Capítulo Anterior - Capítulo Seguinte
Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.
Hyoga caiu para o lado na cama e encostou a cabeça molhada no ombro de Lyris, na noite da reunião. Depois de cobrir-se melhor, envolveu-a nos braços, contente e com todos os sentidos concentrados nela. Continuou com os beijos, mas ela mantinha o olhar disperso em outro mundo, em silêncio, perguntando-se até quando viveria na ilusão da felicidade, enquanto a cidade era constantemente ameaçada por Prometeu. Agarrou a mão do marido com força, no medo que a dominava.
“Lyris?”
Hyoga não conhecia aquela história, não era verdade? Ele não tinha como saber quando combinou ir atrás de Prometeu. Afinal, ela jamais lhe revelara o passado íntimo, aquele que doía bem no fundo cada vez que se via sozinha.
“Você se lembra do nome de meu pai?”, perguntou-lhe, enfim.
“Bastiaan”, respondeu ele, sem hesitar. “Imagina se vou esquecer algo assim, não quero destruir o casamento.”
“Mas não sabe como ele morreu.”
‘Porque se você soubesse, não teria planejado tal aventura’, pensou consigo, ‘nem estaria tão despreocupado.’
“Eu sei”, respondeu, firme. “Mas não posso deter nossos planos por sua causa, Lyris. Ájax contou-me há três anos sobre uma busca realizada por seu pai pelos guerreiros de Prometeu, após um seqüestro. Bastiaan, um orgulhoso chefe militar, participou dessa empreitada, lutou bravamente contra um guerreiro de Prometeu e acabou morrendo junto com ele, de forma heróica. Com isso, trouxe muita honra à sua família. Entretanto, Ájax contou-me que a esposa…”
Num estalo, o rapaz parou de relatar o ocorrido. Apertou Lyris no abraço e acalmou-se.
“Perdoe-me, Lyris. Eu não tinha percebido.”
“Não vai fazer igual, vai?”
Ele suspirou e acabou não respondendo. Não podia mentir, mas a verdade era cruel demais para ser transmitida em palavras.
“Antes de suicidar-se, minha mãe disse que um dia eu a compreenderia.”
“Bobagem”, respondeu ele. “Bobagem.”
Ao menos era o que ele esperava que fosse. Entretanto, Lyris não se convenceu.
“Você ainda não percebeu que pode perder tudo num único segundo, Hyoga.”
Mas ele já tinha percebido aquilo, desde a morte de Evan. Percebera como podia perder muito mais do que a honra de cavaleiro naquela guerra. Ao seu lado, havia uma esposa assustada; no canto do quarto, um filho cuja vida fora ameaçada antes mesmo de eclodir. Calou-se e encolheu-se junto a ela, tentando fugir, pelo menos por alguns minutos, da realidade sangrenta que o envolveria em pouco tempo.
——————————————————————–
Uma explosão acordou o casal de manhã cedo, junto com toda a cidade dos homofalcos. Iakodos começou a chorar, mas Hyoga não lhe deu atenção; saltou da cama e correu até a janela para saber o que ocorria. Foi Lyris que deu alento ao filho, carregando-o nos braços para acalmá-lo. O cavaleiro vestiu a túnica e notou que seu cosmos queimava livremente. Aproveitando o poder, concentrou-se no chão para criar um Freezing Coffin em pequena escala. Podia não ser o suficiente, mas já era algo.
A camada de gelo que se formou no chão era fina, mas resistente. Hyoga ainda criou uma braçadeira, formando um improvisado escudo. Entregou-o a Lyris, com o olhar perturbado.
“Leve isso para a sua proteção. Vou levá-los até o esconderijo, vamos!”
“O que está acontecendo, Hyoga?”
“Seja lá o que for, é ruim. Vamos logo!”
Hyoga tomou Iakodos nos braços e manteve-o junto ao peito para protegê-lo. Naquele momento, a melhor proteção ao filho era o seu cosmos.
