|

[Naruto] Redenção - Capítulo 10, escrita por Andréia Kennen

Capítulos: Prólogo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Epílogo
Autor: Andréia Kennen
Fandom: Naruto
Gênero: Drama, Lemon, Mistério, Romance, Suspense, Terror, Tragédia, Universo Alternativo, Yaoi
Classificação: 18 anos

Status: Completa
Resumo: Sinopse: Japão, 1890, transição do período Edo para Era Meiji, um jovem brilhante e recém formado investigador é incumbido de um caso estranho em um povoado afastado do grande centro urbano do país. Descrente da causa que estava motivando a série de assassinatos no tal vilarejo, ele segue para o local, certo de que iria desmascarar algum falsário psicopata, e ganharia, enfim, seu lugar de destaque na policia da capital. Contudo... Queria o destino que o mal que aterrorizava aquela região, não fosse uma mera crendice popular. [ItaNaru. Shota. Yaoi. + 18. Drama. Terror. Suspense. Sobrenatural. Lemon.]

Redenção

Revisado por Blanxe

Capítulo 10 – Explicações e complicações

“Da aliança da paz, uma símile de tristeza.

Pois, assim como na ética,

o mal é uma consequência do bem,

da alegria é que nasce a tristeza.”

[Berenice – Edgar Allan Poe]

Deduzindo que o padre estaria ainda exaurido para refazer a viagem de volta à Vila da Folha a cavalo, Kakashi sugerira-lhe irem de carruagem. Os dois estavam sentados no banco da frente e era o próprio policial que conduzia o veículo, açoitando os lombos dos dois animais, sem piedade, tentando fazê-los andarem mais rápido.

Pelo que Iruka entendera, Kakashi havia sido aluno de Fugaku Uchiha, pai de Itachi, na academia de polícia de Edo. O professor casou-se com uma prima, Mikoto Uchiha, e teve com ela dois filhos: o primeiro, Itachi, e o segundo, cinco anos depois, Sasuke. Mas a mulher contraiu uma doença quando o filho mais novo tinha apenas dois anos e veio a falecer. Itachi assumiu o papel de mãe e passou a cuidar do irmão. Tudo estava indo bem, até o pai também vir a óbito em exercício da função.

— Como eu era muito ligado ao sensei, após a morte dele, eu decidi assumir o papel de orientador dos dois filhos dele. — a voz de Kakashi soara calma nos ouvidos do seminarista. — Itachi já era um adolescente, podia continuar cuidado da casa e do irmão, no entanto, achei que essa era uma responsabilidade muito grande pra ele sozinho, por isso, resolvi morar com eles para dar apoio. Como eu já estava na polícia nessa época, sugeri que Itachi me auxiliasse no meu trabalho tentando assim, despertar nele a vocação do pai. Até que um dia, fui chamado para acompanhar um caso bem complicado... — o oficial açoitou novamente os lombos dos cavalos.

— Complicado?

— Sim — assentiu. — Envolvendo os herdeiros dos Hyuuga, uma família de boticários bem sucedida. Em resumo, os irmãos gêmeos herdaram a indústria farmacêutica do pai após o homem morrer de causas naturais. Porém, o irmão caçula, pouco antes do casamento do mais velho, desapareceu estranhamente. Houve rumores e suposições que pudesse ter sido um sequestro, mas o pedido de resgate nunca chegou e o caso acabou sendo arquivado.

— Sim.

— O tempo passou e a esposa do mais velho, que não conseguia ter filho, acabou se tornando uma religiosa fervorosa, pois ouvira que se pedisse constantemente a Deus por um milagre, ele concederia esse desejo. Pouco tempo depois, ela engravidou e, após o período de gestação, nasceu o casal de gêmeos: Neji e Hinata. Porém, as crianças nasceram cegas. Fora então a vez do pai das crianças se tornar obcecado pela cura da cegueira dos filhos, enquanto a mulher tornou-se ainda mais fanática pela religião, pedindo a Deus fervorosamente para que seus filhos enxergassem. Um dia, o pai deles resolveu adentrar o quarto, pois fazia dois dias que ele vinha sentindo um odor estranho no ambiente e imaginara algum rato morto.

Kakashi fez uma pausa e Iruka estremeceu ao pressentir o que ele iria concluir.

— Não eram ratos, eram?

O investigador negou com a cabeça.

— Não me diga que...?

— Sim. Os gêmeos estavam mortos e, pelo que constatamos depois da perícia, havia mais de três dias.

Iruka sobrepôs a boca com uma das mãos, demonstrando sua surpresa.

