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[Saint Seiya] Axton - Capítulo 7, escrita por Nemui

Capítulos: 1 2 3 4 5 6 7
Autor: Nemui
Fandom: Cavaleiros do Zodíaco 
Gênero: drama
Status: Completa
Classificação: não disponível
Resumo: Axton é uma fanfic constituída de 7 capítulos, cada um narrado por um personagem diferente. Todos eles são sobre um personagem que criei: Axton, um guerreiro andarilho armado com espadas e filho de um cavaleiro, que causa estranhamento por onde passa. Em cada uma das pessoas com quem lida, Axton deixa um pouco do que é, do que pensa e do que acredita.

Enfim, o Santuário. Todos pareciam muito concentrados, andando de um lado ao outro, carregando coisas, um vozerio de que estava tudo bem. Precisava procurar o Hyoga, ver como estava. Não iria questionar sua punição, qualquer que fosse ela. Ele não gostaria, e queria recebê-la.

Passei na cela, um quadrado sujo. Hyoga estava dormindo no chão, não de cansaço, mas para poupar energia, a pouca de que dispunha. Eu tinha algo, daria para ele.

“Ei. Hyoga?”

“Como sempre, está atrasado”, respondeu ele. Levantou-se, veio até a grade. Pele e osso. “Fez novas paradas no caminho para cá?”

As pessoas sempre me diziam que eu era lerdo e fazia hora, apesar de meu caminho ser reto como uma régua. Só era longo, um pouco longo…

“Não fiz nada de mais… só o costume, sabe?”

“Heh.”

“Trouxe isto. Comprei na cidade, antes de vir. Você parece estar morrendo de fome.”

“Você não viu a placa? Para não alimentar os prisioneiros? Saio daqui a um mês, não preciso.”

“Você não é um animal num zoológico.”

Hyoga riu baixo, estava muito tranqüilo. Que alívio.

“Sei disso, Axton. Mas eu errei e preciso pagar pelo meu erro. Athena me concedeu o perdão, mas eu sei que não agi certo. Se me der comida, nós dois seremos punidos. Esqueça.”

Uma pena, ele devia ter perdido mais de quinze quilos naquele cárcere. Mas estava tranqüilo, muito mais do que antes. Não estava com raiva, nem parecia arrependido. Depois daquele surto, não tinham restado traumas, aparentemente. Fiquei feliz por ele.

“Se eu pudesse, daria. Preciso pagar por ter me hospedado. Olhe, me avise quando sair. Pago algo para você, se tiver dinheiro.”
“Vou ter que esperar muito, então”, respondeu, de bom humor. “Chegou agora?”

“Neste instante.”

“Então vá logo procurar Athena. Eu disse a ela para recebê-lo bem, por isso você já tem permissão concedida para ir direto à sala dela. Com ela, você não pode perder tempo.”

“Estou sabendo. Até logo, Hyoga.”

“Até.”

Dei alguns passos, mas parei quando ele me chamou:

“Ei! E parabéns, Axton!”

“Por quê?”

“Logo saberá.”

Por quê? Não era meu aniversário nem nada… Mas… Bem, aquilo não importava. Eu saberia com o decorrer das coisas. Meu próximo passo era subir aquelas escadas. Ainda precisava visitar o Seiya e a Seika, ver como estavam… Mas a visita à deusa devia mesmo vir em primeiro lugar.

Os soldados eram relativamente inexpressivos. Aquilo me deixava com mal-estar, porque não me agradava ser formal além da conta. Meu pai não era assim, pelo que me lembrava. Chegava de coração aberto, abraçava a mãe, Alyssa, eu… Onde estão todos para me receber? Não vou sossegar até dar um abraço em cada um de vocês. Meu garoto, treinou bastante? Eu corro pra fora e mostro o golpe. Ele ri. Bom, bom! Do jeito que ensinei! Sinto tanta falta dele… E agora estava eu lá, nas mesmas escadas que um dia ele subiu. Teria ele sido formal daquele jeito?

As escadas eram longas e cansativas, nenhum convite para subi-las. Depois do último degrau, parei para recuperar o fôlego, mas logo um soldado se aproximou.

“Soubemos de sua vinda, senhor Axton. Por favor, por aqui.”

Eu me sentia pequeno naquele salão, como uma formiga numa casa. Caminhei adiante e vi um trono vazio, provavelmente de um grande mestre inexistente no momento. Passei por ele e vi mais escadas. Eram as últimas, aparentemente. Que complicação.

“Senhor Axton?”

“Sim, sou eu.”

“Por favor, entregue suas espadas. Não pode entrar armado nos aposentos de Athena.”

“Não. Ele não precisa.”

Foi quando ela apareceu. Athena saiu do quarto, bela como na primeira vez que vi. Estava sendo formal, estava acostumada a isso. Mas sorriu para mim.

“Você deve manter suas espadas, Axton. Elas são importantes para você. Venha, entre. Quero conversar com você a sós.”

Athena era a única pessoa que eu não conseguia ler. Não sabia por que, mas eu me sentia perdido diante dela, sem saber como agir. Quando me sentia assim, obedecia a qualquer ordem vinda da pessoa à minha frente. Athena estava num plano, e eu, em outro. Ajoelhei-me depois de entrar no quarto.

“Não precisa ser formal, Axton. Você pode ficar à vontade. Ser você mesmo.”

Ser eu mesmo? Não mais conhecia a mim mesmo.

“Você me disse o mesmo na última vez. Mas eu não sei ser eu mesmo há muitos anos. Não depois…”

Não depois de ela me olhar daquele jeito. O que você fez? Limpei tudo, mãe. Está na hora de superar o passado. O pai não vai nos levar para pescar, por isso não precisamos dessas coisas. Precisamos fazer isso, não concorda? O que você fez, Axton… O que você fez…

Athena se ajoelhou na minha frente. Ela estava chorando? Estava, e estava claro: ela estava triste. Assim como eu.

“Você não merece isso, Axton”, disse ela, olhando tão diretamente que eu me sentia transparente. “Você se culpa tanto pela sua mãe… que faz o mesmo que ela. Revive o passado a todo o instante, não consegue superá-lo. Está na hora de você limpar a sua sala. Está na hora de acabar com isso.”

Eu não podia. Não podia, porque não havia Axton algum. Eu era apenas o passado personificado, uma sacola de memórias que reagia ao presente. Eu não sabia ser eu mesmo há muito tempo.

