamais despertaria. Até o momento que começou a pensar que a história não passasse de uma mera crendice, afinal, quanto mais os dias transcorriam, mas o assimilava a uma criança humana normal: curioso, hiperativo, sorridente, brincalhão.

“Se não tivesse sido por um descuido meu!”

Iruka parou embaixo de uma árvore para recuperar o fôlego. A chuva estava forte. Olhou para o céu acinzentado entre as copas das árvores e as lembranças daquele dia voltaram como flashes; como os relâmpagos que tamborilavam sobre sua cabeça.

Estava trabalhando em sua horta quando deu falta do menino.

“Naruto?”, o chamou, olhando para os lados. Mas viu apenas a espátula e o pequeno balde de alumínio, onde guardavam as sementes, tombado na terra a qual ele estava remexendo a minutos atrás. O homem passou a mão na testa secando o suor, então largou seus apetrechos de jardineiro e se aproximou do local, notando as marcas dos pés na terra fofa seguindo rumo à floresta.

“Naruto?”, chamou novamente, aproximando da margem da mata e analisando. “Eu já disse pra não brincar na floresta, Naruto! Volte aqui!”

De dentro da mata, somente os sons comuns do lugar e dos seres que ali viviam: zumbido de insetos, rastejar de répteis, o farfalhar de asas e de folhas. Seu coração acelerou. Pensou que talvez ele tivesse se entediado do trabalho e tivesse ido brincar em alguma parte da casa, então, deu as costas para a floresta e foi procurá-lo. Buscou todos os cômodos, revirou a pequena capela, o porão; todos os lugares que ele costumava brincar. Mas não o encontrou. No fim, deduziu que ele havia mesmo adentrado a mata.

“Está entardecendo... Eu preciso encontrá-lo!”, o seminarista constatou para si mesmo, adentrando a casa aos tropeços e retornando com uma mochila para, em sequência, entrar na parte verde que cercava o seminário. Vasculhou durante a tarde inteira e parte da noite. Sem claridade, cansado e faminto, resolveu sentar-se e esperar amanhecer para continuar com sua busca. Não podia pedir socorro aos moradores da vila, simplesmente, por não saberem da existência da criança. Além disso, questionariam sua origem, a qual não podia revelar por ter sido indevida.

O barulho noturno da floresta era mais perturbador do que imaginara. Iruka demorou pegar no sono e quando este lhe venceu, veio para lhe atormentar ainda mais, fazendo-o ter pesadelos horrendos. Acordou com o coração disparado; a madrugada se findava, mas devido às árvores imensas, a claridade ainda demoraria. Amava Naruto como se ele tivesse seu sangue, jamais se perdoaria se acontecesse algo a um inocente como ele.

Mas, infelizmente e para seu desespero, aquele novo dia passou em um instante. Não encontrara nem rastros do menino. Precisava voltar e se alimentar. Foi quando uma esperança o animou, talvez ele tivesse retornado para a casa. Correu de volta ao seminário, imaginando-o à mesa, emburrado, pedindo malcriadamente que lhe preparasse macarrão com miso.

“Nunca mais irei obrigá-lo a comer verduras e legumes se estiver em casa, Naruto...”, agarrou-se aquela promessa como se fosse um raio de esperança. Adentrou a cozinha gritando por ele. Seu sorriso se desfez, imediatamente. Tudo estava silencioso, do mesmo jeito que deixara; até as louças sujas do café da manhã do dia anterior. Subiu a escada e foi vasculhar os quartos no segundo piso; nada. Gastou mais tempo procurando pelo garoto e revirando os cômodos novamente, do que descansando ou se alimentando. Quando deu por si, aquela verdade atormentadora o derrubou: poderia tê-lo perdido para sempre. Foi até a capela e adentrou-a com fúria; investiu contra o altar, socou, jogou as imagens de Cristo crucificado no chão, chorou, praguejou e culpou Deus por estar punindo a criança ao invés dele.