Ao saírem de casa, depararam com um enorme ataque em massa de Prometeu, provavelmente os 2000 guerreiros que Saori mencionara. Os homofalcos aliados estavam em formação, protegendo o esconderijo para onde as mulheres e crianças voavam no desespero. Hyoga segurou a mão de Lyris cheio de nervosismo e dirigiu-se à base. Como o ataque também vinha pelos céus, alguns homofalcos inimigos mergulhavam com fúria e afligiam os mais fracos.
“Hyoga!”
O cavaleiro olhou para o lado para encontrar-se com Shun, que recebera ordens para proteger as mulheres e crianças. Terminava de abater três homofalcos que tentavam matar uma mulher.
“Shun!”
“Não perca tempo, tire a sua família daqui!”
Obedecendo, Hyoga e Lyris continuaram. Chegaram à passagem subterrânea, e Hyoga passou Iakodos para ela.
“Não saia daqui. Eles não te machucarão enquanto eu estiver vivo.”
E acariciando rapidamente a cabeça do bebê, virou-se, sem olhar para trás.
Ao sair, uma nova e furiosa determinação apossou-o. Hyoga não estava interessado em entregar a vida de seus entes queridos para nenhum sem vivo possível no mundo sem extrair do peito todo o cosmos que podia empregar. Correu e atacou com o Aurora Thunder Attack um batalhão que se aproximava para atacar a base, surpreendendo até mesmo Shun.
“Eu já estou cansado disso”, resmungou, irritado. “Já estou farto!!”
Saltou no telhado de uma casa e queimou o cosmos pronto para recebê-los. Como tinham sido atingidos pelo Aurora Thunder Attack, seus movimentos estavam mais lentos. Ao aproximarem-se, Hyoga viu sua chance de exterminá-los. Saltou até eles e distribuiu inúmeros ataques em pleno ar nos pontos vitais dos inimigos. Voltou ao chão, ao lado de Shun, que mal podia acreditar em sua performance.
“Hyoga…”
“Eu já estou cansado disso, Shun. Eles ficam vindo, ficam atrapalhando, irritando, não param. Já estou farto de Prometeu e seus guerreiros. Eu vou acabar com todos, juro!!”
Hyoga disparou em direção ao campo de batalha principal, onde a maior parte dos inimigos estava. Shun tentou detê-lo, mas a fúria não lhe deu atenção.
“Nenhum guerreiro de Prometeu irá machucar a Lyris ou o Iakodos, nenhum!”
Passou pelas estufas, onde estavam Shiryu e Ikki. Cada inimigo que aparecia era morto, sem questionamentos ou piedade. O sangue de seus inimigos banhava-o, mas Hyoga não se importava com quantas pessoas exterminava. A ele, só havia o único objetivo de proteger sua casa. Chegou ao campo principal e encontrou-se com Saori e Seiya. Entretanto, não lhe interessava escutá-los. Somente Charis conseguiu segurá-lo, enquanto ele dilacerava um guerreiro inimigo.
“Mestre!”
“O que houve, Charis?!”
“Você não pode perder a calma!”
“Solte-me!”
“Foi você mesmo que me ensinou, mestre! Nunca perder o foco no campo de batalha!”
“Eu não perdi o foco, pequena, é o contrário. Meu dever é proteger os homofalcos e derrotar esses desgraçados. Isso é tudo o que quero!”
No entanto, Hyoga tremia de raiva; só pensava em matá-los. Charis deu-lhe um leve soco sobre um ferimento que levara no caminho. Sentindo, ele olhou pra baixo e notou o corte.
“Mas quando…?”
“Não deve se precipitar, mestre, você está ferido também. Acalme-se, por favor. Todos nós vamos proteger Lyris e Iakodos, junto com você…”
Hyoga fitou Charis e percebeu o próprio erro. Pôs a mão sobre o ferimento e recuou um pouco.
“Você tem razão, Charis.”
Saori aproximou-se e curou Hyoga com o cosmos.
“Não se desespere agora, Hyoga. Sei que você não agüenta mais ver sua família ameaçada por Prometeu, mas não deve esquecer que nosso objetivo aqui é o mesmo que o seu. Devemos trabalhar em equipe. E você deve obedecer às ordens de Myles.”
