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[Saint Seiya] Axton - Capítulo 3, escrita por Nemui

Capítulos: 1 2 3 4 5 6 7
Autor: Nemui
Fandom: Cavaleiros do Zodíaco 
Gênero: drama
Status: Completa
Classificação: não disponível
Resumo: Axton é uma fanfic constituída de 7 capítulos, cada um narrado por um personagem diferente. Todos eles são sobre um personagem que criei: Axton, um guerreiro andarilho armado com espadas e filho de um cavaleiro, que causa estranhamento por onde passa. Em cada uma das pessoas com quem lida, Axton deixa um pouco do que é, do que pensa e do que acredita.

Como todos os dias, passei na barraca para comprar uvas. O vendedor me olhou com uma cara muito estranha, como se eu fosse uma assombração.

“Desculpe, não posso vender para você.”

“Ora, por que não? Eu prometo que vou pagar tudo no fim do mês.”

“E por que eu devia te ajudar, Phemia? Você nem me dá bom dia quando passo em frente à sua casa, nem me permitiu ficar alguns momentinhos em sua casa para me proteger da chuva. Nem sabe o meu nome! Por que eu deveria te ajudar?”

“Mas que atrevido. Eu pago as minhas contas direitinho no final do mês, mesmo quando não tenho dinheiro.”

“Não é questão de honestidade, é simpatia mesmo. Para você, eu não vendo.”

Ora, que grande idiota! Eu era muito simpática sim, e podia provar. Não era o Damião que sempre me dizia isso, que eu era a simpatia em pessoa?

“Isso não é verdade.”

“Ah, não? Pois eu duvido que você faça uma pequena boa ação, duvido muito.”

“Pois vamos fazer assim: eu faço uma boa ação, qualquer uma que quiser, e você me fornece seis meses de uva grátis.”

Aquilo era para calar a boca do comerciante idiota.

“Seis meses?! Ah, tá bom, você não vai conseguir mesmo… Vejamos… Ah, sim. Está vendo aquele beco sujo?”

“Aquele com o mendigo?”

“É. Vá até lá e ajude aquele mendigo. E não é dar esmola, não. Quero que você o ajude de verdade e depois volte aqui. Quero ouvir da boca dele que você é uma pessoa simpática. Se ele me disser isso, te darei seis meses de uvas grátis, seis cachos por semana.”

Mas que espécie de desafio era aquele?! Olhei para o mendigo e torci o nariz. Podia sentir o mau cheiro de longe. Mas como Damião acabaria sem suas preciosas uvas se não o fizesse, resolvi aceitar. Ele certamente me entenderia.

“Está bem, eu aceito, mas me venda as uvas desta semana.”

O vendedor idiota riu da minha cara e deu as uvas. Em seguida, disse:

“Agora vá lá cuidar do seu mendigo. Quero ver.”

Meio com nojo, aproximei-me dele. Era um homem com cabelos compridos e desgrenhados, roupas grossas e sujas, dormindo no chão com o cobertor em volta.

“Com licença… Você não gostaria de vir comigo até a minha casa? Tenho comida, água e uma cama quente para hóspedes.”

Ele se mexeu um pouco, ergueu o olhar com o maior desdém. Ah, se não fosse pelas uvas, jamais faria aquilo!

“Não. Eu estou bem aqui. Obrigado.”

“Mas não vou cobrar nada por isso. Vamos, vai ser bom. Se fizer isso por mim, nós dois sairemos ganhando!”

“Mas que mulher chata, eu não quero… Não está vendo que estou tentando dormir?”

Que grande insolente! Para completar a minha vergonha, ainda ouvi o cara da barraca rir e comentar com os outros:

“Vocês viram?! Até o mendigo acha essa mulher uma chata! Ela devia é acordar para a realidade, como é ridícula! Pés no chão, mulher, pés no chão!”

Eu não me importava que me chamassem de chata ou de ridícula. Ficava brava e irritada, apenas isso. Contudo, nada doía mais do que antigas feridas. Senti vontade de chorar. Olhei para o lado, decidi voltar para casa. Dei o primeiro passo e fui impedida por um puxão.

