Capítulos: Prólogo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Epílogo
Autor: Andréia Kennen
Fandom: Naruto
Gênero: Drama, Lemon, Mistério, Romance, Suspense, Terror, Tragédia, Universo Alternativo, Yaoi
Classificação: 18 anos
Status: Completa
Resumo: Sinopse: Japão, 1890, transição do período Edo para Era Meiji, um jovem brilhante e recém formado investigador é incumbido de um caso estranho em um povoado afastado do grande centro urbano do país. Descrente da causa que estava motivando a série de assassinatos no tal vilarejo, ele segue para o local, certo de que iria desmascarar algum falsário psicopata, e ganharia, enfim, seu lugar de destaque na policia da capital. Contudo... Queria o destino que o mal que aterrorizava aquela região, não fosse uma mera crendice popular. [ItaNaru. Shota. Yaoi. + 18. Drama. Terror. Suspense. Sobrenatural. Lemon.]
Redenção
Revisado por Blanxe
Capítulo V — Primeiros Flagelos
“Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas,
pela única razão de que sabia que não devia cometê-las?
Acaso não sentimos uma inclinação constante mesmo quando
estamos no melhor do nosso juízo, para violar aquilo que é lei,
Simplesmente porque a compreendemos como tal? [...]
Esse é o vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma,
de violentar sua própria natureza, de fazer o mal só pelo próprio mal...”
(Contos, Edgar Allan Poe)
Itachi fingia estar em sono profundo. As pupilas cerradas de maneira amena, o respirar denso. Sentiu exatamente quando Naruto desenlaçou-se do seu corpo e foi para o chão e ali, provavelmente estagnara por um tempo, pois não ouvira passos. Esperou, o silêncio era sepulcral e aquela sensação de ser observado enquanto aparentemente dormia, era totalmente desconfortável. Tinha a impressão de que seria golpeado a qualquer momento, contudo, o som peculiar dos tacos envelhecidos rangendo denunciou um peso deslocando-se sobre eles. Logo, escutou o destrancar de chave e o ralhar irritante da porta que àquela hora da madrugada parecera tão alto quanto um uivo de um animal canino. Aguardou até que a porta fosse fechada novamente, e assim que ocorreu, abriu os olhos e desceu do leito rapidamente. Foi até sua gaveta e apanhou uma lanterna no meio dos seus pertences.
Engoliu em seco ao tocar na fechadura; precisava agir rápido se iria segui-lo. Abriu a porta, tentando provocar o menos de ruído possível e, assim que havia uma brecha suficiente para transpassar seu corpo, passou para o corredor. Se Naruto era capaz de andar por aqueles corredores pouco iluminados era porque os conhecia muito bem. Mas havia uma luz fraca vinda das janelas em cada extremo daquele corredor. Assim, evitando usar a lanterna, seguiu para o único caminho que levava a uma saída, no final da ala a direita, aonde tinha uma escada de frente ao quarto de Iruka.
“Ele já deve estar descendo as escadas...”, Itachi pensou, mantendo-se rente a parede, e esticando um pouco o pescoço para olhar para o vão abaixo. Estava tentando manter a calma, mas o coração batia acelerado, porém, algo o surpreendera, Naruto não estava descendo. Pensou em continuar, mas, ao colocar o pé no primeiro degrau, algo lhe ocorreu. Virou para trás imediatamente e viu a porta do quarto do seminarista entreaberta. Estava muito escuro lá dentro, mesmo que quisesse conferir se o garoto adentrara o cômodo, não conseguiria enxergar, desta forma, resolveu descer e esperar escondido na parte debaixo.
Enquanto aguardava, pensava nas hipóteses: se Naruto não descesse até o amanhecer, inventaria uma desculpa e entraria no quarto de Iruka. Por mais que aquela ideia ainda lhe parecesse escabrosa, suspeitava que o menino fosse fruto de um relacionamento do tal padre Minato com alguma garota da aldeia. Isso explicaria o porquê de o padre manter sua existência escondida. Talvez, pudesse existir a possibilidade da mãe do menino ainda viver na vila.
