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Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.
A anunciada chegada da deusa Athena encheu de ânimo o povo homofalco. Quanto a Hyoga, os preparativos eram outros: mapas e planos de ataque dos guerreiros de Prometeu, bem como todos os dados que os homofalcos puderam recolher das batalhas. Além disso, estava ajudando Myles a organizar os quartos dos amigos, da maneira mais confortável possível.
“Você não está irritado por meus amigos virem, Myles?”, perguntou Hyoga, quando o líder levou-o ao quarto onde ficariam dois de seus companheiros.
“Não, porque estão vindo com a deusa. Mas se fossem sozinhos… Eu não os permitiria entrar.”
“Entendo.”
“Algo o incomoda?”
“É que… Eu esperava poder resolver tudo sem envolvê-los. Nós temos lutado e nos esforçado tanto para treinar os soldados, as suas técnicas, os seus cosmos. Temos feito simulações de ataque, estudado estratégias. Todos estão colaborando tanto. Seria ótimo se conseguíssemos expulsar Prometeu com nossas próprias forças, não acha?”
O líder sorriu-lhe.
“Você virou mesmo um homofalco, Hyoga. Está até pensando como um. Mas… O antigo Hyoga tem razão. Nós não temos força suficiente para expulsá-los, infelizmente. Precisamos aceitar a realidade, amigo, não podemos vencer sem a ajuda de Athena e seus cavaleiros. Se Evan estivesse vivo, não aceitaria de jeito nenhum. Mas eu aceito. E você?”
“Eu confio a minha vida neles.”
“Então vamos preparar tudo para que tenham uma boa estada. Está tudo certo neste quarto?”
“Sim, tudo em ordem. Não se preocupe, eles não moram em palácios.”
“Mas Athena, sim. Eu espero que não se incomode com o quarto que reservamos para ela.”
“É o melhor que podemos oferecer. Relaxe, Myles.”
O líder suspirou e saiu do quarto.
“Você sabe, é um cara de sorte. Chegou até a morar na casa de Athena!”
“Bem, na época eu não sabia que Saori era Athena. Além disso, só fiquei hospedado por algum tempo, até ir lutar.”
“Você fala como se fosse pouca coisa… Heh. Vamos, temos nossas responsabilidades de casa. Como andam o meu protegido e Lyris?”
“Ela está amando a estufa que construímos; está forrada de mudas e flores. E Iakodos é um pouco diferente de Adel, bastante inquieto para qualquer coisa. Lyris e eu estamos tentando revezar as noites que acordamos, mas há ocasiões em que preciso acordar três vezes para colocá-lo de novo no berço.”
“Isso é trabalho da mulher, Hyoga. Deixe com Lyris.”
“Ela não vai dormir se tomar todas as responsabilidades para si. Na maioria das vezes é ela. Lyris tem estado muito cansada cuidando do Iakodos.”
“Você é mesmo um sujeito diferente.”
No alto, viram um dos soldados homofalcos voar logo sobre eles, em movimentos circulares que, na linguagem dos homofalcos, significava que havia uma informação a passar aos demais. Os interessados pela notícia voavam até ele e informavam-se das novidades.
“Eu vou ver o que ele quer, Hyoga. Já volto.”
Myles voou até o soldado e logo em seguida voltou afobado, assim como todos os que iam se informar. A notícia correu rápido também por terra: Athena e seus seguidores estavam chegando. A recepção da deusa causou um furor entre os homofalcos, que iniciaram, imediatamente após a notícia de sua vinda, uma limpeza na cidade que renovou os olhares nas ruas. Naquela semana, Hyoga tinha a nítida sensação de caminhar por uma cidade diferente.
Junto ao líder, colocou-se à entrada da cidade para recepcioná-los. Os soldados organizaram a passagem no centro, tratando a visita da deusa como um gigantesco e histórico evento. Para o cavaleiro, no entanto, não parecia esse motivo de tanta exaltação. De certo estava contente por reencontrar-se com antigos amigos, mas a presença dos mesmos não lhe parecia tão louvável.
Mesmo o líder mostrava-se nervoso. A toda hora, olhava em volta para verificar a localização dos soldados e esfregava as mãos nervosamente. Por três vezes, olhou para si mesmo para certificar-se de que estava bem vestido à ocasião. Hyoga simplesmente vestiu uma túnica nova e esperou com tranqüilidade.
A surpresa com a grandiosidade da recepção também estava estampada nas feições dos cavaleiros, que foram os primeiros a chegar. Seiya e Shun adiantaram-se no grupo e logo vieram cumprimentar Hyoga, radiantes.
“Hyoga! Já faz tempo!”
“Seiya, Shun… Que bom que chegaram. Como vocês estão?”
“Nós é que devíamos perguntar. Soubemos de um enorme ataque que aconteceu aqui, liderado pelos guerreiros de Prometeu. Ficamos preocupados com você.”
“Acham que eu morreria fácil?”
“É claro que não”, sorriu Seiya.
Shiryu, Ikki e Mu, que vinham atrás, alcançaram-nos e também cumprimentaram o cavaleiro.
“Hyoga!”
“Amigos… Tenho a impressão de não vê-los há anos…”
Myles ouviu a conversa entre os cavaleiros em silêncio e preferiu esperar Saori para fazer-lhe uma mesura.
“Minha deusa.”