O mendigo agarrara o meu braço, muito forte. Pelo amor de Deus, o que ele queria justo agora? Tudo o que eu queria era voltar para casa e chorar. Mas ele não me soltava!

“Me largue!”

Meu pedido terminou com um soluço. O mendigo me disse, então:

“Desculpe. Eu vou com você.”

O que foi? Agora dera de aceitar? No que aquele mendigo idiota e irritante estava pensando? Ele se levantou e me olhou como se eu fosse comida. Ele era muito mais alto e forte do que eu. Era nisso que dava mexer com estranhos! Estava chorando, feita de ridícula na frente dos outros e com um mendigo me agarrando!

“Não chore. Eu não a acho chata nem ridícula. Só fiquei irritado porque não durmo ou como há dias. Mas não gosto de fazer ninguém infeliz. Desculpe.”

Ele estava… sendo gentil comigo?

“Não se preocupe. Não ligo que me chamem assim.”

“Sua proposta ainda está de pé? Posso mesmo ir para a sua casa?”

“Esqueça. Já desisti da aposta.”

“Ah… Então está bem. Por favor, me desculpe por ter sido rude.”

Os homens ao fundo continuaram a rir. Mas aquele mendigo voltou a sentar no chão imundo, olhando fixamente para mim, cheio de preocupação. E mais do que preocupação, eram olhos de pena, de uma profunda pena. Será que meu estado era tão lastimável a ponto de um morador de rua sentir pena de mim? Decidi que, se era para ter pena, que fosse de alguém mais digno.

“Está bem, pare de me olhar assim. Eu não agüento ver um mendigo sentir pena de mim. Venha, eu vou te dar abrigo.”

“Não precisa fazer isso por mim”, respondeu ele.

O quê? Depois de me fazer sentir tão miserável, recusaria a minha oferta?!

“Não estou fazendo isso por você. Venha logo!”

Dei a mão para ele se levantar. Minha nossa, que mão dura e áspera! O fedor dele inundou o meu nariz. Estava quase arrependida.

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Quando chegamos em casa, a primeira coisa que fiz foi encher a banheira! Empurrei-o para o banheiro, dando-lhe dois sabonetes de uma só vez. Em seguida, joguei as coisas dele no chão do quintal de casa. Precisava lavar tudo aquilo urgente! Joguei todas as roupas no tanque, derramei o pote de sabão inteiro e enchi tudo com água quente. Lavar aquilo seria absurdamente difícil. Resolvi que deixaria as roupas de molho antes. O mendigo teria de se virar com algumas roupas do Damião. Afinal, ele não era de se importar para as próprias roupas.

E quanto às outras coisas? O mendigo carregava alguns outros objetos, embrulhados em rolos de cobertores rasgados. Tirei as coisas, uma por uma. Havia dois broches rosas, um pingente com retrato dentro e… espadas? Aquele louco carregava duas armas e estava dentro de minha casa?! Só esperava que não viesse me matar…

Depois de duas horas, ele saiu do banheiro, enrugado de tanto permanecer na água. Não me importava que demorasse, contanto que ficasse bem limpo. Eu tinha deixado algumas roupas limpas de Damião no banheiro para que ele não aparecesse nu na minha frente. Felizmente, o mendigo as vestira.

“Ah… Senhora, eu saí do banho. Desculpe a demora, não tomava um banho há semanas…”

Eu estava preparando sua refeição, quando a faca por pouco não atingiu o meu pé ao cair.

“Damião?!”

“O quê?”

Era Damião! Aproximei-me dele, assustada. Era o próprio Damião, vestindo aquelas roupas, só que um pouco mais moreno, apesar de o mendigo ter pele clara. Minha nossa, era o próprio Damião! As feições no rosto, os olhos confiantes, o cabelo liso e longo, mais longo que o comum e soltos para variar. Era o próprio Damião!

Calma, eu não podia perder a calma. Pisquei os olhos com força, e olhei bem para o mendigo. Era um mendigo, era um mendigo. Não era Damião. Faltava só uma semana para Damião voltar, e eu já estava assim…

“Damião… É o meu marido. Minha nossa, você é o próprio Damião!”