— Mas o que houve? — ele quis saber.

— Recolhemos todas as evidências e decidimos trabalhar a hipótese de homicídio culposo por parte dos pais, quando não há intenção de matar, por negligência e abandono de incapaz. As crianças eram cegas, precisavam do auxílio da babá ou deles. Pelo que investigamos, a babá havia escrito uma carta de demissão do cargo fazia quase uma semana, o pedido fora encontrado sobre a cômoda do quarto do casal, aparentemente, intacta. Deixamos a casa naquele dia e lembro-me tão claramente como se fosse agora. Assim que entrei na carruagem, Itachi fechara os olhos por um momento, como se estivesse entrando em um transe, pouco depois ele os abriu e declarou com uma certeza assustadora...

“Foi o tio.”

“O quê disse?”

“Foi o tio das crianças. Ele tentou enganá-las e se passar pelo pai delas, mas elas sabiam que não era o pai, exatamente por não enxergarem...”.

— O tio não estava desaparecido, então? — Iruka quis saber.

— Hyuuga Hizashi estava desaparecido e há muito tempo. Por isso, não dei muita importância para o que Itachi havia me dito naquela noite, chegando à conclusão que ele estava impressionado. Contudo, depois da autópsia as coisas mudaram de figura, foi constatado que a morte das crianças se deu através de envenenamento por trióxido de arsênio[1], um composto altamente tóxico usado para a química de alguns remédios. O caso então se alterou imediatamente para homicídio doloso — quando existe a intenção de matar. Não tinha como as crianças ingerirem por acidente um composto tão perigoso. Havia mesmo ocorrido um crime e friamente premeditado. Mas ambos os pais ainda continuavam negando; concordavam apenas com a irresponsabilidade de terem deixado os filhos a sós. As suspeitas maiores recaíram sobre o Hiashi-san, ele era o boticário e, hipoteticamente falando, seria o único capaz de ter manuseado o veneno. Todavia, aquela teoria não se encaixava. Como ele faria algo tão horrendo enquanto buscava a cura para os olhos dos filhos?

— Não faria sentido...

— Exatamente. Resolvi conversar com Itachi novamente, expor a ele tudo o que eu havia levantado e que a culpa poderia sim, ser de um terceiro suspeito. Mas eu precisava saber o que o levara a deduzir que era o tio; e assim, levantar aquela hipótese no departamento. — Kakashi inspirou e continuou: — Naquele mesmo dia, enquanto conversávamos, ele organizara os documentos do caso os quais eu havia levado para ele consultar com uma calma assustadora. Quando concluí minha fala, Itachi também terminou “a arrumação” nos papeis e foi aí que ele começou a explanação, embasando-se em tudo que eu havia levado. Na sua explicação, que de início parecera a narração de um drama de rádio novela, ele afirmou que Hizashi amava a mulher do irmão e, por isso, foi embora. E, ao contrário do que todos pensaram — que ele havia sido sequestrado ou partido para longe —, Hizashi sempre estivera por perto, vigiando a família do irmão e arquitetando uma forma de se aproximar da amada e tê-la uma única vez. Até que um dia, ele conseguiu se passar pelo o mais velho e dormiu com a mulher que amava. Depois dessa noite, a jovem, que até então não engravidava, descobriu-se grávida. Felicidade que aumentou os laços do casal.

— E o desesperou Hizashi...

— Isso mesmo. Ao ver o irmão mais velho e a mulher ainda mais felizes, Hizashi arquitetou um plano para fazê-los sofrerem. Sua primeira tentativa foi fazer Ohana, a esposa do irmão, perder as crianças. Enquanto Hiashi passava noites no laboratório, ele tomava o seu lugar, forçando-a a ingerir remédios que dizia serem vitaminas para o bebê e a dormir com ele. Após o nascimento dos gêmeos e a notícia de que eles nasceram cegos, certamente efeito das drogas que a mulher ingerira sem saber, o casal finalmente se desestabilizou; para felicidade do mais novo que se tornou mais confiante para concluir a vingança contra o irmão que “roubara” a mulher que ele amava.

— Mas esse homem seria capaz de matar os próprios filhos? Afinal, as crianças eram dele pelo que tudo indicava.