“Espere aqui”, resolveu ela. Eu duvidava que Athena pudesse me ajudar, mas eu aceitaria qualquer coisa vinda dela.

Athena voltou com aquele cetro dourado e o cosmos queimando. Era quente e reconfortante, embora eu só sentisse dor. Senti os olhos pesados, muito pesados, minha consciência afundava, mas eu não queria dormir no colo da deusa, era uma blasfêmia! Eu já tinha chorado sobre ela uma vez, mas não era certo. Meu pai tinha me ensinado que a deusa pertencia a outro plano, intocável para nós.

Afundei. Vejo-me de pé na velha casa, tão maltratada. O pai nunca mais pôde consertar nada, e eu tinha medo de mexer nas coisas que ele tinha deixado. A mãe olha para mim, com o pescoço marcado. Minha boca está salgada, meus olhos ardem. Ela já cometeu suicídio, mas as coisas, curiosamente, ainda estão em cima da mesa. A vara de pesca, a cesta de piquenique. Ela se aproxima, sorri, fala algo que não consigo escutar. Então se vira para a mesa e vai até lá. Põe a mão na cesta. Não! Não pode.

Eu corro, lhe seguro a mão. Se ela fizer aquilo, ela morre. Se ela fizer aquilo, Alyssa chora. Se ela fizer aquilo, toda a minha vida irá embora. Ela não precisa superar a morte do pai. Ela pode demorar o tempo que quiser, a cesta pode até apodrecer lá, só não quero que ela se suicide! Só não quero que ela morra por minha culpa.

Está tudo bem, Axton. Pode soltar. Eu sei que seu pai não vai voltar. Pode soltar. Solte. Eu não quero, eu não quero. Solte. Não posso.

Ela sorri. Não vou a lugar algum. Não se preocupe. Estou com medo.

Ela se ajoelha e me abraça forte, muito forte. Não consigo me mexer.

Perdoe-me. Não farei mais isso. Por favor, faça isso, Axton. É o que seu pai e Alyssa também desejam. Deixe-nos.

Ela me solta, eu me afasto. Ainda tenho medo, mas é o que eles querem. Tremo, hesito. A cesta está lá. Ponho a mão, tremendo muito. O pó se eleva quando tiro. A vara está tão velha, a comida nem mais existe ali. Estavam lá há anos. Há anos. Não controlo os soluços, tenho medo.

Olho para a mãe. Ela sorri. Seguro-a forte, para que não vá embora. Mas ela me abraça forte. Muito forte.

“Axton…?”

Eu chorava de novo sobre o vestido de Athena. Que vergonha! Meu corpo sacudia com os soluços, eu não tinha forças para sequer me sentar. O cosmos dela me reconfortava, de uma forma inexplicável. Eu os amava, mas deixei-os partirem, um por um. Escaparam como sabão molhado, quase como que sem querer.

O que restava em mim agora? O que restava? O cosmos de Athena ainda me dava amparo. Meu pai fora fiel a ela até a morte. Respirei fundo.

“Perdoe-me, Axton. Eu causo tanta dor…”

A culpa não era dela. Pessoas como o meu pai eram necessárias. A morte de minha mãe não fora previsível, assim como o seqüestro de Alyssa. Eram fatos infelizes que tinham acontecido. Que aconteceriam, mesmo se eu não existisse. Chega de chorar.

Tentei me levantar, mas não consegui. Estava tão cansado…

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Estava na cama, e ela estava sentada no canto, ainda com a minha cabeça em seu colo. De vergonha, tentei saltar e me afastar, mas ela me segurou e me manteve ali.

“Calma, Axton, não se preocupe. Devo isso a você.”

Devia o quê? Ela era uma deusa! Eu era um mortal, que não merecia a menor atenção. Céus, eu sujara o seu vestido com lágrimas…

“Não… Minha deusa, não posso aceitar. Nem sou cavaleiro para ser amparado assim. Só vim me reportar, dizer que o seqüestrador foi morto, e que agradeço a ajuda da última visita…”

“Pare de dizer besteiras”, respondeu Athena. Parecia irritada.

“Perdoe-me… Não tive a intenção de ofendê-la…”

“Já disse para parar de dizer besteiras, Axton. Não está ofendendo ninguém aqui. Vamos, venha comigo.”

Como ela parecia irritada, não disse nada e obedeci. Afinal, cavaleiros obedeciam à deusa, não? Eu não era um, mas meu pai era. Ele me dizia que a deusa precisava ser obedecida sempre, desde que eu era um pirralho. Acho que aquela fora uma lição bem dada, pois eu não via por que não obedecer.

Descemos as escadas, passando por todos os soldados. Athena dispensou companhia e continuou apenas comigo, até alcançarmos um vasto jardim. Era uma área só para ela, pois não havia ninguém lá. Athena parou e me olhou daquele jeito, tão nos olhos.

“A propósito, Axton, não me chame de Athena. Eu tenho um nome. É Saori. Já conversamos tão bem antes, não se lembra?”

Athena tinha outro nome que não era Palas? Ora, essa era nova para mim. Saori era um nome japonês, certo? Mas ela era grega, sem dúvidas.

“Saori… certo.”

Ela sorriu e parou no meio das flores.

“Seu pai o educou para ser submisso assim? Ele o educou para ser um cavaleiro de Athena?”

“Bem… Não para ser um cavaleiro. Mas ele era um cavaleiro fervoroso, sempre fiel à deusa… a você. Ele me dizia como um cavaleiro deveria agir na frente da deusa, por isso eu sei. Acho que ele só ficava empolgado e contava… E eu acabei aprendendo. Não sou um cavaleiro, mas faço porque ele sempre falou disso, desde que era um menino.”

“É uma pena que ele não tenha me conhecido”, respondeu ela, “assim teria ensinado diferente. Eu preciso ser formal, porque o Santuário é grande, e precisa de organização. Mas para você, eu sou só Saori, está bem? Sejamos amigos.”

Ser amigo de uma deusa era blasfêmia para muitos. Mas eu precisava obedecer, certo?

“Sim… Saori.”

“Você é tímido no começo”, disse ela, rindo. “Nesse aspecto, parece o Shun. Ele é formal e educado, mesmo quando não precisa ser. Ele se sente mais à vontade assim. Mas você não parece se sentir bem quando é formal, Axton. Eu sinto isso. Não se preocupe com o fato de eu ser uma deusa.”

“É um pouco difícil… Afinal, você é uma deusa, Saori.”