Mas havia algo maior incomodando o investigador, Naruto lhe dera evidências claras de que sofria abusos: as marcas no pescoço e o fato dele ter lhe perguntado se iria fazer o mesmo que “ele”. Não tinha como existir outro “ele” naquele lugar a não ser o padre. No entanto, saber da verdade não lhe daria o direito de julgar Iruka, pois acabara cometendo o mesmo erro do futuro padre. Todavia, Naruto ainda era uma criança, se o tirasse do seminarista e o levasse para capital, poderia entregá-lo para um lar de adoção. Era certo, com o sorriso cativante e a beleza que tinha, não demoraria para o pequeno loiro encontrar uma família e ter uma vida saudável e normal. Tinha que se ater aquela ideia, mesmo que naquele momento, seus pensamentos fossem tão ou mais impuros que o do padre.
Depois de mais um tempo em pé, as pernas de Itachi começaram a formigar e ele deslizou as costas na parede até sentar-se no chão. Pelos seus cálculos, talvez faltasse uma ou duas horas para o dia raiar, não podia adormecer de maneira alguma. Lembrou-se de Sasuke. Sendo exato: o dia da sua partida para Londres, seis meses depois que o pai havia sido assassinado. O caçula tinha apenas sete anos e segurava firmemente na mão do tutor.
— Pode me deixar a sós com ele um pouco, Kakashi-san?
— Hm — o homem que tinha os cabelos na cor cinza e que fora parceiro e melhor amigo do pai de Itachi lhe assentiu, desvencilhando-se do agarre firme da mãozinha do pequeno na dele. — Estarei no carro — ele informou ao menor. Então, voltando-se para o rosto do outro afilhado, desejou: — Faça uma boa viagem, Itachi-kun.
— Obrigado por cuidar dele.
— Sem problemas... — Kakashi suspirou, elevando uma das mãos a nuca. — É uma responsabilidade e tanto, mas vou tentar fazer meu melhor pelo seu pai. Eu devo isso ao Fugaku, se ele não tivesse me salvado, provavelmente eu não teria suportado a tortura... — o homem concluiu, elevando a mão no rosto e tocando as bandagens que o envolvia quase todo, exceto pelo olho direito.
Itachi só meneou a cabeça positivamente, então o homem se afastou. Olhou para o topo da cabeça do irmão, que fitava o chão e mantinha as pequenas mãos crispadas.
— Não preciso te explicar tudo de novo, não é, Sasuke?
— Se você vai embora, vai logo! — a criança gritou de um jeito birrento. — Todo mundo foi embora mesmo! Primeiro foi a mamãe, depois o papai, agora você... Se ninguém mais me quer eu também não quero vocês!
Itachi sorriu de lado, abaixando-se e apoiando um dos joelhos no chão para ficar da altura do caçula que agora esfregava o punho fechado nos olhos, tentando se livrar das lágrimas que escorriam. O irmão mais velho tirou as mãos do mais novo do rosto e percebeu o quanto este se avermelhou da vergonha por ser pego chorando; segurou firmemente a face dele, fazendo-o olhar em seus olhos. Apesar de lindo, Sasuke era a criança geniosa o qual o pai fez questão de inflamar o orgulho de carregar o sobrenome Uchiha: uma família de investigadores de prestígio conhecidos pela genialidade. O pai se focara no caçula por não conseguir despertar tal sentimento de superioridade em si.
— Eu vou voltar para ficarmos juntos, conforme lhe prometi. Mas antes, eu preciso me formar para seguir adiante com a profissão do papai, você se lembra?
O menino fungou trêmulo e concordou meneando a cabeça em um “sim”. Então, Itachi se ergueu, soltando da face dele e passou as mãos na roupa para alinhá-la, então percebeu os olhos de Sasuke firmes o encarando.
— Quer me dizer algo?
— Promete uma coisa, nii-san?
— O que é?
— Que vai fazer aquilo comigo novamente?