— Ele estava louco, padre. Hizashi se isolou e deixou que a solidão atordoasse sua mente. As pessoas quando deixam se envenenar pelo ódio tornam-se piores do que demônios. São incapazes de compreender as mínimas coisas, como por exemplo, o fato do irmão não ter culpa alguma sobre os sentimentos não correspondidos dele. Muito menos a esposa e as duas crianças indefesas. Mas ele, Hizashi, acreditava que a culpa eram deles que viviam felizes. Pessoas obcecadas, doentes, são assim, tendem a jogar a culpa de seus infortúnios em quem estiver mais próximo. Bem, seguindo tudo que Itachi apontara, conseguimos concluir o caso. Depois de meses de procura, encontramos Hizashi em uma tapera, no meio da floresta, nas proximidades do laboratório da família. Ele estava totalmente fora de si, parecia mesmo uma pessoa insana.

­— Então, o prenderam?

— Sim, ele foi preso e tentou reagir à prisão, fugiu pela floresta, mas o capturamos com vida. No esconderijo dele encontramos provas que o incriminara, na verdade, as provas serviram apenas como adendos ao processo, porque o homem acabou confessando aos gritos que havia cometido mesmo os crimes e que estava satisfeito por isso. Inclusive, que se passara pelo irmão e se deitara com a mulher dele. Esse caso teve uma grande repercussão e, no dia do julgamento, o auditório estava lotado. O mais estranho fora que Hizashi entrou no julgamento falante e confiante, dizendo que não se importava com a sentença, mas após depoimento de Hiashi, que confessou que era estéreo, ele emudeceu totalmente. Alguns dias depois, ele foi encontrado morto em sua cela, suicídio por enforcamento. Ele usara o lençol da cama.

— Ele não sabia que os filhos eram dele?

— Talvez ele só tenha se dado conta quando ouviu o depoimento do irmão.

— Que história horrível... — o padre balbuciou.

— E essa não foi a única. — Kakashi adiantou. — Fiquei tão impressionado que resolvi testar mais uma vez o que o departamento nomeou como ‘dom’ de Itachi. Pedimos para que ele nos acompanhasse na investigação de outro caso, o do Sabaku. O bebê recém-nascido da família havia desaparecido após o nascimento. Outra vez, suspeitavam de sequestro por parte de uma das empregadas que ajudaram no parto e estava desaparecida. Novamente, eu vi aquilo acontecer, Itachi apenas conversou com as empregadas, a mãe ainda se dizia em estado de choque e se negou a conversar com a gente. Quando fiquei a sós com Itachi, perguntei o que ele achava e, então, a resposta, novamente, foi capaz de chocar.

“Foi a mãe...”

“Por que uma mãe mataria o filho recém-nascido?”

“Porque seria percebido que ele é o fruto de uma traição. A criança está enterrada no jardim.”

Iruka fez o sinal da cruz.

— Ele estava certo de novo?

— Sim. Mais do que certo. Quando desenterramos a criança, exatamente onde Itachi apontara, ela ainda podia ser reconhecida. Notamos logo os cabelos ruivos e os olhos verdes opacos que ficaram abertos. Nenhuma característica genética da família, para infelicidade da mãe. Na realidade, o menino nascera semelhante ao seu genitor verdadeiro, um estrangeiro que viera a negócio para o Japão e passara uma estadia na casa da família Sabaku. A mulher, evidentemente interessada no homem, viveu um romance extraconjugal o tempo em que ele ficara hospedado na mansão. Mas o ruivo partiu, deixando um fruto que ela não esperava. A mulher também não queria perder o marido com o qual se casara por interesse, por isso, decidiu livrar-se da criança. Ela pagou para que uma das empregadas enterrasse o bebê no jardim, depois de matá-lo asfixiado.

— Que Deus tenha essas pobres almas... — mais uma vez, o seminarista fez o sinal da cruz. — Mas, como o Itachi-kun desvendava esses crimes assim, tão facilmente?

— Até hoje é um mistério. Ele nunca quis falar sobre o assunto. Sempre quando perguntava, ele se esquivava. Mas eu tinha minhas teorias, por mais absurdas que parecessem. Eu acreditava que Itachi tivesse poderes sobrenaturais e, de alguma forma, pudesse entrar em contato com o mundo dos mortos. Ver quando alguém está ou não morto. E até conversar com esses seres do outro mundo. Claro que nunca disse isso a ninguém, nem mesmo perguntei diretamente a ele; sempre disfarçava que seu talento investigativo vinha do pai, da família, que a inteligência estava no sangue dos Uchiha, boa percepção, análise rápida e intuição. Por ajudar a desvendar esses casos, ele ganhou uma bolsa de estudos na Europa, e eu fiquei cuidando de Sasuke.

— Então, ele se formou na Europa, voltou e se tornou um grande investigador, por isso ele foi enviado para nossa vila?

— Está errado.

— Errado?

— Itachi não chegou a se formar...