“Mas eu sinto falta de ser humana também. Você sabe, eu fui criada pelo meu avô. Passei anos muito felizes com ele. Não falei dele na última vez, não é? Ele sempre me cativou com suas histórias. Ele me ajudou quando as memórias de deusa vieram a mim, no começo por sonhos, depois em plena luz do dia.”

“Como foi essa coisa?”

“Eu tinha sonhos, com os outros deuses. Sonhava com guerras, com cavaleiros morrendo… Algumas vezes acordava chorando. Ele não podia fazer muito por mim, mas ficava comigo. Eu o amo tanto, Axton, mesmo não sendo o meu parente de sangue.”

“Não deve ter sido fácil… Despertar as memórias de Athena ainda criança, com cabeça de criança. O mundo dos cavaleiros é também um mundo de carnificina. Nós nos acostumamos ao cheiro de sangue.”

Eu, principalmente. Eu senti muito cheiro de sangue quando matava pessoas para Illias. Eu era um idiota.

“Mas ser cavaleiro não é apenas isso, Axton”, respondeu Saori. “Você já deve ter percebido isso.”

“Eu sei disso. Eu nunca precisei perceber, porque eu sei. Sou filho de um cavaleiro, esqueceu? Meu pai era capaz de dar a vida por qualquer pessoa em perigo. E mais, ele se preocupava com os sentimentos dela. Ele tinha esse cuidado. Quando ele morreu, percebi que tinha herdado esse costume. Eu sabia como as pessoas estavam. E quando elas ficavam amargas, eu me sentia amargo. Via minha mãe e minha irmã sofrendo… E sofria porque elas sofriam. Eu via pessoas da vila sofrendo… E meu pai sempre foi gentil com elas, porque as compreendia. Por isso eu treinei. Para fazer o que ele fazia. Só que eu falhei miseravelmente.”

“Mas você continua fazendo isso, não é? Seiya me contou que você se preocupou com Seika… E por isso não quis que ele viajasse com você.”

“Acho que é costume, não sei…”

Eu não sabia mesmo. Depois de ter parado de matar pessoas, voltara a ajudá-las. E foi tudo muito natural. Eu me preocupava naturalmente.

“Você gosta de ajudar os outros. Puxou o seu pai, não é?”

“Não sei. Acho que um pouco dos dois.”

“E é isso que faz o Axton de hoje. Você não é um casulo vazio.”

Saori via substância em mim? Via mesmo? Ela riu.

“Passe esta semana comigo, Axton. Quero que seja o meu guarda-costas. Pelo menos esta semana.”

“Seu guarda-costas? Mas… Com tantos cavaleiros competentes em volta?”

“Ora, nenhum deles tem permissão para usar armas. Você não é um cavaleiro, por isso pode usar as espadas. Não é uma boa vantagem?”

“Mas… Você pode dar permissão a eles para usar armas, não pode?”

“Não complique as coisas. Vai fazer ou não vai?”

“Eu faço!”, respondi, antes que ela ficasse irritada de novo. Meu pai me mataria se eu não fosse gentil com a deusa dele.

“Então… trato feito. É claro que não peço nada de graça. Em troca, pago o que gastou na sua jornada, desde que saiu de sua casa, na África do Sul, e mais um adicional, caso queira iniciar uma nova jornada depois. É vantajoso para você assim, tenho certeza.”

Bem, dinheiro era algo que fazia falta há muito tempo. Passara algum tempo lavando os banheiros de um hotel siberiano, depois de sair da casa de Hyoga. Ganhei uma mixaria, passei fome. Mas tudo bem.

“Sim… Ajuda muito… Obrigado, Saori.”

“Bem, tenho coisas a fazer por hoje… venha.”

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Perto de Saori, sentia-me perdido. Não havia em quem refletir, não captava os sentimentos dela. Ela sempre muito calma, mas sua calma não chegava até mim. Quando ficava irritada, eu não irritava junto. Quando ficava triste, eu não ficava triste. Não sabia por que isso acontecia, sendo que sempre, em toda a minha vida, sentira os sentimentos dos outros como se fossem meus. Mas percebi, aos poucos, que ela sofria por seus cavaleiros. Por isso chorava, por isso me queria por perto. Ela sabia que eu, como filho de cavaleiro, sofrera pela morte de meu pai, morte causada pelo Santuário de Athena.

Não vi Seiya, nem Seika. Saori me contou que ambos estavam no Japão, numas férias merecidas. Disse que Seika estava muito contente por passar um tempo com o irmão, por isso fiquei feliz por ambos. Que ele aproveitasse a vida ao lado da irmã. Eu sentia saudades de Alyssa, minha pequena peste. Ela vivia grudada em mim quando não estava treinando. Ríamos muito.

Na maior parte do tempo, Saori ouvia relatórios de missões, recebia informações e ouvia sobre a situação nos diversos lugares do Santuário. Parte de seu trabalho era na verdade destinada ao mestre do Santuário. Como não havia mestre, ela ficava sobrecarregada. Eu permanecia ao seu lado, sempre com uma das mãos sobre o copo da espada, pronto para usá-la. Fazia pose; uns ficavam intimidados, outros achavam o máximo. Eu me ria por dentro.

“Athena, trouxemos este traidor. Ele tentou fugir, foi pego próximo ao limite do Santuário. Depois pediu para ser reintegrado. Sabemos que ele fugirá, mas resolvemos consultá-la.”

“A regra é clara”, disse um servo, do lado. “Desertores devem ser mortos. Quem foge do campo de batalha não é um aliado digno de confiança. Executem-no!”

Saori permaneceu imóvel, sem dizer uma palavra. Ela iria permitir a execução?! Um soldado aproximou-se do garoto com a lança. O menino se borrava de medo. A arma foi erguida, e nenhuma palavra foi emitida pela deusa. Não. Eu não permitiria.

Minha lâmina correu bem, partiu a lança ao meio com perfeição. Os outros soldados avançaram e me seguraram pelos braços. Um deles me golpeou pelas costas, forçando-me a ajoelhar. Eles podiam me punir por aquilo, pois eu era fiel à deusa. Mas não permitiria que um garoto fosse morto daquele jeito!

“Athena! Peço permissão para executar esse traidor também! Qualquer um que ajude um desertor deve morrer!”

Agora eles iriam me matar? Isso não estava no trato. Mas eu não estava disposto a morrer por tão pouco. Podiam me punir, mas não me matar. Somente Saori poderia aquilo!