“Myles… Afinal, onde ele está?”
“Ele foi deter um grupo isolado, pediu que você assumisse o controle do exército.”
“Entendi. Charis, venha comigo.”
“Sim!”
Charis levantou vôo e ofereceu-lhe a mão com um sorriso.
“Assim é mais rápido.”
Hyoga sorriu de volta a aceitou a ajuda. Ainda sentia o desespero de proteger Lyris e Iakodos a qualquer custo, principalmente depois de sentir a tristeza da esposa na noite passada. Precisava voltar vivo para ela. Percebeu que não mais lutava como antigamente. Antes, não havia nada a perder a não ser uma existência; agora, tinha uma vida construída de pessoas e sentimentos cuja estrutura estava ameaçada. Segurou a mão da discípula mais forte.
Não era hora de desesperar-se. Seus amigos estavam ali e sabiam da importância de protegerem os homofalcos. Os soldados tinham treinado com afinco, estavam dispostos a protegerem os mais fracos, junto com Lyris. E Charis crescera mais do que ele. Precisava confiar mais neles.
“Charis.”
“Sim, mestre?”
“Está pronta para a sua primeira missão?”
“Como?”
“Não precisa ter medo. Eu estarei com você o tempo todo. Desembainhe sua espada e comande o exército.”
“O quê?! Mestre, não podemos arriscar numa hora dessas!”
Arriscar? Estaria sendo imprudente demais? ‘Preciso acreditar que nós vamos vencer’, pensou. ‘A melhor forma de acalmar-me não é apenas fazer tudo com calma, mas tranqüilizar os outros e conduzir o exército da melhor maneira possível. Fazer isso com Charis será bom, tanto para ela, quanto para mim.’
“Você está pronta, pequena. Não… Não é mais pequena. Você é a futura líder dos homofalcos. Vou dizer o que deve fazer, não se preocupe.”
“Mestre…”
“Veja, lá está o seu exército. Vamos comandá-lo juntos. Lembre-se de que cada um deles está lutando para proteger nossos entes queridos.”
“Mestre, não fique bravo comigo, mas… Acho que você não está agindo em seu juízo perfeito.”
“Olhe para a direita. Percebe como está a formação ao norte? A forma mais eficaz é dividir o nosso grupo em dois terços e um terço. O menor atacará pela lateral para encurralá-los. Eu quero que você faça isso.”
“Eu sei, mas…”
“Se quer ser a líder um dia, precisa aprender a controlá-los.”
Hyoga sorriu-lhe, e Charis levou alguns segundos para decidir. Não podia hesitar, ou o exército seria atacado desprevenido.
“Está bem, mestre.”
“É assim que gosto. Eu estarei com você, vamos!”
Quando pousaram, a voz de Hyoga elevou-se entre os homofalcos.
“Escutem, colegas! Escutem a sua futura líder, Charis! Nós vamos expulsar esses invasores de nossas terras, com as nossas próprias forças! Em formação!”
“Um terço deve dar a volta para atacá-los quando eu der o sinal, neutralizem os seus cosmos”, ordenou Charis. “O resto vem comigo e Hyoga. Mantenham-se no ar! Anatole, comande o grupo menor pelo lado! Vamos rápido!”
Os homofalcos estranharam, mas obedeceram sem questionar, por Hyoga estar por perto. Os gritos de guerra ecoaram do grupo menor, enquanto Charis voava à frente.
“Mestre, pode segurar-se pelo meu cinto?”
“É claro.”
Hyoga manteve-se no ar com Charis segurando-lhe o robusto cinto de couro e deixando os braços da discípula livres para lutar. Ele mesmo deixou um dos braços livres para ajudá-la no embate, pois queria tê-la a salvo ao final da guerra. O grupo comandado por Anatole desapareceu na neve, e eles avançaram junto ao encontro com o exército inimigo. Charis queimou o cosmos, assim como Hyoga.
“Mestre…”
“Fique calma, nós vamos conseguir. Se errar, eu estarei aqui para ajudar.”
Era normal que ficasse nervosa. Como mestre, Hyoga precisava mantê-la calma e coordenar os seus movimentos.