— Não estou entendendo, Kakashi-san. Você disse que ele foi estudar fora. Ele também confirmou que foi mandado pela Capital, que veio para Konoha junto com o irmão caçula e...

— Itachi disse que o irmão estava com ele?

— Sim. — o moreno assentiu, não entendendo o motivo da pergunta do outro. — Eu o encontrei na floresta, ferido e o levei para o seminário. A primeira coisa que ele me perguntou quando acordou foi desse irmão. Mas eu não tinha visto mais ninguém na floresta, foi o que eu expliquei. Só que Itachi se desesperou e, mesmo com o pé machucado, queria voltar para floresta e procurá-lo, pois acreditava que...

— Padre, Sasuke está morto.

— Hã? — o seminarista franziu as sobrancelhas para o homem de cabelos prateados. — Como pode dizer isso com tanta certeza? Ele está perdido, como o Sai estava, mas se eu encontrei o Sai com vida, talvez...

— Não, padre. Você não me entendeu. Sasuke está morto. Morto há mais de dez anos.

Iruka entreabriu os lábios.

— Mas... isso... o Itachi... ele...

— Sasuke faleceu dois anos após a ida de Itachi pra academia. Ele não tinha mais que treze anos, foi um acidente doméstico, a casa pegou fogo. Itachi voltou de Londres quando eu o avisei do acidente, mas não chegou a tempo para o enterro, ele viu apenas o túmulo do caçula ao lado dos do pai e da mãe. Ele não aceitou a morte de Sasuke. No começo, achei que era apenas um transtorno devido ao choque e que iria passar com o tempo, mas aquilo virou uma constante: Itachi servia três pratos na mesa; durante a noite, passava um tempo falando com a cama vazia do irmão; para de manhã, levantar cedo e pedir para que se apreçasse ou iria perder a aula. Eu tentei conversar com Itachi e explicar a ele que não havia mais ninguém na casa além de nós dois, e que Sasuke estava morto, mas ele se recusava a aceitar. Acabei tendo que interná-lo. Na clínica, ele passou por um tratamento longo, ficou quase três anos internado, tomando medicamentos. Depois desse período, ele recebeu alta e o percebi ainda mais silencioso do que antes. Mas acreditei que ele tivesse se curado, pois nunca mais Itachi falara sozinho ou fazia coisas estranhas. Acho que fui enganado esse tempo todo.

De repente, veio a mente de Iruka quando conversara com Itachi pela primeira vez e ele lhe fizera aquela pergunta estranha, depois de ter afirmado que era o único morador do seminário: “O único adulto você quis dizer?”. Naquele momento, chegou a imaginar que ele estivesse sugerindo que houvesse alguém que não fosse adulto morando no local também. Mas, ao se mostrar confuso, Itachi esquivou-se da pergunta.

— O que isso significa isso tudo, Kakashi-san? Então o Itachi-san não é um investigador?

— Não, padre. Talvez, ele apenas fantasie que seja. Eu estava viajando de férias, retornei ontem e não o encontrei em casa. Vasculhei a vizinhança e nada. Hoje fui até o departamento de polícia para ver se algum dos meus colegas pudesse saber do paradeiro dele, quando descobri que eles achavam que eu estava em Konoha. O meu superior havia mandando uma notificação pra minha casa cancelando minhas férias e pedindo para que eu fosse averiguar as denúncias de assassinatos que estavam ocorrendo na Vila da Folha. Resolvi voltar pra casa correndo, tomar um banho e me preparar para viajar, quando você chegou carregando aquele garoto...

­— O Sai. — o padre falou, abaixando a cabeça e fitando os pés calçados por sandálias e apoiados no suporte da carruagem. — Ele é filho adotivo de um morador da vila, chamado Danzou. Eu o encontrei preso em uma cripta junto com os corpos de outros moradores mortos... — Iruka falou, encolhendo ainda mais os ombros.

— Não se preocupe. — Kakashi apertou o ombro do moreno, tentando transmitir alguma tranquilidade. — Vamos resolver o caso na sua vila. Eu não sou totalmente descrente no sobrenatural. Afinal, eu convivi com alguém que, certamente, tem esses dons estranhos.

— Como iremos lidar com isso, Kakashi-san?

— Sinceramente, eu não sei, padre. A curiosidade sobre esse estranho dom do Itachi me fez pesquisar durante muito tempo sobre a linhagem dos Uchiha e descobri fatos realmente horripilantes, fatos que envolvem a sua igreja...