“Pare com isso”, disse ela.

Saori levantou-se e veio até mim.

“Solte o meu guarda-costas e o menino.”

“Minha deusa.”

Obedeceram. Saori sorriu para o garoto.

“Prometa-me que usará sua força para proteger as pessoas, jovem. Você pode partir, se for pelo bem dos outros.”

Depois, voltou-se ao servo.

“Quando Axton decidir algo, vocês devem obedecê-lo, estão entendendo? Se ele decide preservar a vida do garoto, vocês obedecem. Ele pode fazer o que quiser, e vocês não têm permissão para puni-lo por qualquer coisa.”

Os servos e soldados abaixaram as cabeças e recuaram, temerosos. Saori sorriu-me.

“Você é piedoso, mas não gosta de quebrar todas as regras. Permitiu ser castigado, mesmo tendo poder para esmagar todos eles.”

“Não podia permitir que ele morresse. Mas eu não esqueci que sou submisso a você. Acho que fiz um pouco das duas coisas.”

Ela riu.

“Ninguém naquela sala estava sendo piedoso. Isso foi algo que surgiu de você, Axton, apenas de você. Está se reconhecendo em suas ações?”

“Não sei… talvez as de meu pai.”

Eu não sabia o que Saori pretendia me arrastando para todos os cantos do Santuário daquela forma. Não saía do seu lado em momento algum, por isso ficava perturbado. Ao mesmo tempo, sua presença me dava segurança. Parecia até que era ela a minha guarda-costas.

Depois de libertarmos o tal desertor, ouvimos mais uns relatórios sem grande importância e voltamos ao quarto. Ela sentou-se num sofá e convidou-me para descansar com ela. Sentei, um tanto incerto.

“Axton. Por que defendeu o desertor? Você conhece as nossas leis.”

“Ninguém deserta porque sempre desejou desistir. Aquele garoto estava aflito, perdido, estava sofrendo com a própria desistência. Que deixe desistir, Saori. Ele não deseja o nosso mal. Até eu senti a sua vontade de desistir como minha.”

“É o que você fez a vida toda, não é?”

“Desistir? Nunca fiz isso.”

“Não, não isso. Querer fazer como a pessoa à sua frente. Você copia o que está na frente. Mas quando age diferente, é o Axton. Você pode ter sentido a vontade de desistir do menino. Mas não desistiu de defendê-lo.”

“Não gostei da maneira como o trataram. Não estamos em guerra, nem nada. Se ele quer mudar de vida, não vejo por que puni-lo. Só não quero que ele saia daqui sem levar nada. Quem sabe? Esse desertor pode salvar alguém lá fora, usando as técnicas que aqui aprendeu. Algumas leis deveriam ser repensadas, não acha?”

Ela sorriu.

“Aos poucos, vejo o verdadeiro Axton surgir. Acho que está na hora de dar-lhe um teste.”

Mas do que ela falava? Athena era para mim a mais misteriosa das pessoas. Eu não sabia o que se passava por sua cabeça, não sabia se estava irritada comigo ou não, se aprovava os meus atos ou não…

“Que tipo de teste, Saori?”

“Não fique nervoso. Pense no que acabou de fazer. Tudo vai dar certo, eu sei disso. Seu teste é amanhã. Descanse bem hoje.”

Não entendia. Eu podia até sentir o tédio dos soldados imóveis e inexpressivos que ficavam no lado de fora do meu quarto, montando guarda. Mas não compreendia Saori. Não gostava daquela sensação, de não ter onde se apoiar. Não conseguia lidar bem com ela, tal como fazia com os demais. Como não sabia como agir, acabava sem fazer nada.

Saori voltou para o quarto dela, e restava a mim ir para o meu, dentro de sua ala. Era uma sala de depósitos, transformada em quarto apenas para abrigar-me. Era uma honra a qualquer pessoa permanecer tão perto da deusa.

Deitei na cama, pensei no passado. Minha mãe dependurada pelo pescoço, seus pés rijos, sem vida. Pensar naquela imagem era chupar um limão até a última gota. Pensei na mesa com a cesta de piquenique, pensei nela vazia. Pensei na carta, informando a morte de meu pai, na ausência gritante. Pensei em Alyssa, com o rosto preocupado, pouco antes de eu sair. Todos estavam lá, numa ferida que jamais se fecharia. Que teste era aquele, afinal?

Matei dezenas de pessoas, sujei minha roupa com o sangue de inocentes. Finquei a espada em suas gargantas sem chorar, como uma máquina a degolar frangos. Tentei recuperar Alyssa, achei seu cadáver. Pobre Alyssa. Seus ossos eram tão frágeis e finos, diferentes dos meus. Matei pessoas em vão. Parei de matar pessoas, pensei em vingança. Hesitei. Hyoga matou o sujeito antes que eu pudesse pensar uma segunda vez. Não consegui odiá-lo.

Eu bem que merecia morrer.

Athena me perdoou e agora falava de um tal teste. Suspirei na cama. O verdadeiro Axton… Era quem? Um assassino? Um mero assassino, ou um pecador, que devia morrer.

“Eu mereço morrer…”

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Amarrei as espadas na cintura, precisava ir ver Saori. Não sabia o que era aquele teste, mas não podia voltar atrás. Eu nunca voltara atrás nas decisões, e por isso errara muitas vezes. Se não tivesse decidido limpar aquela mesa, minha mãe poderia estar viva. Se não tivesse tentado ser como o pai sem poder ser, Alyssa não teria sido seqüestrada. Talvez… Eu jamais saberia a verdade, porque ninguém podia prever coisas que nunca aconteceram. Isso me torturava, sempre.

Saori me levou para uma vasta arena, reservada a competições oficiais. Havia ali um enorme guerreiro, coberto de músculos e cicatrizes. Estava preso com mais de vinte correntes. Ele era uma montanha de raiva. Qualquer pessoa podia sentir aquilo, pois os soldados não ousavam se aproximar dele. Seu espírito era violentíssimo, o que me trazia de volta a fúria daqueles dias de carnificina, quando eu matara inúmeras pessoas para Illias. Tive medo de ficar raivoso, caso passasse muito tempo com um sujeito como aquele.

Sentamos num degrau da arquibancada. De início achei que assistiria a algum evento, mas não era isso. Saori olhou-me muito sério.