Itachi arregalou os olhos e sentiu o coração palpitar desesperadamente. Do lado de fora ouvia o canto dos pássaros e a luz do dia que se infiltrava pelas janelas da casa, clareando tudo de tal maneira que ferira seus olhos. Sua respiração estava descompassada. Demorou alguns momentos até perceber onde estava e que havia pegado no sono. Levantou-se devagar, sentindo as pernas doloridas por ter dormido naquela posição e, enquanto subia as escadas, lembrara-se do sonho que tivera nitidamente. Aquela última frase ainda vívida em sua mente. Mas tinha absoluta certeza, a voz que lhe falara não era do irmão, além do que, não fora aquele o pedido de Sasuke.
Após sacudir a cabeça para retornar de vez a realidade, e sem pensar duas vezes, o investigador adentrou o quarto do padre sem pedir licença e foi direto nas cortinas, abrindo-a para iluminar o ambiente. O homem na cama despertou, sobressaltado, sentando-se e esfregando os olhos demonstrando que ainda estava sonolento, o que não era comum de Iruka, pois Itachi percebera, naqueles poucos dias, como hóspede dele, que o homem sempre levantava com o raiar do sol ou antes dele. Deduziu que havia mesmo algo de errado. Mas Naruto não estava com ele na cama. Abaixou-se e olhou embaixo do móvel, também não havia nada. Então, ergueu-se e abriu o pequeno guarda-roupa, afastando as batinas penduradas no cabide, no entanto, nada.
Olhou para o lugar a sua volta: havia várias imagens de Cristo e outros santos nas paredes; um altar com a figura de Maria rodeada por anjos e carregando Cristo bebê em seu colo, aos pés dela a Bíblia aberta e dentro dela um rosário. Itachi sentiu-se zonzo, não conseguia imaginar que Iruka conseguiria fazer algo pervertido com Naruto dentro daquele quarto.
— Uchiha-san, o que houve? — o homem questionou, com um ar confuso. — Por Deus, o que está procurando no meu quarto a esta hora da manhã?
— É... Acho que vi uma cobra... — inventou a primeira desculpa que lhe veio na cabeça. - Tive quase certeza de ter visto ela se rastejando por debaixo da sua porta.
— Ah... — o homem entreabriu os lábios. — Achei que fosse outra coisa...
Itachi olhou desconfiado para o padre, observando-o melhor no leito: havia olheiras profundas para quem fora dormir cedo na noite anterior. Mas, o que mais lhe chamou atenção foi o fato de perceber que não havia nada encobrindo a parte dorsal dele, o que fez o investigador imaginar que ele estava totalmente nu.
— Que outra coisa eu poderia estar procurando no seu quarto, padre? — jogou a pergunta para ele.
Iruka arregalou mais os olhos, percebendo o fitar firme do seu hóspede em si, então, puxou o lençol para cobrir o peito desnudo.
— Eu não sei, Uchiha-san. Diga-me você.
— Padres dormem sem roupas?
— Eu transpirei muito durante a noite, minhas roupas ficaram umedecidas e eu as retirei — o homem explicou, apontando para o traje branco, tipo um camisolão, pendurado em um suporte na parede.
— Transpirou a ponto de molhar sua roupa? Mas a temperatura é bem amena aqui durante a noite.
— Eu tive febre durante a madrugada toda, tomei um chá de ervas que fez a febre esvair através do suor; peguei no sono faz pouco tempo, se vai me perguntar também o motivo da minha expressão de cansado. Está satisfeito, Itachi-san? Ou será que não é melhor que seja mais objetivo? Do que está desconfiado?
— Que dormiu com alguém nessa madrugada.
O padre sobrepôs sua boca aberta com as mãos e balançou a cabeça de um lado a outro, incrédulo no que havia acabado de escutar, até fez o sinal da cruz. Itachi manteve-se imóvel, analisando a reação de choque do homem, não lhe parecera uma encenação, ele estava realmente chocado.
— O que o levou a crer que eu, um homem casto, um servo de Deus, estaria me dei- deitando... com alguém? E quem? Se moro sozinho aqui!