— Compreendo. Então, você tem ciência de que pode não ter sido mero acaso que a notificação pra ajudar a nossa vila tenha chegado em um período que o senhor estivesse ausente, Kakashi-san? — Iruka o inquiriu, erguendo os olhos para encarar o único olho de Kakashi. — Quando o Asuma-san e eu viemos buscar ajuda na capital, fomos encaminhados para arquidiocese e o bispo de lá, após ter conhecimento do nosso caso, disse que mandaria ajuda, um tal de...

— Pregador? — Kakashi completou, mostrando que também estava ciente sobre aquele detalhe, recebendo um aceno de cabeça em concordância. — Não temos mais tempo a perder, se quisermos chegar a tempo de evitar mais derramamento de sangue, é melhor nos apressarmos!

Ele voltou a segurar as rédeas com firmeza e açoitou os lombos dos cavalos, fazendo-os dispararem na estrada de terra.

...

— Patético... Ele não o fez. — Kabuto se levantou, colocando as mãos em formato de concha em torno da boca e gritou, para ter a atenção de todos: — Escutem! É o demônio que querem, não é? Pois, então... Essa criança, a qual investigador traz carinhosamente pela mão, é o monstro! Uma aberração, fruto da indecência do padre Minato! Na verdade, o próprio investigador é uma aberração igual a esse garoto.

A atenção de todos se voltaram para os dois na porta, que se mantinham inalterados. Zabuza estreitou os olhos na direção da criança, que ao ser encarado, abriu um sorriso, onde os dentes pontiagudos e as presas desproporcionais ficaram amostra.

— Danzou-sama? — um dos moradores falou, confuso, criando um alvoroço entre os demais. — O que faremos?

— Essa criança não me parece mesmo algo desse mundo... — disse outro. — Olhe os dentes disso. Esse investigador é muito estranho também.

— É, eu concordo. ­— falou Danzou. — Tem algo de muito errado nesse tal de Uchiha. Por via das dúvidas, vamos acabar com todos. Inclusive, com essa funerária maldita.

As tochas se ergueram em concordância e o grupo avançou. Não foi preciso que Itachi ou Naruto fizesse algo, um movimento rápido, um deslocamento de ar, e a cabeça de Danzou, e de outros dois que estavam ao lado dele, penderam e os corpos caíram esguichando sangue e estrebuchando no chão.

— Eu não pedi ajuda de ninguém!! — o homem que empunhava a zambatou bradou, feroz, agora com a lâmina brilhante manchada de sangue. — Eu vim atrás da minha carnificina! Sou eu quem irá livrar suas almas imundas desse mundo!

— Maldito! Sabia que não podíamos confiar nesse assassino! Vamos! Ataquem!

As pedras começaram a ser atiradas. Um homem que estava mais próximo fincou a inchada em uma das pernas do assassino que perdeu o equilíbrio. Revoltosos, os moradores se tumultuaram em volta dele que continuava girando sua lâmina, decapitando mais corpos. As tochas caíram ao chão e, em segundos, as chamas lamberam as paredes da funerária. Itachi despertou do transe momentâneo em que entrara ao presenciar aquela cena monstruosa. Olhou pra cima e viu Kabuto rindo de forma demente.

— Isso, se matem! Matem uns aos outros! Mostrem a essência da verdadeira natureza humana. Agora quem são os demônios aqui, hã? Ha, ha, ha, ha, ha!

— Maldito. — Itachi fechou os punhos; mas tinha que aproveitar o momento. Notou que o espadachim já estava sendo dominado, por isso, resolveu voltar para dentro da funerária e salvar as crianças que ainda estavam no sótão.

— Aonde vai, Itachi-nii-san?! — Naruto segurou sua mão, arregalando os olhos claros para ele. No fim das contas, demônio ou não, ele era apenas um garoto que certamente não queria ficar sozinho.

— Esconda-se em algum lugar, Naruto. Eu vou salvar aqueles dois. — Itachi mandou, puxando sua mão de volta e dando meia volta pra entrar novamente na funerária, mas assim que cruzou a porta para o lado de dentro, se deteve ao ouvir passos apressados vindo em sua direção e não demorou muito aqueles dois aparecerem ofegantes e se agarrarem em sua cintura ao alcançá-lo.

Os dois garotos estavam sujos e assustados.

— Nii-san, conseguimos sair!

— Como vocês saíram de lá?

— O Shikamaru disse que sentiu ar vindo de algum lugar, então, começamos a procurar até que ele encontrou brechas na parede. Mas estava no alto, aí ele sugeriu usarmos a armação da cama como escada, subimos e foi só bater nas rachaduras e bam! O buraco se abriu e conseguimos passar! — o garoto mais cheinho explicava, eufórico, mas ao perceber o que estava ocorrendo atrás do investigador, paralisou-se. — O que é... que ta acontecendo?