“Axton, eu tenho um enorme respeito pelo seu pai. Ele foi um cavaleiro fantástico, bondoso, ousado. Mas ele enfrentou uma época muito difícil para o Santuário. Uma época em que cavaleiros entraram em guerra, um contra o outro. Muitos morreram. Seu pai, infelizmente, foi uma das vítimas desses confrontos.”

Ninguém nunca tinha me contado detalhes sobre a morte de meu pai. Eu só sabia que ele morrera, apenas isso. Nem o corpo trouxeram para confirmar a morte. Só disseram que ele tinha morrido, só isso.

“Saori… Você… Sabe me dizer como foi a morte dele?”
“Eu sei, e eu vou dizer. Seu pai foi morto como um revoltado do Santuário.”

Não podia ser verdade! Acabei me levantando sem nem pensar.

“Não pode ser! Meu pai sempre foi um cavaleiro fiel!”

“Eu sei disso, Axton! Por favor, acalme-se. Sente-se. Ele não me traiu, eu já adianto isso. Seu pai foi muito nobre, até a morte.”

Sentei. Eu não devia ter gritado com a deusa, vergonha era a minha. Todos me olharam de forma reprovadora, mas ela sorriu.

“Você gosta mesmo de seu pai. É por isso que precisa saber como ele morreu. O seu pai foi executado pelo Santuário, acusado de traição. Ele protegeu uma pessoa que se voltou contra o Santuário por motivos justos. Ele era um ferreiro, que fugiu do Santuário. Descobriram que seu pai o protegia, por isso executaram-no.”

“Mas… Nem ele, nem meu pai eram traidores.”

“É claro. Esse ferreiro estava insatisfeito porque o mestre estava usando as armas dele para punir e matar. Ele se recusou a fabricar mais armas, seu pai o tirou do Santuário. Mas a verdade é que esse mestre era um impostor. Seiya e os demais lutaram ao meu lado para restaurarmos o poder neste Santuário. Infelizmente, cavaleiros nobres como o seu pai pagaram com a vida por algo tão injusto.”

Eu não sabia o que dizer. Meu pai não falava dos problemas do Santuário, sempre parecia muito feliz. Queria nos ver felizes.

“Seu pai também cometeu erros, antes de desobedecer ao Santuário. Assim como você, ele também matou pessoas e depois se arrependeu. Olhe para aquele pobre guerreiro, Axton.”

“O gigante acorrentado?”

“Ele… é Corydon, filho de um soldado que foi executado por seu pai. Foi uma execução injusta. Como pode ver, seu pai também enfrentou sérias dificuldades, seqüelas restaram.”

Olhei para o soldado acorrentado e compreendi a sua raiva. Os soldados espancavam-no para mantê-lo quieto, sobre cicatrizes de outras agressões. Ele me olhava com um ódio infinito, e com razão: eu era o filho do assassino de seu pai.

“Axton, ele sabe quem é você e quer se vingar. Antes do pai dele morrer, ele sempre foi um bom soldado. Era discípulo de um cavaleiro, era muito gentil, calmo… Era um rapaz normal. Perdeu a razão depois que o pai dele foi morto de forma injusta. Tentou desertar, um cavaleiro poupou a vida dele. Desde então tem estado preso com toda essa fúria, querendo vingança. Já destruiu inúmeras celas, é difícil detê-lo.”

Saori levantou-se, subiu alguns degraus. O preso bufava contra mim.

“Axton, seu teste é este: escolher o destino desse pobre rapaz.”

Eu? O que eu devia fazer? Os soldados começaram a soltar as correntes, mas Corydon não teve paciência e livrou-se ele mesmo dos grilhões, apenas com a força dos grossos músculos.

Ele avançou contra mim, e eu não sabia o que fazer. Senti seu soco afundar no meu estômago, e quase vomitei com o impacto. O ar entrava e saía, mas eu não conseguia respirar. Ajoelhei-me com a dor, um peso enorme atingiu minha cabeça. Por reflexo, quando caí no chão, rolei para fugir de Corydon. Fiz bem, ele ainda tentou pisar minha cabeça, mas só encontrou o chão.

Tirei uma das espadas, empunhei-a com ambas as mãos. Ele quis me dar um golpe. Meu movimento por reflexo era cortar-lhe o braço. Mas eu não podia fazer aquilo. Girei a espada e apliquei o golpe com a parte não cortante. Ele recuou, segurando o braço.

“Você… Seu pai…”

Decidir o destino dele? O que fazer? Meu pai matara injustamente o pai dele. Meu pai, que sempre foi tão bom. Acho que meu pai se deixaria matar por punição. Será que eu precisava aceitar a punição? Era isso que a deusa esperava de mim?

Meu pai tinha chegado em casa. Minha mãe corria para aprontar sua comida, requentar o almoço, numa pressa alegre. Ele vinha por trás, laçava a cintura dela com um só braço, puxava-a para junto dele e beijava-a várias vezes, sem parar. Era a primeira coisa que fazia. Depois nos abraçava, via o meu golpe, elogiava. Carregava Alyssa nos braços. Ajudava pessoas. Ele era um cavaleiro de Athena perfeito, e um homem muito feliz. Eu pensava assim.

O golpe no peito, no meu lado direito. Deixei a espada cair. Corydon me chutava as costas. Sentia o gosto de sangue na boca.

Ele combinava de jantarmos fora, num restaurante chique. Minha mãe se arrumava toda, ele pegava o dinheiro recebido do Santuário. Levava a mãe pela cintura, levava-nos pela mão. Era apaixonado por nós. No meio do caminho, dava um trocado para um esfomeado, com um largo sorriso. Ele era assim, perfeito. Depois que ele se foi, deixei a mãe e Alyssa na mão. Eu era um fiasco.

Se ele cometera algum erro, eu pagaria, pagaria sim, de bom grado. Se isso acalmasse a raiva dele. Acho que quebrei um braço.

Ele me batia na cabeça, dizia que eu agia errado. O certo era pensar no outro lado, também no que se passava dentro das pessoas. Eu ficava emburrado, e ele me avisava para calar-me e escutar com atenção em vez de ficar bravo. Olhava para um homem encostado a um poste. Sua expressão era vazia, e ele dizia. ‘Está vendo aquele homem? Ele está preocupado com alguém. Não sei quem, mas está preocupado com alguém’. Não sei como ele conseguiu me ensinar aquela coisa. Eu sentia o cosmos dele queimando à minha volta. Dizia, com orgulho, que meu cosmos era parecido com o dele.

Ainda estava vivo? Estava. Corydon foi fazer algo. Vi um brilho refletido com o sol. Ah, sim, a espada. Ele queria me executar.