“Ele é só uma criança! Tire minhas pernas! Meus olhos! Minhas mãos! Meu fígado, o coração, qualquer coisa! Mas não o tire... Não o tire de mim...”

A noite caiu, a chuva veio. Dias passaram. Procurara em Konoha com a desculpa de fazer um momento de oração nas residências; mesmo que naquele momento, apegar-se a sua crença e ao ser onipotente o qual devotava, fosse a última coisa que gostaria de fazer. Porém, nada. Só as famílias de sempre, aparentemente felizes com suas vidas pacatas.

A dor e a solidão consumiriam sua saúde. Ele queria continuar procurando, mas o ânimo se esvaíra. Quando não conseguia dormir, adentrava a floresta gritando como um demente, pedindo para que ela lhe devolvesse a criança que havia lhe roubado.

Foi em uma manhã, após uma dessas noites de desespero, que Iruka despertara no meio da floresta ouvindo vozes de crianças. Os cabelos que eram do cumprimento dos ombros estavam soltos e emaranhados, a barba grossa de dias sem fazer, as unhas das mãos encardidas. De início, achou que fosse seu subconsciente pregando-lhe uma peça, mas logo os sons ficaram nítidos, havia gritaria. Levantou-se rapidamente, a tontura não lhe permitindo agilidade para desviar dos galhos das árvores e das pedras que atravessavam seu caminho e o mutilavam. Passou por vários arbustos, até ouvir os sons mais claros. Adentrou uma clareira, e viu um jovem de óculos amparando um grupo de crianças e pedindo para que se acalmassem. Mais adiante, um homem agachado.

“Padre?!”, as crianças e o jovem da vila o reconheceram. Mas não dera atenção aos seus chamados. Aproximou-se daquele homem que olhava algo estendido no chão.

Enquanto seus passos se aproximavam o peito apertava, as lágrimas escorreram antes que conseguisse visualizar exatamente o que era. Seu coração já o alertava. Havia um pequeno corpo ali.

Caiu de joelhos, perplexo. Como imaginara, era Naruto.

“Parece que ele foi perseguido por algum animal e para escapar deve ter subido nessa árvore. Pelo que analisei, talvez ele tenha caído ao pegar no sono, ou por ter enfraquecido demais... Pela posição do pescoço, deve tê-lo quebrado no momento da queda. Foi até melhor do que... morrer enquanto fosse devorado por algum bicho faminto...”

Iruka quis tirar a toalha que encobria o corpo dele, mas foi impedido pela mão do homem na sua.

De repente, seus orbes castanhos se encontraram com o daquela pessoa e foi impossível evitar o choque. Não eram olhos humanos. As pupilas eram dois riscos e o tom dourado o fizera imaginar-se diante de um ofídio. Ficou hipnotizado por alguns instantes, até que despertou com a fala dele. Uma voz de tom suave, agradável, sedutora...

“Não é algo que gostaria ver...” ele o alertou.

“Eu o procurei por aqui”, lembrou-se. “Eu passei por essa região várias vezes...”, o padre constatou, desviando do olhar quase asfixiante daquele homem, para admirar o rosto sereno de Naruto. Apanhou uma das mãos da criança e a levou até sua face, roçando-a em sua pele em uma carícia. Repreendera–o tantas vezes quando ele queria demonstrar algum carinho, mas naquele instante só queria que seus dedos se movessem e tornasse aquele toque real. Sentiu o quanto a pele estava fria e chorou, chorou compulsivamente... “Não consigo entender como ele pode estar morto... Sua expressão...”

“Você cuidava dele?”, aquele homem lhe perguntou, curioso. “Há quanto tempo ele está desaparecido?”

Iruka não conseguiu responder de imediato. Não se conformava. Apesar de ter se passado mais de um mês, Naruto não estava pálido. Seu pescoço estava virado para o lado, mas era como se estivesse dormindo. O odor que exalava dele não era tão forte.