O mendigo riu de forma jovial. Ele era bonito, eu precisava admitir.

“Bem, parece que é verdade a história de todo ser humano possuir um sósia no mundo! Mas meu nome não é Damião não, senhora. Eu sou Axton, um viajante.”

“Então nem mendigo é?”

“Não, não… Eu não saio por aí mendigando. Mas é que eu me dou mal com cidades. Não tenho muito dinheiro, sabe…? Eu arranjo comida no mato, nos rios… Mas na cidade, só há concreto e rios de esgoto. Passo por maus bocados.”

“Mas nem tem o suficiente para comer?”

“O custo de vida em pequenos povoados é baixo. Eu faço um trabalho ou dois e consigo o suficiente por algumas semanas. Mas na cidade, eu não sobrevivo.”
“Então por que veio para cá?! Mas que idiota!”

Axton riu com a minha ofensa. Até nisso ele era parecido com Damião?!

“É que… Tenho uns assuntos importantes para resolver. Precisava passar pelas cidades… Elas são como um grande deserto para mim, mas um bom homem sempre encara o perigo, certo? Tive sorte por ser resgatado por você!”

Quase morri ao sentir o perfume de Damião na camisa de Axton e puxei-o imediatamente para a cozinha. Fiz com que ele se sentasse na cadeira bem na ponta da mesa, o mais distante de mim para que eu não sentisse mais aquele perfume. Continuei a cozinhar, enquanto o meu hóspede semimendigo olhava em volta, sentado na cadeira.

“Olha só… Tudo em pares. Duas xícaras, dois pratos, dois potes… Espero que sobre para mim depois que seu marido chegar do trabalho.”

“Ah, não se preocupe. Damião trabalha fora, por isso quase não o vejo. Ele só tem permissão para passar um mês comigo, no ano inteiro.”

“Um mês?! Minha nossa, que vida mais solitária! E vocês nem têm filhos?”

“Não… Fica difícil ter filhos assim, não concorda? Por causa do trabalho, Damião não pode me ajudar. Ele me envia dinheiro todo mês, com uma carta de amor, mas não pode voltar sempre. Se bem que… Ele volta na semana que vem”, acrescentei. Faltava muito pouco!

“Que bom! Você deve estar mesmo contente com a volta dele. Mas… Mesmo que ele esteja fora há tanto tempo, eu sinto esse ambiente gostoso de casal apaixonado. Tudo aos pares! Eu lembro que meus pais tinham xícaras diferentes das nossas, que minha mãe guardava bem juntinho. Ela tinha um carinho todo especial por ele.”

Damião era tudo para mim. Eu esperaria por ele, sempre, sempre fiel, sempre acreditando nele, sempre o amando.

“Eu também tenho! Eu quero que ele veja a sua cara! Ele vai ficar tão surpreso! Vai achar que está olhando para um espelho!”

“Sou mesmo tão parecido com ele?”

“Ah, sim. Eu tenho fotos aqui. Espere.”

Ele precisava ver como era parecido com Damião. Peguei um álbum só nosso e coloquei-o na frente de Axton, antes de correr pra panela de novo. Meu convidado passou a folhear o álbum com grande interesse e um largo sorriso no rosto. Ele era simpático, afinal! Quanto mais o via, mais parecido ficava com o Damião.

“Ah! Este é o Damião?! Mas é a minha cara mesmo!”

“Eu não disse?”

“Se você não me dissesse que era outra pessoa, eu juraria que era eu!”

Pela feliz coincidência, ri. Quem diria, encontrar alguém tão parecido com o meu querido marido! De repente, não me senti mais arrependida de tê-lo convidado a ficar em casa. Axton era muito gentil! Peguei o prato que Damião costumava usar e coloquei-o na frente do meu convidado. Enchi-o do cozido fumegante, com bastante carne e legumes para recuperar os dias perdidos sem comer.

“Agora se sirva à vontade. Você pode dormir no nosso quarto de hóspedes. Vou deixar tudo arrumado para você.”