“Segurem-no”, foi o comando de Saori. Corydon foi espancado e puxado de volta. Mesmo assim, ainda conseguiu fincar a espada em algum lugar das minhas costas. Não sabia bem onde, porque tudo doía.

“Axton”, disse ela, mais próximo. “Por que não luta?”

Não era lógico? Se meu pai fizera algo errado, eu pagaria pelo erro dele. Eu era o idiota que vivia errando, não ele. Então nada mais certo do que tomar aquele erro como meu.

“Ele tem o direito, Saori.”

“Axton…”

“De novo fiz algo errado, não é? Você esperava que eu fizesse algo diferente neste teste. Eu vivo errando, sabe? Eu fiz muita besteira, não me importo de pagar pelos erros.”

“Não é a única saída, sabe disso, não sabe?”

“É a melhor, Saori. Ele tem o direito de vingar-se.”

Pela primeira vez, senti. Senti os sentimentos de Saori, muito claros. Ela estava nervosa, aflita. Seus olhos arregalados diziam tudo. Ela estava quase chorando. Não demonstrava sinais físicos, mas eu sentia exatamente o que ela sentia. Ela queria chorar. Mas eu não queria. Eu estava muito tranqüilo, ironicamente.

Mas Athena sempre vencia. Era por isso que carregava a deusa Nike, não era? Saori inclinou-se, beijou-me a testa e abraçou-me com cuidado. Senti seu cosmos, tão quente e reconfortante, tão gentil. Ela então me olhou brava.

“Axton. Como Athena, eu ordeno: sobreviva.”

Eu ri, meu peito doeu. Meu pai sempre dizia: se Athena manda um cavaleiro morrer, ele morre, sem discutir. Ele sempre obedece sem discussão. Eu também faço isso, porque sou um cavaleiro de verdade. Ele dizia assim, muito naturalmente, muito decidido. Ele me ensinou a ser assim.

“Assim você me complica as coisas. Verei o que posso fazer, minha deusa.”

Forcei o corpo. Ele doía horrores. Levantei. O soldado ainda lutava contra as correntes, querendo me matar. Desembainhei a outra espada.

“Soltem o grandalhão.”

Ele avançou, e só me restava uma única opção. Matá-lo? É claro que não. Defendi-me de sua pesada investida, desviei de seu caminho, ele quase caiu, Olhou-me mais furioso e avançou de novo. Desviei de seu golpe e usei o lado sem fio para golpear-lhe as pernas. Ele caiu.

“Não vai ser como antes, Corydon. Eu admito que você tem o direito de vingar-se de meu pai. Mas eu não darei uma vingança, se não a merece. Se quer me matar, precisa ser mais forte do que isso.”

Ele rosnou. O sujeito não falava não? Avançou de novo, amadoramente. Com o cabo da espada, dei um golpe em seu estômago. Minha primeira espada caiu de sua mão, e eu a recuperei.

“Corydon, hoje não será o dia da vingança. Desista. Deixe para outro dia. Olha, podemos treinar juntos, o que me diz? Eu te ensino a lutar. Então um dia poderá me matar. Não acha melhor assim?”

Ele me olhou com mais raiva. Enfim abriu a boca.

“Eu nunca seria amigo do filho do assassino…”
“Mas ficou inimigo de todo mundo, até de Athena. Não é soldado dela? Não obedece? Vai ficar cego com a vingança? Quando vai ajudar as pessoas? Você não queria ser um cavaleiro? É tão fraco. É tão ridiculamente fraco. E não digo de corpo. Você é muito forte de corpo. Mas o espírito…”

Tive um estalo.

“Pegue o meu pai, por exemplo, o homem que você chama de assassino. Ele sempre sorria para a gente. Ele sempre nos iluminou quando voltava para casa. Ele tinha inúmeros problemas aqui no Santuário, sofria, mas sofria quieto. Ele sabia que sentíamos a falta dele, por isso… Fingia que estava tudo bem. Por dentro é sempre um tufão de sentimentos, de desgostos, de tristezas. Até dentro dele. Mas ele estava sempre sorrindo para nós. E sorria de verdade, porque eu nunca reparava nesses sentimentos dentro dele. Eu sentia uma alegria, um orgulho, uma bondade. Ele era assim. Perfeito assim.”

Ele era, perfeito assim. E só agora compreendia o que era ser perfeito.

“Ele e eu… Gostamos de trazer um pouco de esperança às pessoas. Nós gostamos de nos preocupar com elas. Mas essa preocupação nos mata. Ela se torna maior do que nós mesmos. Mesmo quando sofremos, fazemos o que é certo, sorrimos, ajudamos, fazemos qualquer coisa. Eu não matei Illias. E não mataria, mesmo que Hyoga me desse uma segunda chance. E você, Corydon… É muito fraco. Porque só pensa em vingança, sendo aspirante a cavaleiro… É uma vergonha!”

Queimei o cosmos e avancei. Aquele golpe era o bastante para doer, mas não matar. Ouvi o gemido, dei um soco no gigante oponente. Ele caiu, desacordado.

“Você pode vir me desafiar sempre que quiser. Quando me vencer, poderá me matar.”

Era o melhor que podia fazer, e o correto. Meu pai não matara ninguém sem sofrimento, assim como eu. Mas mesmo assim, nos trouxe alegria. Ele era forte. Eu tive de ser forte para conseguir a minha vingança. Se Corydon realmente queria aquela vingança, teria de fazer muito mais do que ser um bruto.

Saori sorriu para mim.

“Obrigada, Axton. Você passou no teste.”

“Posso saber quais eram os critérios para passar nesse tal teste?”

“Era simples: ser você mesmo. Não ser apenas quem seu pai dizia para ser, nem o que a pessoa da frente é. Ser você: Axton. Eu queria que percebesse o que acabou de perceber. Quem é você de verdade. Queria que percebesse como é forte e valoroso. Acho que agora percebeu.”

Eu tinha percebido o quanto meu pai fora forte naquela época, e em como eu tive de ser durante tanto tempo. Eu tinha falhado em muitas coisas, era verdade. Mas o peso das falhas me forçara a ser mais forte. Mesmo quando eu copiava as pessoas à minha frente, aquilo não mudava em mim.

“Bem, agora que eu sei, o que pretende fazer comigo? Nossa semana de trato chegará ao fim amanhã.”