“Myles… Muito obrigada por receber a mim e aos cavaleiros em suas terras.”
“Nós é que agradecemos, Athena. Por favor, sinta-se em casa.”
Saori olhou para Hyoga carinhosamente.
“Hyoga.”
Sem esquecer os modos exigidos a todo cavaleiro a serviço da deusa, Hyoga ajoelhou-se sorrindo e abaixou a cabeça em sinal de humildade.
“Athena.”
“Levante-se, vamos.”
Hyoga obedeceu-lhe, mas manteve uma postura formal.
“Eu soube que você teve uma participação decisiva na última batalha dos homofalcos. Mesmo depois do desaparecimento de Kohotek, você manteve a servidão aos homofalcos e aceitou todas as conseqüências de seus atos. Como amiga, eu gostaria de pedir-lhe perdão pelo sofrimento que lhe causamos.”
“Eu vivo para servir, Saori. Também, vivo para o meu povo, que agora é o homofalco.”
Saori sorriu e logo em seguida ajoelhou-se à sua frente. Diante do ato da deusa, os homofalcos mostraram-se completamente chocados. Enrubescido, Hyoga observou a amiga segurar-lhe o braço direito e desenfaixar o ferimento causado por Elbo. Depois, o cosmos de Athena envolveu-os e trabalhou sobre a horrenda cicatriz que se formava no antebraço, curando-o por completo.
O silêncio marcava a cena quando ela se levantou e sorriu-lhe.
“Sou eternamente grata a você, Hyoga. É uma honra ter sua fidelidade e sua amizade.”
“Athena…”
Saori valorizara-o em alto tom propositalmente: todos os homofalcos presentes ficaram estupefatos com a forma como tratara Hyoga, o humano permanentemente acorrentado que por vezes fora considerado uma ameaça à cidade. Se sua simples existência evocava tamanho respeito da deusa, as criaturas aladas precisariam repensar na maneira como o tratavam. Além disso, era uma forma de agradecer ao cavaleiro, que em nenhum momento prejudicou os homofalcos apesar de ter sido subjugado e humilhado. O rapaz desviou o olhar em resposta.
“Obrigado…”
“Pode conduzir-me pela cidade?”
“Sim.”
Hyoga caminhou à frente e foi alvo de olhares incrédulos. Todos esperavam que Myles tivesse a honra de conduzir o séqüito da deusa, mas foi o cavaleiro de bronze o encarregado. Shun caminhava ao seu lado, contente.
“Ei, Hyoga, já não é para aquele ovo ter nascido?”
“Ovo? Você fala no passado, Shun. É um menino forte, sadio, seu nome é Iakodos. Não nasceu há muito tempo.”
“Que bom! Meus parabéns! Nós o veremos hoje?”
“Eu não acredito nisso”, riu Seiya. “Você virou pai antes de mim! Quem poderia imaginar?”
“Mas eu só sou um ano mais velho que você, Seiya. Ainda há tempo.”
“Se eu pudesse, teria trazido Long comigo”, disse Shiryu. “Seria ótimo se nossos filhos fossem amigos.”
“Seria, claro…”
‘Mas jamais serão’, pensou. Shiryu só viera porque havia uma missão a cumprir ali. Hyoga estava confinado àquela terra pelo resto da vida, assim como o filho, que era um homofalco e não podia sair de lá com o risco de mostrar as asas ao mundo. Como Long e Iakodos podiam ser amigos se provavelmente jamais se conheceriam? De certa forma, aquela proximidade que existia quando eram mais jovens estava dando lugar a um completo isolamento.
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Quando Saori e os cavaleiros entraram na pequena residência de Hyoga, Lyris estava tão nervosa quanto Myles na recepção. Era a primeira vez que a homofalca encontrava a divindade que cultuava, o que não era pouco para uma simples moradora daquela cidade. Hyoga foi quem os recepcionou em primeiro lugar, mas não com a mesma formalidade.
“Não vamos perder tempo com formalidades, amigos. Fiquem à vontade.”
E os cavaleiros de fato ficaram, pois para eles aquilo nada mais era do que compartilhar um espaço informal, próximo pela amizade. Saori era a única que mantinha certa reserva a todos os lugares que ia. Seiya foi direto ao berço, curioso para ver como seria o filho híbrido de Hyoga.
“Então esse é o Iakodos! Como ele é pequeno!”
“Ele nasceu de um ovo, Seiya, não poderia ser muito grande. Mas os homofalcos crescem bastante depois de nascerem, portanto acabam com a mesma estatura que os humanos.”
“Deixe-me ver…”
Não contente de olhar, Seiya pegou-o desajeitadamente nos braços, e Iakodos reclamou daquele incômodo invasor de sua casa. Abriu as pequenas asas quase douradas e bateu-as fraco, como se tentasse fugir daquele estranho ser.
“Eu não sabia que as asas dos homofalcos tinham tal cor quando nasciam”, comentou Shiryu, olhando-as de perto.
“E não tem”, respondeu o pai. “Esse aí nasceu um pouco diferente dos outros. Mas, particularmente, gosto muito das asas dele.”
“Isso até ele começar a voar. Aquela velha fórmula de deixar objetos longe do alcance das crianças não vai valer quando ele começar a alcançar o teto, não?”
“Nem me fale disso. Eu lembro quando Adel tinha um ano e começou a andar pela casa. Era terrível.”