“Voem, homofalcos!”
Todos os soldados imediatamente ergueram-se no ar, e Charis viu-se livre para executar o movimento que pouparia ao exército muitos choques de espadas. Queimou o cosmos, o mais forte que pôde, e anunciou, enquanto derramava sobre os inimigos um mar de fogo.
“Magma Flood!”
Era como varrer todos os humanos. Não estando preparados para tal ataque, os homens queimaram seus cosmos, mas apenas alguns puderam defender-se da forte rajada incandescente de Charis. O mar vermelho arrastou gritos de desespero e ergueu sobre o campo de batalha uma imensa nuvem de vapor que cobriu a visão de todos. A invisibilidade não os deixou mais tímidos; pelo contrário, proporcionou a Charis a chance perfeita para atacar, tanto pelo lado quanto pela frente. Entretanto, não teve pressa.
“Primeiro grupo, avante!”
As asas velozes despencaram sobre o exército inimigo, enquanto Charis voou entre os soldados mais fortes e distribuiu, em conjunto com o mestre, ataques certeiros e decisivos do embate. A homofalca tirou a espada da bainha e decepou cabeças em vôos rasantes, fazendo com que os homofalcos inimigos resolvessem derrubá-la primeiro. Hyoga não permitiu que se aproximassem livremente. Queimou o cosmos e lançou um amplo Diamond Dust que acabou com quase todos que vieram atacá-los.
Notando que alguns ainda se aproximavam por terem cosmos mais fortes, Charis guardou a espada e ergueu os dois braços unidos no ar. Hyoga assentiu-lhe com a cabeça e uniu seu poder ao dela.
No momento seguinte, a poderosa combinação de Aurora Thunder Attack e Diamond Dust congelou vários soldados e auxiliou o avanço dos homofalcos aliados pelo campo de batalha. Satisfeita, Charis voou mais alto para ter uma visão geral dos inimigos. Percebeu, ao longe, que mais um batalhão chegava para enfrentá-los.
“Mestre, eles estão esperando encontrar nossos homens cansados.”
“E vão. Esse será o momento perfeito para um ataque surpresa, não acha?”
Charis concordou e mergulhou à frente do grupo principal. Ergueu a espada e disse, em alto tom de voz.
“Vocês não devem temer agora! Avancem, amigos!”
Imediatamente, asas bateram furiosamente, impulsionando os homofalcos para frente, em direção ao próximo inimigo. Apesar de exaustos, nenhum deles desconfiava das ordens de Charis, pois assim eram disciplinados. Ao primeiro entrechoque de armas, um segundo comando veio da garota:
“Agora, Anatole! Rápido!”
E tal como Hyoga a instruíra, o segundo grupo avançou, trazendo novos ataques, energias e clamores. O ataque surpresa pela lateral foi eficaz e logo conseguiram reduzir o segundo exército a um pequeno grupo de inimigos cujo líder teve a cabeça decepada por Charis.
“Vamos ajudar Myles agora“, disse Hyoga, assim que Charis reorganizou a tropa. “Ele precisa de nossa ajuda, ainda há muito sangue a derramar. Vamos!”
Desviando de estufas e destroços da batalha, o grupo voou velozmente ao outro lado da cidade, onde Myles combatia os demais inimigos. Charis freou bruscamente quando viu Myles e Átias voando alto, encarando-se. Ambos portavam sérios ferimentos, mas nenhum tinha o remoto interesse de entregar a luta.
“Myles…”
“Estão duelando”, observou Hyoga, quando notou que os homofalcos, tanto aliados quanto inimigos, estavam parados assistindo à batalha. Respeitando a decisão do líder, Charis ordenou que os homofalcos não atacassem e parou a uma distância adequada para acompanhar o embate.
“Mas Átias é um traidor. Ele pode faltar com a palavra e atacar Myles à traição”, comentou Charis.
“Ele não parece ser esse tipo de guerreiro, Charis. Todos estão assistindo ao combate com respeito. Devemos esperar também.”
No mesmo instante, Shun, Shiryu e Seiya correram até eles.