“É a primeira vez que ele afirma que mora sozinho sem usar ‘Deus’ como álibi”, Itachi pensou.
— Tive a impressão de ter ouvido um barulho estranho durante a madrugada.
— Vindo do meu quarto? Tem seis cômodos separando nossos quartos, como pode ter certeza que veio daqui? Além disso, essa construção é velha! Barulhos durante a madrugada são comuns. Animais da floresta entram pelas frestas. Você mesmo disse que... — o seminarista parou, voltando-se com as sobrancelhas franzidas para o hóspede. — Não havia cobra alguma, não é, Itachi-san? Está procurando por uma pessoa, é isso? Você acha que é seu irmão? Acha que eu escondi seu irmão aqui e estou me deitando com ele?
— Não é isso, padre...
— É normal que uma mente descrente em Deus pense certas imundices, mas eu sou um servo dele, Itachi–san. Eu nunca faria algo tão horrendo como está pensando.
Itachi semicerrou seus orbes negros, analisando detalhadamente cada traço facial do homem no leito, fixando–se nas íris castanhas; não seria convencido com aquela conversa de “servo de Deus”. Estudou casos na academia que deixaria até o demônio assombrado. Pessoas aparentemente idôneas, sem nenhum tipo de passagem pela polícia, eram as que muitas vezes se revelavam criminosos frios e calculistas. Pesquisou sobre casos de mães que assassinaram seus filhos pequenos, pais que estupravam as filhas e ainda as engravidam e depois abusavam dos filhos que tinham com elas, professores que molestavam seus alunos, chefes que assediam seus empregados, crianças que depredavam e assassinavam animais indefesos de maneira sádica e inimaginável.
— Desculpe, padre... Você crê em seus ensinamentos bíblicos e eu creio naquilo que estudei. Nenhum ser humano é imune de cometer uma atrocidade, nem eu, “um homem da lei” e nem o senhor “um homem de Deus”. Se me der licença, eu tenho que continuar minha investigação.
— Não irei com você hoje.
— Não precisa — Itachi afirmou. — Eu aprendi o caminho. Além do mais, disse que não passou bem durante a noite, então, é melhor que fique e descanse. Com licença.
...
Itachi parou a carruagem diante do endereço fornecido por Asuma. Era o lugar onde morava a pessoa que Danzou insistia em apontar como culpado pelo desaparecimento do filho. Surpreendeu-se ao perceber que o lugar lembrava-lhe uma catedral, mas era o prédio da única funerária da cidade. Também estranhou um fato: teve a impressão de ouvir vozes de crianças vindo do interior do lugar e, por um instante, lembrou-se de Naruto que, por consequência, fizera-o recordar novamente a estupidez que cometera na noite anterior e a discussão com o padre.
“Talvez Iruka não seja um criminoso, mas que ele esconde algum segredo e é referente ao Naruto, isso tenho quase certeza...”, enquanto pensava, Itachi levou, automaticamente, a mão no pescoço, precisamente no ferimento que Naruto lhe fizera na noite passada. Também ficou surpreso em descobrir que um menino da idade dele pudesse sentir tanta excitação ao ponto de exasperá-la em uma mordida que rompesse sua carne.
Sacudiu a cabeça, tentando desviar seus pensamentos das lembranças daquela feição tão pura, corada e consumida pelos desejos da carne e assim, voltar a focar-se em seu trabalho. Felizmente, graças ao suposto mal-estar, o seminarista não pôde acompanhá-lo na visita em Konoha naquela manhã, o que para Itachi era uma boa notícia, assim se concentraria melhor em seu trabalho.
O rapaz suspirou, voltando seus olhos negros para a construção a sua frente que lhe lembrava muito a arquitetura gótica de algumas catedrais européias, apesar de não ter um terço do tamanho dos edifícios originais.