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Ter um sósia do Damião em minha casa era tão bom que eu não queria mais que ele fosse embora. Pedi a Axton para permanecer mais alguns dias, com a desculpa de que ele precisava trabalhar na cidade por algum tempo para ganhar dinheiro e não virar mais um semimendigo. Arranjei um trabalho para ele numa construção, um trabalho de que ele gostara bastante, e permiti que morasse comigo enquanto quisesse ficar na cidade. Seria ótimo se ele conhecesse o Damião.

No segundo dia, Axton voltou sorrindo como sempre, mas estava todo sujo, dos pés à cabeça. Levei um susto quando o vi daquele jeito.

“O que aconteceu? Virou mendigo de novo?”

“Ah não, nada do tipo. Eu fui demitido.”

“Demitido?! E você me aparece com esse sorriso?!”

Aquilo era péssimo! Ele precisava arranjar outro emprego e não sair de casa! Ele precisava conhecer o Damião!

“É que eu não fico triste por pouca coisa, sabe? Estou muito satisfeito comigo mesmo. Um cretino te chamou de chata e eu dei um soco nele. Só que esse cretino era o mestre de obras… Fui demitido na hora!”, relatou, rindo alto em seguida. “Adorei ver o nariz dele sangrando!”

Fiquei abismada. Há dois anos, algo semelhante tinha acontecido. Numa loja, Damião ouviu o dono falar mal de mim, e socou tanto o próprio chefe que ficou preso por um mês na cadeia. Axton fizera exatamente o mesmo por mim!

“Fez isso por minha causa…?”

“É porque você não é nem um pouco chata. Eu fiquei meio irritado com ele, sabe? Mas agora já passou. Será que não teria outro emprego para mim? Ele não quis me pagar nem pelo serviço de ontem…”

Ah, que alívio. Axton queria continuar comigo. Sorri.

“E essa roupa toda suja que terei de lavar?”

“É que eles acharam que eu queria lutar contra ele, por isso pularam em cima de mim depois que dei o soco. Acabei todo sujo…”

“Está bem… Vá tomar um banho e se trocar e… obrigada, Axton. É o mendigo mais nobre que conheci!”
Ele riu e colocou a mão no bolso.

“Antes, não posso me esquecer disto aqui. Uma carta para você. Parece que veio do Damião.”

“Ah, é a carta com o dinheiro e… a mensagem do meu lindo Damião! Abra, Axton, abra!”

“Posso mesmo?”

“Claro!”

Axton obedeceu e abriu a carta. O perfume de Damião espalhou-se em volta. Que cheiro gostoso! Em seguida ele me entregou o dinheiro e começou a ler a carta. Depois de entoar toda a mensagem de Damião, devolveu, sorrindo ternamente:

“É lindo, Phemia.”

“Lindo, não é? Damião sempre mantém o meu fogo aceso.”

Quando eu relia a carta na minha alegria, Axton me interrompeu:

“Phemia, você acha que é certo eu ficar aqui? Digo, o seu marido escreve mensagens tão bonitas e apaixonadas… E eu aqui, um homem jovem muito saudável dormindo em sua casa. Não acha que isso é errado?”

“Ah, não se preocupe. Damião confia em mim. E não estamos dormindo na mesma cama!”

Sim. Damião voltaria em poucos dias. Só mais alguns dias.

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“Bem, eu vim aqui dizer que a Phemia é uma pessoa muito bacana e que me ajudou pacas, desde que cheguei aqui nesta cidade. Eu estava completamente imundo, exausto e faminto. E veja como estou! Acho que até engordei demais. Como foi prometido na aposta, você dará as uvas para ela?”

“Quanto ela te pagou para vir até aqui dizer isso para mim?”

“Ora, nada. Ela me pagou é com muito carinho. Phemia cuidou de mim como um filho. Eu sou muito grato a ela.”

“E agora nós estamos procurando por um emprego para ele”, acrescentei, cheia de orgulho. Queria que Axton vivesse naquela cidade para sempre!

“Hum… Está bem… Primeiro, quero conversar com este rapaz a sós, senhora. Depois decidirei sobre as uvas.”