No instante seguinte, ele percebeu que tocara num assunto delicado demais para Lyris. A esposa, no entanto, nada disse; continuou a preparar a mesa como se nada tivesse ouvido. Saori parou diante do bebê, pensativa.
“Essas asas…”
Notando a maneira distraída da jovem, Seiya voltou-se a ela.
“Disse algo, Saori?”
Como se saísse de um transe, ela sorriu.
“Ah… Não, eu só estava pensando alto, Seiya. As asas do pequeno Iakodos são mesmo adoráveis. São tão belas que parecem de ouro.”
“Tem razão. Não acham que ele combinaria com uma armadura de ouro?”
“Por falar nisso, Hyoga”, lembrou Shun, “você vai treiná-lo?”
“Como todo homofalco, Iakodos precisará ser treinado militarmente aos sete anos de idade, por um homofalco, que é o protetor dele. No caso deste pequeno, o mestre dele será Myles.”
“Você acha que ele tem alguma chance de ser um cavaleiro um dia?”
“Eu não sei… Myles é um guerreiro muito poderoso e acredito que será um bom professor. Mas… Não sei se é isso que quero para ele.”
“Todo pai quer manter o filho longe do perigo”, acrescentou Saori, sorrindo. “É normal que você queira que ele viva de forma pacífica, Hyoga. É o que sempre desejamos às pessoas que nos são caras.”
Naquele momento, o mesmo pensamento passou pelos cinco cavaleiros presentes: ‘Isso é uma indireta?’. Saori sempre os mantinha em segurança, ou pelo menos tentava, confiando as missões mais arriscadas aos demais cavaleiros. Quantas vezes os cavaleiros não precisaram desobedecer às regras impostas por ela para salvá-la do perigo? Quantas vezes não foram deixados de lado, na sombra daquele desejo contraditório de mantê-los a salvo?
“Claro… No entanto, o sofrimento é necessário para crescer. Eu sei que um dia Iakodos dirá para mim que deseja algo mais de sua vida, e que não posso detê-lo em sua jornada. Talvez ele queira tornar-se um soldado, talvez um simples pescador homofalco. De qualquer forma… Só o fato de ele ter nascido já é uma vitória para mim.”
“Algo me diz que ele será grande”, disse Saori. “E que tem um importante destino pela frente, consigo mesmo e com os homofalcos.”
“E algo me diz que isso tem fundamento, Saori. Eu esperava que pudesse me dizer algumas coisas que me ficaram como dúvidas. Sobre as asas e mais uma coisa.”
“Eu não sabia que ele nasceria assim, Hyoga. Eu esperava encontrar um homofalco normal, com asas marrons. Fiquei tão surpresa quanto você quando o vi. Quanto à outra coisa… Você deve estar falando do cristal, não é verdade?”
Seiya, Shiryu e Ikki não entenderam sobre o cristal, mas Hyoga, Lyris e Shun, que acompanharam o interrogatório, sabiam da mentira que Hyoga contara a Myles para proteger Lyris. Sabia que aquela fora obra de Saori, mas não compreendia como poderia ter acontecido.
“O poder do cristal é nutrido por duas forças, Hyoga: o de Ártemis e o meu. Entretanto, Ártemis não julga, apenas eu. O meu julgamento não precisa ser necessariamente o mesmo dos homofalcos. Pode ser que eles não o perdoem por algo, mas eu, sim. Se você está aqui agora, é porque não fez nada que eu julguei errado, dentro de meus valores.”
“Mas eu…”
“Você errou. Talvez se remoa por isso. Mas mesmo que não tenha se perdoado, Hyoga, gostaria que pensasse no seguinte: se tivesse de errar de novo, erraria? O seu erro prejudicou alguém? Eu conheço você, sei que jamais quebraria a sua palavra e machucaria os homofalcos de propósito. Portanto, eu não quero que se sinta mal. Se você foi perdoado, é porque mereceu, entendeu?”
“Athena…”
“Esqueça o seu erro. Inclusive, não pense como se fosse um erro. Você é um humano como os outros, suscetível a sentimentos bons e ruins, não é possível negar. Entretanto, o que o diferencia de outros humanos são as escolhas que você faz pelos outros e por si próprio, de modo a revelar quem é o verdadeiro Hyoga, o cavaleiro de Cisne. E até agora, não vi nenhum desvio de sua conduta, amigo, você é o cavaleiro de sempre. Isso responde a sua pergunta?”
Hyoga sorriu, assim como Lyris, discretamente por trás.
“Sim. Obrigado.”
“Agora é a minha vez de tirar minhas dúvidas, Hyoga. Eu gostaria de saber por que decidiu desobedecer às leis do Santuário e invadir o território dos homofalcos, há três anos. O que aconteceu com você?”
“Charis poderia ter voltado sem a minha ajuda se quisesse. Sinceramente, não sei responder com certeza, Saori. Talvez tenha sido a minha curiosidade natural depois de ver aquelas asas. Talvez, o desejo de ajudar uma criança assustada. Eu só sei que meu destino já estava escrito nesse momento. Eu sei que lhe causei problemas. Desculpe.”