“Quarenta e dois dias...”, fez os cálculos e vociferou para o homem de aparência e olhar estranho, que o fitava com um misto de curiosidade e assombro.

“Ele ficou mais de quarenta dias na floresta, sozinho?”

“Talvez ele tenha conseguido se alimentar e se manter vivo de alguma forma. Não parece que ele está morto mais de vinte e quatro horas...”

“Quando as crianças o encontraram aqui, eu pensei a mesma coisa: que ele estivesse apenas dormindo. Mas, olhe isso.”

Quando o homem descobriu o corpo de Naruto, o padre não acreditou no que viu; o cheiro forte adentrou direto em suas narinas, fazendo uma ânsia de vômito o assolar. Cobriu a boca com as mãos para evitar o enjoo, então se admirou daquele ferimento. Havia uma abertura exposta na barriga dele, onde vermes e formigas passeavam pelo sangue preto e coagulado.

“Eu não entendo...”, as lágrimas retornaram.

“Eu fiquei curioso com o estado dele. Já vi muitos mortos, mas...”, o homem lhe mostrou os rasgos nas roupas de Naruto. “Está vendo isso?”

Eram rasgos. Talvez feitos pela queda, ou até mesmo, por correr na floresta.

“Não entendo o que quer me mostrar...”

“Pelo estado da roupa e pelas condições dos rasgos, eu duvido que ele esteja morto mais de vinte e quatro horas... Olhe... deveria ter ferimentos do tamanho desses rasgos nos braços e nas pernas... No entanto, a pele dele está ilesa nessa região...” o homem ganhou novamente o olhar do rapaz e, desta vez, o ar de assustado dele. “Sabe, padre... Se não fosse algo do outro mundo, eu poderia jurar que os ferimentos desse garoto estão se regenerando... Até essa abertura no estômago, eu tenho a impressão que já foi maior...”

Iruka entreabriu os lábios, o ar de aparvalhado ainda mais impresso em sua face.

“Talvez seja obra de Deus ou...” o homem continuou falando, fez uma pausa ponderando se prosseguia ou não, então, resolveu completar a frase: “Do diabo... Seja quem for, quer essa criança viva...”

Agora Iruka sabia. Foram ambas as obras. Deus: que talvez tivesse agido para tirar aquela criança da Terra prevendo o pior; e o Diabo: que agiu para devolvê-la.

Qual lado era o certo e qual era o errado?

Naquele instante, em que vira Naruto praticamente morto, não quis parar e pensar em seus ensinamentos católicos. Estava revoltado com Deus. Foi então que a razão lhe foi assaltada e começou a falar sem pensar. Contou para aquele homem, Orochimaru, sobre a origem daquela criança e de um ritual antigo que poderia fazê-lo reviver. O novo funerário da cidade ouviu tudo atentamente, talvez até deslumbrado, sem pôr em dúvida, em nenhum momento, sua palavra, nem sequer a ligara ao seu estado de desespero e no fim, com um sorriso quase demoníaco no rosto, o homem concordou em lhe ajudar.

A chuva ficou mais forte.

Iruka continuou andando; o chão escorregadio tornava a caminhada ainda mais difícil. Precisava parar e se abrigar até que a água diminuísse. Avistou uma caverna e a adentrou.

Itachi tinha uma boa intuição e, de alguma forma, o investigador da capital sabia que ele, o padre, era o culpado. Seu olhar avaliativo praticamente gritava aquilo. Porém, o Uchiha não podia imaginar que ele também já fazia parte de tudo que estava ocorrendo ali. Mais do que isso, ele era a chave para salvar ou destruir Naruto... De repente, a voz do arcebispo da capital se fez ecoante em sua cabeça mais uma vez.

“Vocês sabiam que para se matar um demônio é necessário ser um?”

Continua...

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