“Charis! Hyoga!”
Descendo, Hyoga encontrou-se com eles, com o coração batendo mais forte. Até então, ele lutara concentrado no campo de batalha, mas deixara Lyris sozinha no esconderijo.
“Shun! O esconderijo! Como estão a Lyris e os demais?”
O cavaleiro de Andrômeda sorriu, acalmando-o.
“Não se preocupe, eles não tocaram em um fio de cabelo dela. Mas isso aconteceu porque Myles desafiou-o para um duelo. Se Myles vencer, Átias deverá sair de nossas terras. Mas se perder… Disse que se renderia e serviria a Átias.”
“O quê?!”
“Assim como você se rendeu a Evan…”, comentou Charis. “Se ele perder, Átias poderá escravizá-lo, mestre. Isso… Isso não pode acontecer com um líder!!”
Charis arrancou a espada da bainha, nervosa. Entretanto, não avançou. Respeitava o líder, precisava obedecer-lhe. Contudo, não podia evitar a insana raiva que lhe tomava conta.
“Myles!! Eu não vou perdoá-lo se você perder, entendeu? Não vou!!”
Myles tirou Luna da bainha e jogou-a para Charis como resposta.
“Eu não preciso mais disso. Pode ficar para você, Charis.”
Chocada, a garota compreendeu o que aquilo significava. Naquele exato momento, Myles desistira da posição de líder para ela. Hyoga aproximou-se um pouco mais, ansioso.
“Myles… O que você vai fazer…?”
“Você está errado, Átias”, disse o orgulhoso homofalco. “Nós homofalcos nunca faltamos com nossa palavra. Sempre vivemos com dignidade e disciplina. Você está confuso porque foi criado em meio traidores.”
“Eu fui criado como um digno homofalco, Myles. Só porque a promessa desapareceu da história de vocês, não quer dizer que a palavra deve ficar esquecida. O grande deus Prometeu mostrou-nos como nosso povo é indigno e merece perecer.”
“Você está louco? Prometeu quer matar todos!”
“Mas foi isso que o povo homofalco prometeu, não sabia? Que nós morreríamos pelo deus Prometeu.”
“Pare de delirar, Átias. Não existe isso em nenhum lugar da história dos homofalcos! Você está delirando!”
“Veremos”, disse o guerreiro mais velho, queimando o cosmos. “Decidamos no campo de batalha, meu colega! Este golpe… É chamado de Justice Light, Myles. Estamos num duelo justo, portanto vou explicar como funciona o meu golpe, sem mentiras ou trapaças. O Justice Light é como o cristal da verdade, mas ele também funciona em homofalcos. É uma técnica que meu pai desenvolveu e que eu herdei.”
“Justice Light…? Mas você disse que era filho de Timeus…”
“No mesmo instante, Myles mostrou-se surpreso com a confirmação de uma história que fora motivo de briga no passado.
“Exatamente, Myles. Meu pai foi condenado porque ninguém quis acreditar em sua história, de que ele era o líder de direito da cidade, não o avô de Ájax. Disseram que ele era um traidor que devia ter sido executado. Prometeu salvou-lhe a vida, e Timeus me teve com uma homofalca, em nossas atuais terras. Entretanto, tanto você como eu sabemos que Aeneias, o antigo líder, era bisavô de Ájax, e que ele ensinou a todos os filhos o sagrado golpe, que hoje está perdido entre os homofalcos. O Justice Light! Ele ensinou ao meu pai, mas todos o ignoraram, disseram que ele era um mentiroso. Mas Timeus era, na realidade, o primogênito.”
“E agora você quer reassumir o lugar de direito como líder?”
“É claro que não. Isso não me interessa, pois os homofalcos devem morrer de acordo com a lei. Eu apenas gostaria de situá-lo melhor, já que ambos arriscamos as nossas vidas hoje. Você não está lutando contra um qualquer, Myles.”
“E por que você quer usar o Justice Light? Quer morrer?”
“Eu vou para provar. Vou provar como eu estou certo e você está errado, Myles.”