“Na verdade, você fez algo que eu não tive coragem de fazer: tentar ajudá-los. Os homofalcos são seres tão orgulhosos e avessos aos humanos que eu não poderia enviar um cavaleiro para protegê-los, por mais que desejasse. Quando soube que você estava sendo mantido como prisioneiro deles, todos pediram a sua condenação. A saída foi condená-lo a ficar aqui pelo resto da vida, mas sabia que essa podia ser uma punição pior que a morte. Quem deve pedir perdão sou eu, Hyoga.”
“Perdão? Não… Eu só lamento por Kohotek, mas a culpa foi minha e dos guerreiros de Prometeu. Eu juro que eles irão pagar caro por isso, Saori. E eu juro que vou proteger o meu povo até o fim. Como disse, vir para cá foi destino, não acaso.”
A expressão de Saori passou para uma de extrema ternura, quase maternal.
“Se Lyris engravidar de novo, avise-me. Eu o farei nascer saudável.”
“Obrigado…”
O rapaz sorriu e, erguendo o copo de vinho, disse:
“À nossa futura vitória.”
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Charis olhou em volta, tentando controlar as batidas do coração com a mente, como seu mestre lhe ensinara. Entretanto, estar novamente entre os cavaleiros de Athena para treinar suas técnicas trazia um nervosismo provindo da dúvida de seu progresso naquele tempo. No ano que passou sob a orientação de Evan, pouco o seu cosmos evoluíra, embora tivesse adquirido, apenas por observação, algumas de suas técnicas de fogo.
Quando retornou ao treinamento de Hyoga, achava que o mestre se sentiria desagradado por ter a interferência de outro guerreiro em sua formação. Mas se isso o incomodara, recusava-se a falar. Apenas assentiu com a cabeça quando ela lhe mostrou o Magma Flood e disse que era uma boa técnica. Contudo, não sabia que sentimentos passaram pelo mestre naquele momento; que desejos, inspirações ou decepções teve.
“Você está pronta, Charis?”, perguntou o Hyoga, fora do campo de treino, com os braços cruzados e olhos bem atentos, numa postura austera.
“Sim.”
Era a primeira vez desde a visita ao Santuário que refazia um treinamento tão difícil. Tanto para ela quanto aos cavaleiros seria uma revelação do quanto progredira naquele espaço de tempo. Por mais que tenha treinado, sempre restava aquela pergunta, quase um rumor, no fundo de seus medos: ‘e se eu não melhorei?’
“Então vamos lá. Comecem!”
O primeiro a atacar foi Shun, talvez por ser, dentre os cavaleiros visitantes, aquele com quem mais convivera. A especialidade do cavaleiro de Andrômeda, assim como a de Seiya, era a leveza e a velocidade de seus ataques. Contudo, as técnicas que utilizava eram trabalhadas à perfeição, e mesmo um único golpe podia causar um enorme estrago ao corpo do adversário num combate corporal.
Charis aproveitou a baixa estatura para desviar por baixo. Quando Shun afastou, Charis ainda viu um rastro de cosmos sobre a sua cabeça, indicando a quantidade de energia empregada no ataque. Ergueu-se e correu para dar-lhe um soco, mas sentiu a presença de algo por trás. Girou o corpo para o lado e evitou um chute de Shiryu.
No instante seguinte, percebeu que Ikki já estava ao seu lado. O cavaleiro de Fênix agarrou-lhe o braço e atirou-a contra o chão. Se aquele ataque tivesse sido há dois anos, ela não teria se defendido. Charis conseguiu equilibrar-se no ar e evitar o choque com as pernas, apoiando-as de forma absorver toda aquela energia do impacto. Aproveitando o impulso, pulou e tentou contra-atacar com um chute que foi facilmente evitado. Entretanto, sua manobra impediu que novos ataques viessem de Ikki e deu-lhe tempo para afastar-se.
Não podia ficar parada com tantos oponentes à sua volta: correu em círculos no campo de batalha, enquanto armazenava cosmos para um ataque que talvez lhe desse alguma vantagem. Não era mais veloz que seus oponentes, e não podia evitá-los facilmente daquela forma. Quando foi cercada e ficou sem saída, tinha alcançado o poder que desejava.
“Diamond Dust!”
O gelo varreu a neve macia e transformou-a num denso bloco de neve, engolindo os membros inferiores de quem estivesse em volta. Em seguida, Charis elegeu um cavaleiro para concentrar o seu poder. Este foi Seiya, quem mais utilizava as pernas para movimentar-se. Queimou o cosmos e atirou, sob a base, mais um Diamond Dust. O gelo subiu até a cintura do cavaleiro. Com isso, ela sentiu-se segura para tentar algo mais ousado. Com o cosmos, avançou sobre o cavaleiro de Pégaso e girou no ar com as asas retesadas. O giro e o cosmos concentrado nas asas de estinfálidas eram uma das especialidades de Evan nos ataques aéreos. Charis descobrira que, apesar de não conseguir realizar aquele ataque em pleno vôo, era possível executá-lo em terra.
Seiya não teve como defender-se por estar temporariamente imobilizado. Queimou o cosmos e protegeu-se com os braços, mas sofreu vários cortes, por onde o sangue escorreu. Charis não conseguia acreditar que dera certo, mas sua felicidade durou pouco. Shun, Shiryu e Ikki já tinham se livrado de sua armadilha e todos avançaram ao mesmo tempo sobre ela.