Não queria me afastar de Axton, mas supus que era o necessário para conseguir as uvas. Damião amava uvas, era a fruta favorita dele. Eu precisava me certificar que houvesse muitas uvas para ele comer quando voltasse.

Depois de meia hora, vi Axton aparecer com uma bandeja cheia dos gordos cachos. Sim, tudo estava pronto para a chegada de Damião. Meu querido Damião, em breve…

“A que horas o Damião chega?”, perguntou Axton, quando chegamos em casa.

“Ele chega à noite, porque as passagens de noite são mais baratas.”

“Entendo…”

“Hoje vamos brindar a chegada dele!”

E eu tinha tudo, tudo preparado. As taças de vinho, duas taças, para Damião e para mim. Duas taças, só para nós. Eu prepararia o prato favorito dele, cantarolaria nossa música, dançaria com ele… Dormiria com ele!

À noite, tudo era mais mágico. E tudo ficaria mais mágico. Ofereci um vinho para Axton, ele aceitou só um copo. Menino fraco, esse. Achava que ele fosse mais parecido com Damião, mas ele só bebia um copinho. Eu gostava de vinho. O vinho era mágico.

“Ei, Axton, você conhece a minha música e a de Damião?”

“Já ouvi você cantar. É uma bela melodia.”

“Mas não conhece a história, não é?”

“Não.”

“Então eu vou te contar enquanto esperamos. Eu vendo quadros, você sabe, tipo mosaicos. Por isso, só consigo dinheiro de vez em quando, muito raro. Vivo mais do dinheiro do Damião. Mas não é isso que é importante. O importante é que o Damião, antes de conseguir o emprego de agora, trabalhava como carregador de uma empresa que vendia materiais. Ela só entregava numa cidade aqui do lado, mas esticava mais umas horas de trabalho para vir me trazer meu material. Ele parava e ficava olhando. E aí perguntava sobre o quadro. E observava mais.”

“Ele observava o quadro… ou você?”

Ri. Axton era esperto.

“É claro que era eu. Um dia ele me viu fazer um mosaico de um coração, que fiz com o material que ele me entregou. Ele sempre me perguntava quando olhava para o meu trabalho inacabado: essa é a cor do seu sentimento por quem? E eu respondia: de quem vier a música que quero. É porque esse quadro era uma encomenda para um concurso de talentos local, coisa do nosso prefeito. E adivinha quem ganhou esse concurso?”

“Damião, com a música de vocês.”

“Exatamente. Ele e a nossa música. Ele era músico! E que talento! Ele era só talento. Damião era tudo o que eu desejava na época… E não sabia até ouvir a música… Depois disso você sabe… Como era a música de novo?”

Cantarolei. Que música doce… doce como o vinho. Ri de novo, bebi mais um pouco, parecia que o vinho estava meio salgado. E ele me deu a mão.

“Aceita a honra?”

Coisa do Damião. Ele me guiou de forma leve pela sala, e parecia que eu dançava sobre as nuvens. O passo das nuvens de Damião. Acompanhei seus passos com alegria e classe, tal como fizemos no nosso casamento. Pena que eu já não era tão nova quanto antes, porque tropecei, quase lá no final.

“Phemia? Você está bem?”

Se eu estava bem? Se eu estava bem?

“Por que não estaria, Damião?”

Ele sorriu. Como ele ficava bonito quando sorria! Tive vontade de beijar. Beijei. De início, ele foi tímido, talvez por ter estado ausente por tanto tempo; mas depois ele me envolveu e me beijou de verdade. Ah, meu Damião estava de volta! Puxei-o para a cama, queria saciar a minha sede. Queria tanto, mas tanto!

Deitamos na cama. Damião estava de volta. E eu finamente reencontrara a felicidade.

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Quando eu acordei, Damião ainda estava do meu lado, dormindo. Seu corpo musculoso me chamava para mais uma vez, mas ele estava cansado da viagem, coitado. Em vez de atacá-lo, cheguei para perto, envolvi-o pela cintura e encaixei minha cabeça um pouco abaixo de seu queixo. Ele sempre fora tão mais alto do eu…

Ele se remexeu e acordou. Com gentileza, afastou o meu cabelo desarrumado da face e chamou o meu nome, em voz baixa. Ah, que voz doce. Ele estava de volta!