— Não olhem! — ele virou o rosto do garoto para ele. ­— Olhem pra mim, os dois, olhem pra mim e me escutem. Eu vou resgatar a amiga de vocês, por isso, vou dar uma nova e importante missão aos dois: se escondam na floresta e não voltem aqui por nada. Até que eu os chame, ou pessoas que pareçam conhecidas pra vocês os chamem, está bem?

— Eu também? — o loiro perguntou, aproximando-se deles e ganhando os olhares dos outros meninos.

— Naruto, você acordou?!

— Hai! — o loiro afirmou, coçando o nariz para o garoto lhe dirigira a pergunta. — Eu lembro de vocês, sempre vinham me visitar enquanto eu dormia.

— Se estava dormindo, como é que lembra da gente? — Shikamaru perguntou, desconfiado.

Mas Chouji se preocupou com outra coisa.

— Ei! Você está sem roupas, espera. — o menino tirou o casaco e entregou pra ele. — Vai ficar parecendo um vestido, mas é melhor do que pegar um resfriado.

— Obrigado, Chouji-kun. — Itachi agradeceu, e ajudou Naruto as se vestir. — Vocês dois e você também Naruto. Entenderam, não é? Na hora que saírem por aquela porta, não olhem o que está acontecendo lá fora, tampem os ouvidos, corram sem parar até alcançarem a floresta e se escondam.

— Hai! — os três concordaram em uníssono, balançando as cabeças também.

Naruto ainda encarou o mais velho por mais um tempo e depois de receber um breve afago na cabeleira loira, sorriu. — Certo, no três. Um, dois... três!

Enquanto os três dispararam em direção da floresta, Itachi rodeou a casa a procura da escada por onde Kabuto havia subido para o teto e a encontrou na lateral, mas para sua surpresa, o servo do funerário já vinha descendo os últimos degraus, segurando a menina junto ao seu corpo, com uma faca no pescoço dela.

— Tasuketeeee! — ela gritou, ao ver o investigador.

— Aproxime-se e ela vai conhecer o grande Deus mais cedo, Itachi-san.

— Solte-a, Kabuto.

— Não. Nós tínhamos feito um trato e você não cumpriu sua parte. Então, vamos fazer um novo, desta vez é para valer. — ele passou a lâmina no rosto dela fazendo um risco de sangue. Quando ela ameaçou gritar, ele apertou mais o pescoço dela. — Essa bela menina loira, pelo, não menos belo, menino loiro... O que acha? Talvez essa belezinha de menina desperte mais sua libido do que aquele garoto...

— INO! — um homem de cabelos cumpridos, que parecia também procurar uma forma de subir no teto a chamou.

— Otou-chan! Eu estou com medo!

— Solte minha filha, seu verme!

— De-graça-não. — Kabuto silabou. — Eu quero o pequeno demônio pela menina.

— O que está esperando, rapaz! — o homem loiro, que parecia com a menina nos braços de Kabuto, demandou em desespero. — Entregue logo aquele garoto! Deixe que esses monstros se entendam entre eles.

Escondidos atrás de uma moita na floresta:

— Os adultos estão discutindo. — Chouji observou.

— Adultos são mesmo problemáticos, tsc! Eles estão sempre discutindo.

— Depois fala pra gente que não devemos ficar procurando brigas com os amigos.

— Tudo por causa da idiota da Ino! Garotas, tsc! São mais problemáticas que os adultos.

— Eu vou lá. — Naruto anunciou para os dois.

— Mas o Itachi-san disse para esperarmos aqui. — Chouji o lembrou, ficando nervoso. — Você não é esse demônio que todos têm medo, Naruto! O demônio é mal! Você... você é do bem...

O menino loiro sorriu para o argumento do garoto mais gordinho. Apesar de terem tido pouco contato, gostava daqueles meninos que tinham o seu tamanho. Então, ele voltou-se para Shikamaru, que parecia mais esperto, achando que ele iria discordar, porém. Esse, por sua vez, só deu de ombros.

— O Chouji tem razão.

— Nah? Eu não sei o que significa essa coisa de bem ou mal ‘ttebayo! — ele coçou a nuca, mantendo o sorriso no rosto. — Eu só sei que não quero ver a amiga de vocês e nem o Itachi-nii-san machucados. — ele olhou Chouji e segurou a camisa, mostrando-a para o garoto. — Obrigado por essa batina, nah?