Se não estivesse limitada ao confronto por terra, Charis teria voado. Entretanto, naquela situação, não tinha como fugir de todos. Se tinha de enfrentá-los ao mesmo tempo, precisava de uma técnica mais ampla e trabalhosa que um Diamond Dust, que tinha como objetivo imobilizar o oponente. Queimou o cosmos, mas de forma diferente. Em vez de parar, era aumentar os movimentos dos átomos. Em vez de congelar, era queimar. Saltou e atirou para frente o mar de fogo que aprendera de Evan:
“Magma Flood!”
A surpresa foi evidente nos cavaleiros. Como uma discípula de Hyoga teria como atacar com o fogo? Conseguiram desviar saltando para trás, mas o cuidado foi redobrado. Eles não sabiam quantas cartas a mais Charis tinha no bolso. Para a garota, era estranho ver que os cavaleiros estavam sendo cautelosos com ela. Anos atrás, eles atacavam sem parar. Contudo, ela também precisava ser cautelosa com eles. Shun sorriu:
“Então foi isso que aprendeu de Evan, Charis. Quando você me contou que o treino dele não era tão proveitoso quanto o de Hyoga, fiquei em dúvida. Será que ele não estava lhe ensinando nada de especial?”
“Ele nunca me ensinou”, respondeu a garota. “Ele me atacou tantas vezes com esse golpe… Como eu era mais forte que os soldados comuns, ele sempre me atingia assim. Com o tempo, eu descobri que a base do cosmos de fogo era o mesmo que a de gelo. Eu treinei escondido para aprender. Evan nunca me ensinou de verdade.”
“Está errada, Charis”, interrompeu Hyoga. “Evan simplesmente não tinha formação para ensiná-la, ele nunca lidou com alunos do seu nível. A única coisa que ele podia fazer era lutar contra você, e isso não deixa de ser uma aula. Chega uma hora em que a única forma de ensinar é lutando sério, e, nessa etapa, o esforço do discípulo é fundamental. Quando ele adquire esse talento, passa à postura de um verdadeiro cavaleiro, deixa de ser um discípulo. A partir de então, o seu mestre torna-se seus inimigos, e seu crescimento é profissional.”
“Isso significa que o meu nível é…”
“Não, ainda não é o bastante. Seu cosmos ainda é pouco, muito pouco para satisfazer-me. Charis, você aprendeu novas técnicas, mas ainda não percebeu o essencial. Eu tenho forçado isso desde o início do seu treinamento, não tenho? Há na sua frente guerreiros experientes, com muito mais cosmos e tempo de luta que você. Não percebe que é uma oportunidade de ouro para elevar o nível do seu cosmos e tentar derrotá-los numa luta de verdade?”
Seiya conseguiu quebrar o gelo de Charis e cercou-a junto dos demais. Estava um pouco ferido, mas disposto a várias horas de combate.
“Charis, você não pode ser ingênua assim para sempre. O seu ataque ao Seiya mostrou bom domínio das técnicas, mas veja que os danos que causou são mínimos. Além disso, não se esqueça que uma mesma técnica não funciona uma segunda vez com o cavaleiro, depois que ele descobriu qual é o segredo de seu poder. Quantas vezes eu preciso repetir que se o nível do seu cosmos não for alto o suficiente, não importa quantas técnicas domine: você inevitavelmente será derrotada.”
Charis absorveu a instrução como uma esponja. Precisava aumentar o cosmos além do que podia, a temperatura de seu gelo precisava ser mais baixa que o normal. Queimou o cosmos e encarou seus adversários. Estava cercada, sem uma estratégia definida. Entretanto, o pensamento que faltava em sua mente era a vontade de vencer aqueles cavaleiros, de ser mais poderosa que eles. Não bastava alcançá-los.
“Entendi, mestre.”
“Vamos continuar.”
Apesar de ter dado prosseguimento ao treino, a garota não saiu do lugar. Fugir era impossível, cercada daquela forma. A única saída que tinha era defender-se dos próximos ataques. Para isso, precisava elevar o cosmos ao ponto de ultrapassá-los. Seria possível?
‘Tem que ser possível’, pensou. Lembrou-se de que o cosmos nascia de seu espírito e de sua mente. Para elevá-lo, precisava acreditar que era possível fazê-lo.
“É possível”, murmurou para si mesma.
Dissera, porque precisava acreditar que era possível. A palavra dos homofalcos era sagrada, era infalível, incontestável. O que ela dissera era uma verdade. Cansados de esperar, Seiya, Shun, Ikki e Shiryu atacaram ao mesmo tempo. Não havia como fugir, não havia como evitar aqueles ataques com uma técnica. Charis concentrou-se em seu poder e forçou-se a aumentá-lo como jamais o fizera.
Sentiu a presença de Shun do lado, com o punho erguido. O braço do cavaleiro passou a um centímetro de seu rosto, mas ela conseguiu sair ilesa. No instante seguinte, precisou desviar de um chute de Shiryu, que seria fatal se a atingisse. Não sabia como, mas os movimentos dos cavaleiros pareciam para ela, naquele momento, mais claros e previsíveis. Estava se movendo mais rápido?
Seiya conseguiu atingi-la, mas de raspão. Deu vários socos que Charis não se atreveu a contar, de tão compenetrada que estava na movimentação. Achou uma brecha e contra-atacou com um chute, que o atingiu de lado. Entretanto, não conseguiu identificar o movimento de Ikki, que a agarrou pelo braço e a atirou fortemente contra o chão. Atordoada, não conseguiu levantar-se. Levou outro golpe nas costas e viu-se imobilizada. Era o fim do treino.