“O que foi, Damião?”

Ele riu baixo, me acariciou o braço e em seguida me envolveu forte. Fiquei sufocada com seu abraço e me desvencilhei dele. E me surpreendi quando o vi chorando!

“Damião? O que foi? Por que está chorando?”

Por que ele precisava sofrer? Estávamos juntos! Finalmente estávamos juntos!”

“Sou tão parecido assim com ele?”

“Do que está falando?”

Ele sorriu de novo. Parecia tão triste com aqueles olhos molhados… Ele então se inclinou e me abraçou forte de novo. Era tão firme que eu não conseguia me mover.

“Damião está morto, Phemia. Eu sou só o Axton.”

Só o Axton! Eu tinha me esquecido dele. Desde que tinha recebido a carta de Damião… Eu tinha ficado tão empolgada… E o Damião? Não tinha vindo? De novo?

“Eu… Eu o traí. Aos poucos… Com a comida, as roupas, os talheres da cozinha, as uvas, a dança e até a cama. Eu o traí.”

Eu não tinha forças para me livrar daquele abraço forte. Mas eu não queria que ele me soltasse. Era como se eu caísse de um precipício, e Axton caísse junto comigo.

“Cada objeto que eu deixei preparado para a volta dele… foi usado por você. E eu nem notei o que estava fazendo…”

Axton não me cortara no meio de tudo, mesmo sabendo que eu sufocava o Damião com sua presença. Ele aceitava tudo o que lhe oferecia.

“Mas espere… Você… sabia?”

“Você faz de conta que Damião está vivo. Sim, eu sei disso.”

“Desde quando?”

“Meu pai me contou a história de um exímio soldado do Santuário, que era muito parecido com ele. E eu sou a cara do meu pai. O nome desse soldado era Damião, que já era casado. Meu pai me contou que, quando Damião morreu, a esposa passou a fingir que ele estava vivo, apenas fora de casa. Disse que ela sempre esperava por ele… Isso já há quase dez anos. Eles eram recém-casados quando Damião morreu… Nem tinham um ano… Eu percebi que era você logo quando vi as fotos de Damião.”

“E… mesmo assim, fingiu também…”

“Sim. Eu não posso simplesmente dizer para você: ‘Damião morreu. Vamos apagar a existência dele nesta casa’. Você é que precisa fazer isso, enquanto supera a morte dele. Eu fiquei com pena quando a reconheci… Por isso fiquei até que você profanasse cada objeto e lugar de Damião comigo. Mesmo que fingindo.”

Mas agora eu não poderia mais fingir. Não teria mais coragem de fingir, sabendo que outro homem passara e deixara marcas em minha casa. Meu Deus, eu até dormira com ele! Axton me acariciou o rosto e balbuciou, com se fôssemos amantes há muito tempo.

“Eu tenho algumas coisas importantes para resolver antes. Mas, se quiser, eu volto para você continuar a fingir, até que aceite a morte de Damião.”

Axton já tinha profanado todo o lugar. Acabava de aprender, com ele, o que era sentir paixão e ódio ao mesmo tempo.

“Não. Obrigada por ter aberto os meus olhos, Axton. Mas não posso mais aceitar você em minha casa, e você não pode mais perder tempo comigo. Eu quero que você parta daqui.”

A expressão dele mudou de uma forma como nunca imaginara.

“Você… não vai cometer suicídio, vai? Por favor, por favor, nem sequer pense nessa possibilidade por tudo que é sagrado! Eu posso até fingir ser o Damião e escrever as cartas para você, mas, por favor, não se mate!”

Eu ri com suas palavras, mas logo notei que ele estava desesperado de verdade.

“Por que tem tanto medo disso?”

Ele virou-se para o lado e olhou para o teto antes de responder.