— Não é uma batina, é um casaco! — O menino que já estava com os olhos lacrimejados, esfregou o punho no rosto e fungou. — Naruto Kakkoii!

— Matte, Naruto! — Shikamaru pediu. — O Kabuto-nii-san não está normal. Ele pode até... matá-lo.

— Não se preocupem comigo. Eu vou ficar bem ‘ttebayo!

...

Naruto saiu do esconderijo na floresta e caminhou sem preocupação entre os corpos mutilados no chão. Conforme ia andando na direção de Kabuto e Itachi, os homens que haviam se aglomerados com as armas empunhadas em torno deles foram se afastando, abrindo caminho para que passasse. O garoto apanhou um braço decepado do chão e passou por Itachi, parando na frente de Kabuto e mostrando a ele aquele membro humano.

— É isso que você quer, Kabuto-nii-san? — ele mordeu a carne, puxando-a com os dentes até arrancar um pedaço o qual mastigou e engoliu, causando mais pavor nos moradores e fazendo alguns dos homens adultos verterem vômitos ao presenciar a cena.

Não demorou e o efeito de consumir a carne humana fizeram seus olhos azuis ganharem uma tonalidade avermelhada. Naruto destrinchou outro pedaço e mais outro e quanto mais arrancava a carne daquela parte do membro humano, mais transformações ocorriam, as mãos foram aumentando, as unhas crescendo, virando garras, até que o manto alaranjado se ergueu e o cobriu...

Kabuto passou a gargalhar em euforia ao ver aquela transformação, enquanto os presentes se petrificavam em choque e a menina desmaiava. Itachi desviou sua atenção a procura de uma arma e viu o assassino, que ainda se rastejava no chão, mesmo depois dos inúmeros golpes que recebera, segurando o cabo da enorme espada. Enquanto pensava no que fazer, veio em sua mente a conversa que teve com Naruto antes de sair da funerária.

“Naruto, se chegar a se transformar em um monstro completo, você sabe que eu sou o único que poderei detê-lo, não sabe?”

“Hm! Eu já sei disso, dattebayo!”, o menino afirmou, desfazendo aquele sorriso tão comum dele. “Nii-san... Sabe de uma coisa que lembro... Era que eu sempre dormia nas lições do Iruka-sensei, principalmente quando ele começava aquela chatice de ensinamentos de Deus. Mas era engraçado que quando eu prestava atenção e fazia perguntas que ele não sabia responder, o Iruka-sensei ficava ainda mais bravo.”

“Que perguntas você fazia?”

“Quem era esse Deus; como ele era, porque tínhamos que obedecer tudo que ele falava. O sensei respondia bravo: ‘É pra alcançarmos o paraíso e o descanso eterno quando morrermos, oras!’. Então um dia eu falei: ‘Já decidi, não quero ir pra esse tal de Paraíso. Descansar eternamente deve ser chato. Agora posso ir brincar?’.

Itachi sorriu.

“E o que ele respondeu?”

“Me colocou de castigo pra eu pensar no que eu tinha dito. Que ele já havia me explicado mais de cem vezes que existia dois lugares: o Paraíso e o Inferno. Que o primeiro era o lugar onde as pessoas boas descansam em paz e o segundo, onde as pessoas más sofreriam para sempre. Mas eu fiquei ainda mais confuso e perguntei: ‘se o Paraíso de Deus é o lugar para as pessoas boas, porque o senhor faz coisas más comigo?’. Aí ele respondeu que não era esse tipo de maldade que levava o ser humano para o inferno e que também já havia me explicado que aquilo que não podia ser feito estava no Decálogo[2]. Que as leis de Deus servem para os seres humanos terem como base o que é correto e o que é errado. Um desses mandamentos diz que não devemos matar. Porque a morte é igual a dor. Dor é igual a tristeza. Então ele perguntou: ‘se eu morresse agora você não ficaria triste?’. Eu respondi que ficaria triste sim, claro, né? Eu não quero ficar sozinho.”

— Naruto... — Itachi sussurrou, puxando a Zambatou das mãos do espadachim. — Eu não vou deixá-lo sozinho, porque eu sei como é essa dor.

— Destruam antes que ele se torne um monstro completo!

— O que está esperando, Naruto! Devore quantos deles você puder! Mate-os! Se não eles irão matá-lo.