Quando conseguiu erguer a cabeça e olhar para o mestre, encontrou um breve sorriso, apesar de sua derrota.
“Nada mal.”
A muito custo, Charis levantou-se. Seu corpo inteiro estava dolorido com o esforço, como se tivesse se torcido inteira para realizar movimentos impossíveis.
“Você conseguiu elevar o cosmos além do seu nível, Charis. O próximo passo é treinar e acostumar-se a elevá-lo sempre dessa forma. Então, estará preparada para aumentá-lo além do que acaba de conseguir. É esse o caminho de um cavaleiro de Athena na educação militar, e é a maneira como você crescerá daqui por diante. Depois que se alcança a perfeição das técnicas, só podemos definir o resultado da luta com a perfeição do cosmos, entende? Os guerreiros de Prometeu devem dominar técnicas com perfeição, por isso você precisa fortalecer o cosmos caso tenha de enfrentar algum.”
“Mestre…”
Depois do esforço, sentia tanta dor que não conseguia mover-se. Tentou andar, mas perdeu o equilíbrio e caiu de novo.
“É dolorido, não é? Passar do nível ao qual está acostumada causa um sério impacto ao corpo, tanto para humanos quanto para homofalcos. Mas numa batalha, precisamos suportar essa dor e continuar lutando, não importando as conseqüências. Em cada batalha, arriscamos nossas vidas; por conseqüência, não podemos nos dar ao luxo de poupar nossos corpos quando a situação é crítica. É claro que sempre lutamos pensando em nossos limites, mas nem sempre isso é possível. Mas não devemos ser imprudentes desnecessariamente. Descanse um pouco, qualquer um pode ver como você está esgotada.”
A irritação que Charis sentiu foi imediata. Não queria parar ali, não queria que aquele treino terminasse com sua derrota. Ainda com a vontade de vencer em mente, Forçou os braços para levantar-se.
“Não, mestre!”
Mesmo com dor, levantou-se de novo e assumiu postura de luta, com o cosmos ainda queimando.
“Eu ainda posso. Se pararmos agora, quem garante que eu ainda poderei lutar, mesmo depois de tanto esforço? Quem garante que ainda serei capaz de vencer? Eu preciso de uma prova para saber que poderei continuar numa situação real, que ainda terei condições de vencer meu inimigo.”
Seiya sorriu.
“Mas você acabou de provar isso, Charis!”
“Como?”
“Você se levantou e queimou o cosmos. É uma prova de que pode ir além de todos os limites e continuar lutando. Enquanto há cosmos, ainda há chances de vitória! Enquanto estiver viva, sempre há esperança. Isso é algo que aprendemos em nossas batalhas mais ferozes. Você não precisa prejudicar a si mesma, se o que precisa provar é a vontade; ela é que dita as nossas ações.”
“Seiya tem razão, Charis”, disse Hyoga. “O cosmos existe enquanto estivermos vivos. Não importa em que situação se encontre; se estiver viva, poderá lutar. Além disso, não quero que acabe como naquele treino com as asas. Descanse por duas horas, depois continuaremos.”
Antes de partir com os colegas, o mestre ainda acrescentou:
“Você já está quase lá.”
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A sala de reuniões era a sala da casa de Myles. Sentados à mesa, estavam ele, Athena e os cavaleiros. Charis foi a última a chegar, com os braços levemente chamuscados, provável resultado do treino ao qual se submetia para elevar o nível de seu cosmos. Sentou-se ao lado do mestre e suspirou, cansada. Após um intenso treino, vestígios do cosmos permaneciam à sua volta após algum tempo, até que ele se acalmasse e se estabilizasse. Dessa forma, Hyoga pôde perceber o motivo de seu atraso.
“Como se saiu?” perguntou o mestre, em voz baixa por estar numa situação que nenhuma relação tinha com o desempenho da discípula no treino.
“É difícil… não consigo congelar o magma em pouco tempo da mesma maneira como você. Leva um tempo até que a temperatura abaixe um pouco.”
“Continue trabalhando nisso. Verá como o seu cosmos reagirá de forma diferente em alguns dias.”
Alguns segundos de silêncio passaram-se em Charis, enquanto Hyoga voltara a conversar com os colegas. Timidamente, puxou-lhe a ponta da túnica de leve para atrair-lhe a atenção.
“Mas… Você vai continuar a lutar comigo, mestre?”
“Não faça perguntas óbvias, é claro que vou”, foi a resposta distraída de Hyoga.
A garota encolheu-se na cadeira, com o receio que começava a despertar junto ao corpo que deixava de ser de criança. Quantas coisas mais tinha Hyoga para ensinar-lhe? Quantos dias a mais ela seria uma discípula? Aquela indagação alfinetava-a cada vez mais forte à medida que o final do curso se aproximava, anunciando a saída do que para ela fora o caminho de uma vida inteira. Conhecia Hyoga há quase quatro anos, pensava nele como uma espécie de segundo pai ou irmão mais velho, do qual começava a desprender-se. O que aconteceria quando o fruto ficasse maduro e tivesse de desprender da sábia árvore? Seria um dia uma guerreira tão majestosa quanto ele?
Charis debruçou-se na mesa, pensativa.