Atravessou o portão de aço negro, com lanças pontiagudas e seguiu rumo à entrada. Enquanto caminhava a passos comedidos, avaliava o local a sua volta; a funerária apesar de fazer parte de Konoha, estava fora dos limites da cidade, quase dentro da floresta. O cercado de lanças ladeava todo o terreno e tinha em torno de uns dois metros de altura. Do portão até a entrada, havia um caminho feito por pedras; não havia bem um jardim e sim, uma grama alta que tinha várias deformidades sendo que, algumas partes estavam pisoteadas e outras, existiam pequenas crateras onde se formavam poças de lama. Talvez, devido às árvores frondosas em torno do lugar, a água empoçada da chuva demorava mais a secar.
Itachi estacou diante da porta de madeira trabalhada, que estava fechada. Ele ergueu o punho e segurou a argola metálica que saía do nariz de um pequeno gárgula de metal. Mas não chegou a bater, pois o barulho de crianças vindo pela lateral da construção chamou sua atenção.
— Ikuso, Chouji! Vamos nos atrasar para escola!
— Matte, Shikamaru! Eu não consigo correr mais rápido que isso.
— Não corram, meninos! Andem devagar, vocês vão tropeçar.
— Voltamos à tarde, Kabuto-nii-san!
— Parem de ser teimosos. Já disse que é perigoso ficarem vindo na parte da... — o jovem de óculos e cabelos esbranquiçados deteve sua fala assim como as crianças pararam a corrida, ao se depararem com o investigador vindo da capital detido diante da porta da funerária.
Itachi observou os dois pequenos, um deles era corpulento e o outro bem magro e de cabelos puxados para trás; presos no alto da cabeça. Pareciam crianças normais. Então, seus olhos se voltaram para o rapaz que havia parado atrás dos pequenos e que ajeitava os óculos de aros redondos no rosto: ele provavelmente tinha em torno dos dezoito anos, cabelos cinza, 1,68 de altura, feição de intelectual.
— Uchiha-san? Não me diga que mais alguém morreu?
O visitante da capital percebeu os olhos dos dois garotos aumentarem de tamanho ao ouvirem aquele questionamento. Ficou surpreso ao notar que aquele rapaz já sabia seu nome, no entanto, sua admiração foi maior com o tom despreocupado que ele usou para perguntar algo que para si, não podia ser dito tão levianamente perto dos menores.
— Não — Itachi foi categórico na resposta e, querendo quebrar o tom casual do jovem e ir direto ao ponto que lhe interessava, perguntou: — Será que eu poderia falar com o responsável pelo lugar?
— O Orochimaru-sama está na floresta em busca de ervas, mas posso ajudá-lo, se quiser.
Mais uma vez, Itachi sentiu-se irritado com a resposta que lhe soara impertinente. Se ele sabia quem era, deveria deduzir também que estava ali para interrogar o dono da funerária e não ele.
— Quem é você?
— Yakushi Kabuto, auxiliar do senhor Orochimaru. Prazer em conhecê-lo, Uchiha-san.
O jovem sorriu e estendeu a mão na direção do investigador, que não correspondeu ao cumprimento.
Havia algo de falso no semblante do jovem que não agradara nada a Itachi. “Talvez, seja esse olhar avaliativo por trás das lentes o qual ele não para de ajeitar no rosto, ou, quem sabe, o jeito dele falar forçadamente calmo. Não sei ao certo, mas existe algo de muito errado nesse garoto...”, o investigador ponderou consigo mesmo, decidindo que iria interrogá-lo, porém, continuou ignorando a mão estendida e desviou sua atenção para os dois meninos ali parados.
— O que essas crianças fazem em um lugar como esse?
— Ah! Eles vieram visitar o amiguinho deles que vive aqui conosco — o homem respondeu e, recolhendo a mão ao perceber que não seria correspondido e, voltando-se para os dois que aguardavam com seus olhares curiosos em cima do investigador, pediu: — Shikamaru, Chouji, hora de irem! — ele bateu as mãos, fazendo-os despertar. — Estão atrasados para aula.
— Ahhh!! — ambos reclamaram, chateados por não sanarem suas curiosidades, contudo, obedeceram.
— Por que adultos são tão problemáticos?