As vozes e as cores se misturavam em uma grande confusão na mente do loiro, que lutava contra os instintos que pulsavam em suas veias. Mas em meio àquela balburdia fora capaz de ver a tranquilidade do seminário e ouvir a voz de Iruka: “Quando a morte é natural, tendemos as nos conformar, superar a dor e a ausência da pessoa amada. Mas, quando uma vida é tirada abruptamente, a tendência é de que o conformismo nunca venha. Por exemplo, se um bandido invadir o seminário, e tirar a minha vida agora, como você se sentiria?”

“Eu iria caçá-lo e matá-lo também!”

“Viu? É por isso que Deus não nos permite tirar a vida de outras pessoas; por isso está nos mandamentos que não podemos. Porque a morte gera um ciclo infindável de dor. Desperta o coração humano para sentimentos obscuros e envenena a alma com o ódio e a vingança. Ações que só irão gerar ainda mais ódio e vingança. Então, devemos evitar causar esse desequilíbrio. O Ser humano é muito vulnerável, sensível e pode transformar-se do bem para o mal rapidamente. Tudo porque ele possui sentimentos. Sentimentos esses que estão em eterna mutação e que se modificam de acordo com o ambiente em que somos expostos.”

“O Paraíso é o lugar para onde os bons vão descansar, né?”

“Isso”.

“E o Inferno é para onde vão as pessoas más?”

“Exato!”

“Então, aqui na Terra é onde vivem os dois? Os bons e os maus, certo?”

“Exata-...mente... Espere, o que quer dizer com isso?”

O padre franziu a sobrancelha para o menino que balançava as pernas embaixo da mesa e não lhe dera resposta, então o inquiriu seriamente.

“Onde está querendo chegar, Naruto?”

“Nada ‘ttebayo!!”

“Está criando pretextos pra continuar fazendo arte, não é?! Me responda, Naruto! Naruto!”

— Iruka-sensei... — o garoto sussurrou, enquanto as chamas que crepitavam em torno dele, formando aquele manto alaranjado, diminuíam. Da mesma forma que a transformação retrocedia. — Você disse que os pecados cometidos em vida podem ser perdoados se quem os cometeu se arrepender e implorar para Deus pelo perdão. Mas o Orochimaru disse que no meu caso é diferente. Eu nasci um demônio e nunca poderei ir para o lado onde os bondosos descansam. Mas eu descobri aquele dia que enquanto eu estiver vivo nesse mundo, eu poderei conviver com o Iruka-sensei e com as pessoas que amo. E é por isso eu vou ficar vivo. Não ligo para o Paraíso ou Inferno. Só me importa o agora... — os olhos alaranjados voltaram a ficar azuis e Naruto caiu de joelhos no chão.

— Ele está perdendo os poderes! Vamos atacar agora!

— Naruto, vão te matar se não agir agora! — Kabuto ainda o incentivava, soltando a menina desmaiada no chão e indo na direção do loiro.

— Minha filha! Esperem! Ela pode ser atingida.

— Mas, agora é o momento perfeito, Inoichi-san! Não podemos esperar.

Quando o grupo de moradores avançou, Itachi se pôs diante de Naruto, fazendo forças para segurar a enorme zambatou.

— Não se aproximem. Vocês não podem matá-lo. Eu sou o único que pode. Deixem-no comigo e voltem para suas casas antes que mais pessoas morram desnecessariamente. O homem quem estava matando os moradores, esta agonizando ali no chão. Essa espada é a prova de que não foi o Naruto o autor dos atentados, vocês viram com seus próprios olhos o assassino agindo.

— Ele está mentindo! — Kabuto contrapôs. — Está tentando proteger o demônio!

— O Kabuto tem razão nessa parte. — alguém no meio do grupo, agora reduzido a metade, falou. — não podemos confiar naquilo que não é desse mundo. O garoto se alimenta de carne humana é melhor acabarmos de uma vez com esses monstros!

— Eu já disse para não se aproximarem... — Itachi não concluiu, uma adaga foi lançada detrás dos aldeões e atingiu em cheio seu peito. Ele cuspiu uma bola de sangue e rapidamente perdeu a sensibilidade dos dedos, deixando a espada baquear com o solo. Não podia ter acontecido aquilo. Seria mesmo o fim... Enquanto suas vistas turvavam, foi capaz de sentir aquele calor atordoante que tomava conta de si e que emanava apenas dele: — Não... Espere, Naruto... Não...

Continua...



[1] O trióxido de arsênio é um óxido anfótero o qual apresenta uma marcante preponderância para suas propriedades ácidas. [...] É usado para tratar leucemia em pacientes que não tenham reposta a outras medicações [fonte: Wikipédia]

[2] Decálogo – conhecido como os dez mandamentos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Leia Também

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...