“Queria derrotá-lo um dia.”
Imediatamente, o olhar espantado de Hyoga caiu sobre ela, enquanto Charis tinha a atenção voltada unicamente às suas indagações. Hyoga jamais pensara derrotar o próprio mestre até o dia em que se viu encurralado pelo mesmo na batalha das Doze Casas; jamais sequer vira Camus como uma entidade a ser derrotada em seus anos de discípulo. Charis, no entanto, sonhava com esse dia.
“Charis…”
“Sim?”
Talvez estivesse na hora de iniciar a conclusão do treino de Charis. Há pouco a discípula alcançara o nível de poder de um cavaleiro de bronze, o que a tornava apta a lutar num campo de batalha. Entretanto, Hyoga queria conduzi-la além, muito mais além. Charis tinha potencial para atingir o nível de um cavaleiro de ouro se prosseguisse o treino sob suas instruções. Entretanto, tinha consciência de que o certo era desvincular-se antes disso: o sétimo sentido não podia ser ensinado, pois era uma busca individual, íntima. Queria dizer que ela já era uma grande guerreira, que já estava pronta. Mas não conseguiu.
“Vamos começar a reunião agora?”
“Quando quiser, mestre.”
Reassumindo a boa postura à mesa, Charis fitou os presentes, que até então conversavam em voz baixa. Myles foi quem primeiro impôs o silêncio, de uma maneira sutil, até tímida.
“Podemos iniciar agora? Acredito que há muitos pontos de interrogação a serem respondidos hoje. Acho que o primeiro ponto é deixar a deusa e os cavaleiros visitantes a par dos acontecimentos que rondaram o nosso povo, os últimos eventos que devem pesar bastante para os corações dos presentes. Tivemos a recente perda de Evan, o nosso líder militar, que se sacrificou para proteger o ovo de Hyoga, do qual nasceu o pequeno Iakodos; uma perda que abalou profundamente o nosso povo e a moral do exército homofalco. Desde esse evento, Hyoga e eu assumimos suas responsabilidades, mas temos noção da dimensão do problema atual dos homofalcos e das constantes ameaças de Prometeu e seus servos. Mesmo com o nosso trabalho, não contamos com poder suficiente para sairmos vitoriosos desta guerra.“
“Neste ponto, eu preciso me desculpar com vocês”, interrompeu Hyoga. “Meu dever e missão era proteger os homofalcos de qualquer ameaça, servir-lhes e dar-lhes minha vida. Entretanto… Não fui capaz. Peço perdão a todos vocês.”
A sinceridade do cavaleiro acompanhou um silêncio recheado de pensamentos discordantes que foram expressos pela deusa da mesma forma.
“Não posso pedir que um cão voe ou que uma ave lata, assim como não posso pedir que um único homem derrote sozinho Prometeu, todo o seu séqüito e ainda um exército de homofalcos bem treinados, acreditando ser essa uma disputa justa. Nós estamos aqui porque sabemos que você não pode fazê-lo sem ajuda, Hyoga. O que fez pelos homofalcos vai além do que imaginei quando lhe dei a punição vitalícia de permanecer nestas terras e servir-lhes como cavaleiro. Foi um trabalho esplêndido.”
‘Mas não foi o suficiente’, pensou o rapaz. Desviou o olhar, com as imagens dos massacres inundando sua mente. Seema, com quem criara uma relação de amizade, foi dilacerada na própria residência. Nyx viera para matá-lo, mas sorriu-lhe quando lhe ofereceu o pescoço para a morte. Quantas vezes Adelphos vomitara sangue e chorara em seus braços antes de expirar? Quantos colegas de treino foram mortos pelos homofalcos inimigos? Como ficariam as almas de seus antigos companheiros de Kohotek, também vítimas da guerra?
Na verdade, proteger os homofalcos deixara de ser uma simples missão de cavaleiro de Athena. Ele não era mais aquele guerreiro que vinha do desconhecido, derrotava o inimigo e retornava ao desconhecido, sem levar consigo qualquer vínculo com o objeto do dever. Para cada homofalco morto, ele derramaria lágrimas; para cada injúria, ele se revoltaria irracionalmente. Aquele era o seu povo, e ele defendia sua casa e sua família.
“Não devemos nos ater ao que não pode mais ser consertado”, disse Shiryu. “O fato é que Prometeu se fortaleceu demais nos últimos anos e agora conta com poder destrutivo para destroçar cada um dos moradores desta cidade. Estamos lidando com soldados treinados, que dominam cosmos e boas técnicas de luta. Precisamos derrotá-los, e esse é o ponto central da reunião.”
“Temos 800 homens prontos para a guerra”, respondeu Myles. “Além da ajuda de Hyoga e de Luna.”
“Enquanto que o exército de Átias conta com mais de 2000 guerreiros”, acrescentou Saori.
Imediatamente, Hyoga, Myles e Charis mostraram-se surpresos. Myles ergueu-se da mesa, sem compreender como podia haver tantas cabeças a cortar nos próximos campos de batalha.
“Não pode ser, minha deusa! Isso é mais que toda a população homofalca!”
“Não são apenas homofalcos”, respondeu Shun. “Descobrimos que Prometeu tem reunido homens desejosos de batalha apenas para destruí-los. É um exército composto de humanos e homofalcos.”