— Vamos, Shikamaru! Quero comprar alguma coisa pra comer antes de entramos para aula.
— Conte-me uma novidade que não seja a sua fome, Chouji.
Assim que os pequenos se afastaram resmungando, Itachi que mantinha seus olhos firmes no tal auxiliar do coveiro, quis saber:
— Uma criança mora aqui, na funerária?
Kabuto sorriu, achando interessante a expressão de surpresa daquele homem que se esforçava para manter a indiferença estampada no semblante.
— Essa porta está trancada. — ele anunciou, ignorando o questionamento e dando as costas ao investigador. — Quando o senhor Orochimaru está ausente, eu prefiro manter o lugar fechado. Sabe, tem muitos curiosos por aí e essa é a sala onde ficam os caixões. Me acompanhe, tem outra porta aqui nos fundos e um lugar onde podemos conversar.
O mais velho decidiu seguir o adolescente, apesar dos alertas estranhos que sua intuição continuava dando. Já havia tido aquela sensação antes, quando passou por uma situação real de perigo na academia em Londres. Estava apenas estagiando quando teve que acompanhar as negociações de um sequestro a mão armada em um banco. O ladrão fora encurralado e para tentar fugir apanhou uma vítima. O homem era astuto e conseguiu enganar o oficial com quem negociava, este, acabou sendo ferido e, sem saber o que fazer, Itachi optou pela pior opção naquela ocasião: trocar de lugar com o sequestrado.
Na realidade, sua frieza e imparcialidade foram o que ajudaram a manter a calma e o raciocínio lógico, por isso, mesmo sendo ameaçado por uma arma em sua cabeça, esperou até o momento em que o bandido desse uma brecha a qual pudesse usar, o que não demorou muito a vir e, no momento em que o sequestrador entrou no veículo arranjado para fugir, largou a arma sobre o porta-luvas para poder dirigir, ao invés de pedir que ele o fizesse, foi então que apanhou a arma e virou o jogo.
— Haviam me dito que o investigador vindo da cidade era jovem, mas não esperava que fosse tanto e nem que tivesse tão boa aparência.
— Você não respondeu a pergunta que lhe fiz anteriormente.
— Você é bem sério — Kabuto observou, tentando manter seu ar casual, sem imaginar o quanto aquilo estava irritando seu visitante.
Itachi optou por ser manter em silêncio, andando mais atrás do rapaz e vislumbrando a sombras das frondosas árvores que ladeavam a construção e deixavam o terreno do lugar mais escuro, além de formar desenhos medonhos no chão e nas paredes da capela. O investigador estava intrigado com o jovem, ele lhe parecia bem esperto, pois mudava e desviava dos assuntos conforme lhe convinha. Porém, não entendia o que motivava um adolescente se tornar auxiliar de uma funerária. Logo, percebeu o portão mencionado - este estava aberto -, foi por onde passaram, adentrando uma imensa área cuja extensão seguia até o fundo do terreno e morria em um muro. Viu várias mesas, um fogão a lenha, prateleiras abarrotadas de frascos que continham conteúdos estranhos, além de líquidos das mais variadas cores.
— É aqui que preparamos os corpos para serem velados — o auxiliar explicou e, pelo que o investigador percebera, nem precisava da elucidação para deduzir.
— Você mora aqui? — Itachi perguntou, enquanto seus olhos passeavam mais detalhadamente naquele ambiente.
— Sim, esse foi o meu antigo lar, que acabou se tornando o atual, mesmo depois de ter virado uma funerária.
— Não entendi.
— Bem, esse edifício era o orfanato provisório da cidade depois que o antigo foi... — o rapaz fez uma pausa para ajeitar mais uma vez os óculos no rosto. Itachi compreendeu que ele queria, na realidade, encontrar a palavra correta para completar sua frase e logo a concluiu: — desativado.