Ela levou um dedo ao queixo, com a cabeça meio inclinada, como se planejasse uma brincadeira.

“Pois é… O que vou fazer…?”

——————————————————————

Uma festa? Bem, eu bem que precisava me animar um pouco. Um soldado colocou uma roupa chique sobre a minha cama, que dava um ar de nobre. Achei engraçado: eu vivia vestindo trapos. Aquilo combinava e não combinava comigo. Mas não me importei. Se Saori quisesse que eu vestisse roupas de palhaço, vestiria. Mas bem que reclamaria ao meu pai ao chegar no outro mundo!

Desci as escadas até o salão, imaginei Alyssa me esperando lá embaixo, usando algum vestido. Ela ficava bonitinha quando fazia isso. Mas minha mãe acabaria estragando tudo com o seu nervosismo. Desci as escadas calmamente. Saori já estava lá, mas eu precisara dormir mais um pouco devido ao cansaço. Estava ferido, meu braço quebrara. Mas estava vivo, e meu tio continuava pendurado na minha cintura. Ele era o meu segundo pai.

Havia vários servos reunidos no salão, além de cavaleiros trajados com suas respectivas armaduras. Saori estava conversando com um cavaleiro de bronze que eu não conhecia, por isso não quis interrompê-los. Mas vi Shun, June e Shiryu conversando em outro canto e decidi ir ver como estavam. June e Shun estavam de mãos dadas, o que era muito bom, considerando os atritos que tiveram no passado. Shunrei não estava lá. Pobre Shunrei…

“Ah, vejam, aí está. Axton!”

Shun me chamou para perto, sorrindo.

“Meus parabéns”, disse ele, seguido de June.

“É, felicitações.”

“Mas por quê? Hyoga me disse o mesmo há alguns dias, quando cheguei. Parabéns pelo quê? Não é meu aniversário.”

“Parece que ele será o último a saber”, comentou Shiryu. “Deixem a parabenização para depois, quando fizer sentido para ele.”

“Achava que ele já soubesse. Mas se é assim, vou ficar calado.”

Todos estavam de muito bom humor, o que me deixou contente. Contudo, não fazia a menor idéia do que falavam. Como não quiseram mais falar sobre aquilo, deixei de lado.

“A propósito, Shiryu, como vai Shunrei? Você prometeu a ela que voltaria?”

“Mas é claro. Não vim aqui por missão alguma, afinal. Ela está bem tranqüila, lá em casa. Mas volto logo, hoje mesmo pego o avião.”

Se eu tivesse alguém tão importante me esperando em casa, também iria, e de avião. Minha irmãzinha confirmava para mim. Pequena Alyssa…

“Faz bem, faz mesmo. Mande a ela minhas lembranças, diga que vou muito bem.”

“Nunca minto para ela, e você parece mesmo bem.”

Que graça era relembrar a jornada até ali. Só faltavam Seiya, Phemia e Lukian. Seiya viajava com Seika. Phemia estava ocupada, tentando recuperar o tempo perdido. E Lukian… curando ou dormindo, sem dúvida alguma. Grande cavaleiro era ele.

“Atenção, atenção… Vamos começar agora. Aos poucos o ruído das vozes da sala diminuiu, até que todos se calaram por completo. Saori era a única em cima do altar do grande mestre. E eu permaneci ao lado de meus amigos, no meio do público, lateral do salão. Saori parecia procurar alguém naquele meio. Correu os olhos pela multidão e parou-os bem em cima de mim. Sorriu. Sorri de volta, esperando que alguma coisa solene acontecesse. Provavelmente era apenas uma reunião de confraternização de cavaleiros, não era?

“Axton.” Sua voz não era alta, mas elevou-se no absoluto silêncio. “Venha aqui, por favor.”

Todos imediatamente abriram passagem para que eu me deslocasse ao centro. Se ali houvesse holofotes, com certeza estariam ligados em cima de mim. Tive vergonha, mas o que fazer? Obedeci e ajoelhei-me. Precisava fazer como um servo, para não ser trucidado por todos aqueles cavaleiros.

“Você deve estar confuso agora. Mas este evento foi feito por sua causa, Axton. Se ele não ocorresse, você iria embora amanhã. Eu quero propor algo. Você tem o direito de recusar, é claro, mas eu sinceramente gostaria que aceitasse. Tragam, por favor.”

Os servos se moveram, ouvi ruídos. Eu só fitava o chão, pois não era certo a um servo não confiar nas ações da deusa.

Vi um brilho, tentei ignorá-lo, mas não pude, porque era dourado. Olhei, ergui a cabeça, errei. Felizmente Saori apenas sorriu à minha surpresa.

“Compreendeu, não? Se aceita, abra a urna.”

Devia abri-la? Devia aceitar? Aquela era a maior honra que eu, um estranho, podia receber naquele Santuário. O que meu pai diria? Talvez respondesse com um sorriso triste.

“O que você quer fazer, Axton?”, perguntou ela, como se lesse a minha mente.

O que eu sabia? Eu vivia pensando nos outros, não em mim. Nos outros. Eu me dava tanto aos outros que tinha perdido minha própria identidade. Só por isso pudera ser o Damião de Phemia.

Tinha percebido que suportava muito mais do que imaginara suportar. Precisava ser forte porque não gostava de ver nos outros meu passado repetir-se. Eu me sentia esmagado, mas não morria.

Athena reconhecia em mim um guerreiro merecedor de uma honra tão alta… Será que aquela minha força bastava para carregar um título tão pesado? Fiquei em dúvida.

“Axton… Não faço nada sem justiça. Não deve pensar que não merece, porque é mais parecido com eles do que imagina. Não… Você sabe. Lidou com eles em sua jornada, até com o ‘desertor’, que não é desertor de fato.”

Falava de Lukian… Um grande cavaleiro. Se eu era parecido com eles? Sim, eu era, ao menos um pouco. Eu era pacifista como o Shun, preocupado como Shiryu, dedicado como Lukian, obstinado como o Seiya e amargo como o Hyoga. Meu passado era presente e ele moldava o presente. Eu queria mudar o presente dos outros. Eu queria que ninguém tivesse de sofrer o que sofri, que todos pudessem encontrar alguma forma de felicidade ou satisfação, que não encontrei. Athena dizia que eu tinha força para buscar esses ideais. Se eu morreria por eles? Com prazer.