“Mas tudo isso porque ele previu que nós destruiríamos os humanos se crescêssemos?”, perguntou Charis.
“Esse é o motivo de Prometeu”, disse Myles, enfezado. “Por que homofalcos lutariam contra a própria espécie? Jamais imaginei uma guerra assim, com toda a disciplina de nosso povo, com todo o orgulho dos homofalcos.”
“Lembro que tanto Átias e Eudor disseram”, interveio Hyoga, “que nós estávamos errados, e eles estavam lutando pela honra da palavra. Eu não pude compreender por que diriam isso, por que acreditariam que nós estivéssemos errados. Afinal, o que os homofalcos fizeram para serem condenados assim?”
“Eles são loucos”, cortou Myles, bruscamente, “não lhes dê ouvidos, Hyoga. Independente do que queiram, vou erguer-me e lutar até punir cada um desses traidores.”
“Mas onde eles permanecem enquanto conversamos agora?”, indagou Shiryu. “Estas terras são inabitáveis, e Shun está controlando Kohotek. De onde todos esses guerreiros saem?”
“Havia um esconderijo”, respondeu Hyoga. “Nós encontramos Átias ali, era uma espécie de base. Depois, eles abandonaram o local, e descobrimos que era dotado de tudo que necessitavam. Comida, água, móveis. Era como se fosse uma fortaleza. Não duvido que existam mais desses esconderijos espalhados. Além disso…”
Hyoga parou para pensar, enquanto todos tinham suas atenções voltadas para ele.
“O terreno proibido aos cavaleiros não é apenas esse. Há uma terra, seguindo o litoral, cujo acesso só é possível por ar. Se não me engano, aquela região também pertence ao Santuário. Mas a vida lá é impossível, até mesmo para mim, que cresci na Sibéria e possuo cosmos. É o desfiladeiro de Adliden.”
“Nem mesmo homofalcos têm coragem de ir para lá”, contestou Myles. “Hyoga, Adliden é uma região completamente inabitável.”
“Eu sei. Por isso mesmo, não sabemos o que há por lá. Pode parecer loucura de minha parte, mas, se eu fosse propor um esconderijo perfeito aos nossos inimigos, esse lugar seria o desfiladeiro de Adliden. Ninguém vai para lá, nem sequer tem coragem disso. Prometeu é o deus que deu o fogo aos homens. Pode ser que ele tenha dado ao exército capacidade de habitar Adliden.”
“Você está delirando!”
“Não”, respondeu Saori. “Hyoga pode estar certo. Prometeu tem capacidade de dar ao seu exercito condições de vida em qualquer lugar, até mesmo Adliden. Devemos considerar isso.”
“Eu tenho uma dúvida”, interrompeu Charis, erguendo o braço. “Queria perguntar como é que houve um clone do mestre Hyoga. Como é que conseguiram transformar o prisioneiro em Hyoga e Nyx em Aure? Isso também é poder dos deuses?”
“Nyx disse que foi Éolo”, respondeu o mestre. “Entretanto, acho que Prometeu também é dotado do mesmo poder, assim como os demais deuses, Charis.”
“Precisamos nos atentar para possíveis clones então, não acha, mestre?”
“Podemos distingui-los pelos cosmos. Entretanto, no caso de pessoas que não têm cosmos desenvolvido, como Lyris, por exemplo, não temos como diferenciar. Mas não creio que Prometeu ainda lance mão desse recurso, agora que há tantos cavaleiros envolvidos. Acho que o mais provável é que ele reúna os homens mais fortes e planeje um ataque final. Afinal, se o Santuário envolver-se mais, será ruim para ele.”
“E ele possui esses homens?”
Um silêncio caiu no grupo, com a chegada do fim de uma trilha. Eles simplesmente não sabiam o que teriam de enfrentar em seguida. Hyoga tinha poder para enfrentar um exército, mas tinha uma nítida sensação de insegurança. Prometeu tinha mais armas escondidas?
Seiya cruzou os braços e concluiu, com seu espírito prático.
“De qualquer forma, o que precisamos fazer é ir até esse tal de desfiladeiro de Adliden para procurar e derrotar Prometeu, certo? Não vamos perder tempo.”
Hyoga riu e desafiou-o.
“Certo, Seiya. Quando for, não se esqueça de deixar o seu testamento comigo antes. Tem noção do frio que faz em Adliden? Não podemos simplesmente entrar e achar que sairemos vivos de lá. As asas dos homofalcos congelam antes mesmo de se aproximarem de lá.”
“Talvez precisemos de preparação, mas é possível”, disse Myles. “Com guerreiros dotados de poder de fogo, podemos ir até Adliden e permanecer algum tempo lá. Graças aos discípulos de Evan, temos condições de fazer isso. Luna pode acumular cosmos de fogo e criar um campo de proteção para nós. Posso aprontar essa viagem para uns dois ou três dias, o que acham?”
“Pode mesmo fazer isso, Myles?”
O líder assentiu com a cabeça e levantou-se.
“Se vamos mesmo fazer isso, preciso começar as preparações agora.”
“Faça-as”, disse Saori. “Quando estiver pronto para partir, avise-nos.”
“Sim, minha deusa.”
Com a batalha que se aproximava, Hyoga sentiu um calafrio, semelhante ao de antes da batalha das Doze Casas. Sabia que muito sangue seria derramado nesse dia.
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