“Minha mãe. Quando o meu pai morreu, ela fez o mesmo que você, até pior. Havia uma cesta preparada com varas de pesca para quando ele voltasse da missão. Mas ele nunca voltou. A comida estragou com o passar dos dias. Minha mãe fingia que meu pai ainda estava vivo e ainda ia voltar. Um dia eu limpei tudo, dizendo a ela que ele estava morto, e que devíamos superar aquilo do jeito certo. No mesmo dia, ela se enforcou.”

“Por isso ficou comigo…?”

“Sim.”

Todo o ódio desapareceu. Ele era um menino que queria consertar a janela quebrada. Sorri.

“Eu não vou fazer nada disso, prometo a você. Vou sair desta casa, vou me mudar para outra cidade. Quero continuar com o meu trabalho, com os mosaicos, talvez fazer uma exposição. Quem sabe um dia eu arranje um homem tão bom quanto o Damião ou você?”

Ele me sorriu. Ele tinha um sorriso de garoto. Como não tinha percebido antes? Axton era muito jovem e inseguro, mas só agora reparava nisso.

“Obrigado, Phemia. Obrigado…”

Era como se um enorme peso saísse de meus ombros, e eu estivesse livre para sofrer de verdade. Abracei Axton mais uma vez, só mais uma vez. Meus olhos ardiam, e eu queria me segurar em alguém que gostasse de mim. Felizmente, ele não se importaria se eu chorasse por horas.

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Axton permaneceu comigo por mais alguns dias, apesar de não termos mais dividido a cama. Se estivesse apaixonado, certamente ele seria o homem mais carinhoso, até mais do que o próprio Damião. Mas ele era apenas um amigo. Apenas não: um amigo especial, talvez o mais especial de todos. Mas era isso e não um amante.

Nos dias em que ficara, passava o dia trabalhando fora, num pequeno mercado do bairro. Eu dei-lhe o resto do dinheiro de que necessitava, não porque eu o quisesse longe de mim, mas porque Axton tinha assuntos importantes para resolver, e eu só podia ajudá-lo com dinheiro.

Para compensar o dia de trabalho, costumávamos dar um passeio pelo bairro à noite. Ele me contava sobre o seu pai, um grande cavaleiro de prata e sobre a mãe e a irmã que perdera de forma trágica. Foi assim que descobri que ele fora um assassino no passado e por que ele sempre carregava as duas espadas. Ele era, de fato, um jovem solitário e muito, muito ferido. Pobre Axton, carregava mais traumas do que eu, mas não perdera a vontade de viver.

Em nossa despedida, ele me deu um velho broche cor de rosa. Explicou-me com os olhos emocionados que aquele adorno pertencia à irmã e, antes, à mãe. E agora ele o dava para mim, porque eu lhe lembrava a mãe, depois de seu pai morrer em luta.

Eu jamais me esqueci de Axton. O que a vida fez dele eu não sei. Mas rezo, rezo até hoje pela felicidade dele, todos os dias. Por algum motivo, Axton e eu nos completamos nas circunstâncias: eu precisava de alguém que me trouxesse para a realidade, e ele precisava consertar o erro que causara a morte da mãe. E naquele breve encontro, ele se tornou o segundo homem que mais amei na vida, até mesmo mais do que o meu segundo marido.

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Cena extra ^-^

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Axton: Phemia, há quanto tempo!

Phemia: Axton! Que saudades!

Axton: O que anda fazendo da vida?

Phemia: Você não vai acreditar! Eu me casei! Este é o meu marido!

Axton: Que ót… Hum?! O cara das uvas?

Vendedor: He he he…

Phemia: Até abrimos uma loja! Compre dez cachos de uvas e leve um mosaico feito de bagaço de uvas para enfeitar a sua sala!

Vendedor: Até pensamos nos nomes de nossos filhos! O primeiro será ‘Damião Tinto’ e o segundo, ‘Axton Vitis’. Belos nomes, não são?

Axton: Ahn… Sim, sim… Olhem, eu estou com pressa, por isso vou indo. Até logo e boa… sorte.

Phemia: Ah, Axton, Axton… Vou criar um vinho e pôr o seu nome nele!

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