Queimei o cosmos. Ele cresceu como não esperava. Estava muito mais forte do que antes. De repente, ele adquiriu um tom dourado. Era aquilo que Shun tinha chamado de sétimo sentido, não era? Era o cosmos verdadeiro, que os cavaleiro de ouro possuíam. Levantei, aproximei-me da caixa. Ela era um baú de cosmos. Seu poder entrou em harmonia com o meu, de uma forma inexplicável. Aquele cosmos me consolava, me amava.

Segurei a trava, respirei fundo e depois puxei. Senti o poder fluir, muito alto. Era muito diferente da armadura de prata do meu pai.

Senti pequenos golpes no corpo, golpes leves, quase um carinho. Era estranho. Achava que a armadura de ouro fosse mais pesada. Olhei para Saori e lembrei que precisava ajoelhar. Mas espere… Não era mais como um servo, com os dois joelhos no chão. Era apenas um, como um guerreiro. Ajoelhei. Era estranho, mas me senti especial. Imaginei meu pai fazendo aquilo. Ele era especial.

“Axton… Cavaleiro de ouro de Capricórnio. Jura fidelidade ao Santuário?”

Ao Santuário?

“Não.”

Todas as vozes elevaram-se num susto. Tive de falar mais alto que todas elas.

“Juro fidelidade a Athena e à Justiça!”

Era a ela, e apenas a ela.

“Juro fidelidade àqueles que por ela morrem!”

Aos meus amigos. Ao meu pai, agora meu colega.

“Juro, agora e depois da morte.”

Aquela promessa só me traria tristezas. Era triste ser um cavaleiro de Athena. Era doloroso. Mas eu sabia que agüentaria, como o meu pai agüentou.

“Muito bem. Levante-se.”

Obedeci. Ela sorriu.

“Perdoe-me. Tentando superar o que o machucava… Você acabou desembocando em mais dores, Axton.”

“Eu agüento, Athena.”

“Tem a minha permissão para usar suas espadas, pois deseja expiar também os crimes dela. A casa de Capricórnio é de sua responsabilidade agora. Shura, o antigo cavaleiro de Capricórnio, dono da sagrada Excalibur, caiu por mim e detém um grande nome. Eu tenho certeza de que você manterá sua paixão.”

Depois daquilo, os servos leram todas as leis do Santuário. Escutei todas, concordando ou não concordando, que se danem. Eu era fiel a Athena, não ao Santuário que matara o meu pai. Depois daquilo, tivemos uma celebração, ali mesmo no salão, apenas com os cavaleiros e a deusa. Eu me sentia como se tivesse bebido dez litros de vinho, sem beber nada.

Depois que todos foram embora, permaneci no salão, a sós com Saori. Ela parecia triste. Segurou-me os ombros, olhando para baixo.

“Perdoe-me, Axton. Seu caminho desembocar aqui. Havia outros, melhores para a sua felicidade.”

Eu poderia ter continuado como um andarilho, ajudando pessoas. Mas isso só me faria reviver cada vez mais o meu passado, sem almejar um futuro. Eu tinha ideais, eu queria trazer às pessoas algo que não tivera até então. Não… Ela não precisava se desculpar comigo.

“Não foi você que quis isso, Saori. Acho… que eu já era um cavaleiro, antes mesmo de ser. É por isso que acabei com a armadura de Capricórnio na minha frente. Quando a vi… Percebi que não fora por acaso. Só tenho a agradecer.”

Ela sorriu… E mesmo se não sorrisse, eu saberia: ela estava feliz por mim. Finalmente sabia o que ela sentia, e compreendia. Nós não sabíamos viver de outra forma. Eu não podia, nem conseguiria. Era um cavaleiro, antes de ser.

“Se pensa assim, fico muito feliz. Eu agradeço de coração pelo juramento que fez. Eu tive esperanças, desde que veio pela primeira vez.”

“Talvez eu tenha sido capturado por seu charme, bela deusa”, brinquei. Saori riu.

“Ora, ora… Obrigada… Mas não fale isso na frente dos servos ou será punido. Vamos, vamos comemorar. Não quer vir passear comigo no jardim? Sei que não há muito a fazer no tempo livre, mas, quando estou com você, gosto de ficar sem fazer nada,.”

“Ao seu dispor. Vamos lá.”

O cosmos de Athena me reconfortava. Enquanto eu me sentia perdido com aquela nova posição e vida, sua presença me acalmava e afirmava para a minha alma: este é o seu lugar. Eu me sentia inseguro, mas não arrependido. Pensando bem, não conhecia rostos arrependidos entre os cavaleiros que conhecera. Sim, eu era agora um deles. Arrastando cicatrizes horrendas, e, por isso, forte e resoluto. Saori sentou-se no jardim, no alto da colina, contemplando o Santuário de Athena. Parei ao seu lado, de pé, tal como um cavaleiro deveria ser. Tinha vontade de contar as novas à minha família. Mas sentia, naquele lugar, que eles me observavam. Não do alto, mas de dentro.

Pensei em ter uma família. Mas não seria morto, ah não. Seria um chefe de família igualzinho ao meu pai, mas não morreria, em hipótese alguma. Seria possível?

“Depende”, respondeu Saori, lendo os meus pensamentos. Deuses eram incríveis. Eu podia ler sentimentos, mas não pensamentos. “Basta ser forte, como foi até agora.”

“Então… Acho que amanhã começarei treinando bem cedo. Depois, à noite, irei à caça.”

Saori riu e me perguntou qual era o meu tipo de garota. Era o início de uma agradável tarde, a primeira de muitas.

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Cena extra ^^

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Seiya: Saori! O que significa isso? Você, com um cavaleiro, a sós?!

Saori: Só estamos apreciando a paisagem.

Axton *fechando o zíper da calça* É verdade. Ela não está te traindo.

Seiya: Ahhhhhhhhhhhhh!!!

Saori: Xi, ele foi embora.

Axton: Tudo bem, não precisamos dele, a fic acabou.

Saori: Espere aí! Onde vou desfilar agora?

Axton: Não sei, mas, se quiser, pode ir até aquela viela e…

Saori: Ahhhhhhhhhhhhh!!!

Axton: Ih, só restou eu… O que faço agora, sozinho?

Nemui: Você pode ser meu protagonista para uma continuação. Sabe, reviver as mortes de sua mãe, de seu pai, de sua irmã e do seu tio… Fazer uma jornada, ser torturado e tal… Não é divertido?

Axton: Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!

Nemui: Personagem ingrato *sai resmungando* Eu dou vida a ele e o que recebo em troca?!

*FIM*

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