Após dar um meio sorriso e não ter nenhuma reação do investigador, Kabuto prosseguiu:
— Depois que meus pais morreram na guerra, eu fui o primeiro interno daqui. Na verdade, fiquei sendo o único, já que pouco tempo depois, a antiga funerária teve que ser desativada no centro da cidade para a expansão de alguns prédios comerciais. O velho que era o antigo coveiro havia morrido de cirrose fazia alguns meses, foi quando o senhor Orochimaru surgiu na cidade querendo assumir a função. O governo da vila, que na época era liderado pelo senhor Sarutobi, quis migrar o orfanato para outro lugar; parece que seria em alguma repartição no colégio, já que o responsável por mim e por esse lugar antes, era um dos professores da vila. Contudo, eu quis ficar aqui com o senhor Orochimaru.
— Creio que não seja porque se apegou ao local.
Abrindo ainda mais o sorriso, o jovem concordou com a suposição do investigador, meneando a cabeça em afirmação e complementando:
— Sempre tive um fascínio fora do comum pela morte...
Itachi não se impressionou com a confissão macabra daquele jovem. Por algum motivo, também imaginava aquilo e tinha a impressão que quanto mais revirasse o passado e a vida de algumas pessoas daquele vilarejo, se depararia com mais histórias bizarras. Sai também tinha um fascínio pela morte, era visível em tudo que o cercava: o quarto, os desenhos, o caderno de poemas.
— Shimura Sai, o filho adotivo do Shimura Danzou, costumava visitar esse lugar com frequência?
— Ele não gostava que o chamassem assim, Itachi-san. Era somente “Sai”.
— Se ele não gostava do sobrenome, então, posso deduzir que ele não gostava do pai?
— É difícil saber o que se passava na cabeça ou no interior de Sai; ele era um garoto enigmático, que sempre mantinha o mesmo sorriso no rosto e, por mais que estivesse chateado ou triste, a expressão dele era sempre mesma.
“Pelo jeito, os semelhantes não se compreendem e não se dão bem. Afinal, esse rapaz parece está descrevendo a si próprio, sem perceber.”
— Pelo que parece, o conhecia bem. Eram amigos?
— Não é porque ele visitava o mesmo lugar que eu vivo que fossemos necessariamente “amigos”, diria que éramos apenas conhecidos.
— Então, o objetivo dele aqui era outro, talvez o mesmo que o seu?
O silêncio que se seguiu e aquele olhar avaliativo de Kabuto fizeram Itachi compreender que a resposta da sua pergunta era afirmativa. Kabuto, por sua vez, sentia vontade de gargalhar internamente. Tudo estava acontecendo conforme seu mestre havia dito que aconteceria e, por isso, estava encantado. O investigador era mesmo um homem inteligente e perspicaz, mas ele jamais conseguiria entender a grandeza do que estava ocorrendo ali naquela vila.
— Ah! Você queria conhecer o amigo daqueles dois, não é? — o jovem de óculos quebrou o silêncio que se instaurara entre eles, ao mesmo tempo em que fugia, mais uma vez, da pergunta levantada pelo investigador. — Venha. Entre, por favor.
Kabutou passou por Itachi e apontou a porta que dava para entrada da residência e seguiu na frente. O Uchiha o acompanhou. Entraram primeiro no que parecia uma cozinha. O recinto tinha um odor forte de pêlo de bicho molhado e Itachi viu no fogão à lenha, um caldeirão que borbulhava um líquido preto que exalava um fedor insuportável que fez seu estômago revirar. O problema é que esse não fora o único fator do enjoo, pois, pendurado por cordas no teto, havia pedaços grande de carne seca e moscas voando a sua volta. O Uchiha deu graças aos céus, quando saíram daquele ambiente e entraram em um corredor. Todas as paredes internas da casa pareciam revestida daquela pintura negra. Pararam diante de uma porta e, antes de entrar, Itachi teve certeza de ter visto aquele sorriso de lado do ajudante do coveiro. Havia recuperado seus pertences que tinham sido confiscados na estrada pelo governo da vila e conseguia sentir sua arma bem preza no cinto, escondida pelo paletó; qualquer gracinha que aquele garoto fizesse, não teria receio de feri-lo.
— É aqui — o jovem informou, abrindo a porta. O lugar era claro, tinha uma janela grande aberta por onde entrava o ar fresco que vinha do lado de fora, fazendo as cortinas de tom azul farfalharem. Parecia um quarto comum, com roupeiro de três portas, cômoda; havia alguns brinquedos espalhados no chão como uma bola de couro, um cavalinho de madeira, alguns bichinhos de pelúcia. Mas o que chamou atenção dos olhos de Itachi era a cama de casal ao centro do cômodo e, do lado dela, um tripé onde havia um soro na ponta o qual estava conectado a um braço branco.
Após Itachi entrar, Kabuto fechou a porta atrás de si e se aproximou da cama, olhando com certa ternura a pessoa que descansava ali.
— Nós o encontramos desmaiado na floresta faz mais de um ano, desde então, ele permanece em coma. Acreditamos que foi atacado por algo, pois estava sujo de sangue. O Orochimaru-sama leciona ciências e botânica na escola infantil, nesse dia as crianças estavam conosco fazendo coleta de material para a aula e eles se sensibilizaram ao ver uma criança como eles tão ferida, por isso, podemos dizer que eles se tornaram amigos e é por isso que eles o visitam com frequência.
Itachi não queria ver o rosto na cama, pois os arrepios que percorriam seu corpo faziam-no imaginar o que veria. Mesmo assim, seu corpo se moveu de forma automática e, lentamente, seus olhos negros repousaram naquela face infantil, nos cabelos amarelos-ouro, nas pálpebras cerradas que provavelmente escondia um par de esferas azuis claríssimas.
— Não pode ser... — sussurrou, sentindo uma dor de cabeça intensa assolar em sua fronte.
Virou-se rapidamente, procurando pela maçaneta da porta e, ao encontrá-la, escancarou-a. Saiu do quarto rapidamente, cobriu a boca com uma das mãos, enquanto a outra estava firme na parede.
“Isso não pode ser possível...”, continuou se repetindo, quando sentiu a mão de Kabuto em seu ombro, acompanhado por uma pergunta preocupada.
— Não está se sentindo bem, Uchiha-san?
— Não... — afirmou, se afastando do toque do rapaz em seu ombro. — Estou um pouco tonto, só preciso de um pouco de ar fresco...
— Posso estar errado, mas acho seu mal-estar se deu depois que viu aquela criança, não foi? Será que já o viu em algum lugar?
Os olhos de Itachi arregalaram-se e ele levou as mãos nas costas imediatamente, a procura da sua arma, contudo, ao se voltar para o rapaz, notou que sua arma estava nas mãos dele e agora, apontava para sua cabeça.
— Procurava por isso? — Kabuto perguntou, sorrindo de lado. — Espero que não se incomode, mas eu não me sinto bem perto de pessoas armadas e por isso eu a reti-...
— Então Danzou tinha razão! — Itachi o cortou. — Você e o seu mestre estão mesmo por trás das mortes na cidade?
Kabuto sorriu e Itachi congelou ao sentir uma presença nas suas costas. Mas não teve tempo suficiente para ver quem era, pois um golpe certeiro em sua nuca o derrubou.
— Olá, Orochimaru-sama.
— Estava tendo problemas, Kabuto?
— Na verdade, estava tudo sobre controle — o rapaz afirmou, descarregando a munição da arma. — Devo prendê-lo junto com aquele outro?
— Não me importo onde irá acomodá-lo, só certifique-se de tirar nossa dúvida. — O homem deu as costas ao empregado.
— Está indo caçar? — o rapaz quis saber, ao reparar na bolsa de mão que seu mestre carregava.
— Não faça perguntas estúpidas para quais as respostas são tão óbvias, Kabuto. — Orochimaru continuou andando e resmungando. — Sabe o quanto odeio gente burra. O nosso bichinho vai acordar faminto e a não ser que esteja preparado para se servir de alimento para ele, eu preciso trazer carne fresca... — ele concluiu em uma gargalhada maquiavélica. — Iterasshai...
— Itekimassu, Orochimaru-sama...
Continua...
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