Confuso, Hyoga voltou-se à discípula, que ouvia a conversa com olhos atônitos.
“Charis…? O que é esse golpe, o Justice Light?”
“Ele… Ele não está mentindo… Timeus é mesmo filho de Aeneias.”
“Como?”
“Justice Light é um golpe hereditário, assim como a posição de líder. O líder tem a obrigação de ensinar esse golpe a todos os filhos, mas no passado houve muita polêmica sobre Timeus ser o primogênito de Aeneias. Ninguém acreditou. Se Átias domina mesmo esse ataque, significa que a condenação de Timeus foi injusta, e que Átias é mesmo o líder de direito dos homofalcos…”
“Está dizendo que ele possui esse direito?”
“Myles não domina esse golpe, porque não é o líder formal, apenas o substituto. A única forma de herdar esse ataque é quando o homofalco o reconhece como filho e passa a técnica a ele. Não é possível aprendê-la com treino ou algo do tipo, somente pelo cosmos. Portanto, para Átias saber o Justice Light, Timeus realmente precisava ter sido reconhecido como filho legítimo de Aeneias.”
“E o que esse ataque faz, Charis?”
“Ele emite uma luz diante da verdade, mestre. É uma espada de dois gumes: se o inimigo estiver errado, será cegado pela luz da justiça e passará os restos dos dias revendo na mente a verdade que o condenou; mas se o atacante estiver errado, ele sofrerá as conseqüências de seu próprio ataque. Além disso, é um golpe indefensável.”
“Átias tem dito até agora que está lutando pela lei da palavra, assim como Myles. É evidente que um está errado, mas… Se Átias tem tanta convicção para usar esse golpe…”
“A verdade será revelada nele… Myles…”
“Eu entendi, Átias”, respondeu Myles. “Eu vou aceitar o seu desafio. Eu prometo a você que nossa luta não passará do próximo golpe. Um de nós dois será cegado e, conseqüentemente, inutilizado para lutar. Entretanto, não pense que eu vou receber tal técnica sem reagir. Vamos lá!”
Entraram em acordo e queimaram seus cosmos. Myles tirou uma adaga que carregava para a própria proteção em último caso. O poder transferiu-se à pequena arma, enquanto Átias preparava em suas mãos um pequena bola de cosmos semelhante ao sol. De repente, a bola cresceu em suas mãos ao ponto do estouro. Átias expandiu o poder ao máximo e explodiu a bola, ali mesmo em suas mãos, gerando um ofuscante flash que obrigou todos os presentes a cobrirem os olhos para protegê-los.
Quando Hyoga abriu novamente os olhos, deparou-se com Myles de frente a Átias, e a adaga enfiada no fundo do peito inimigo, de onde escorria o sangue. Entretanto, o Justice Light teve o efeito sobre o líder dos homofalcos, que agora apresentava os olhos cinza, sem vida ou capacidade de enxergar mais.
Atingido no coração, Átias despencou no chão. Myles não estava mais em condições de lutar, mas vencera a luta. Ergueu a adaga no alto e declamou ao exército inimigo.
“Homofalcos inimigos! Honrem suas palavras e saiam agora de nossas terras! Vão!”
Um momento de silêncio se fez entre os homofalcos, que se entreolharam, confusos. O Justice Light funcionara em Myles, mas Átias perdera o combate. Nervosos, abriram as asas e partiram sem mais lutas, mas com a moral erguida por Átias, que mostrara estar certo com o golpe. Charis não socorreu Myles; ficou parada ali mesmo, sem acreditar no que via.
“Não era falso… O Justice Light do Átias não era falso! Será que os homofalcos realmente devem morrer?”
Hyoga não estava interessado em saber quem estava certo ou errado naquela história. Correu até Myles e socorreu-o dos graves ferimentos.
———————————————————————
Lyris molhou o lenço com água e passou sobre as pálpebras enegrecidas de Myles com cuidado. Hyoga carregava Iakodos no colo, enquanto Charis estava em silêncio no canto do quarto, perdida em pensamentos. Saori e os cavaleiros permaneciam um pouco afastados, pois sentiam que aquele não era um momento feito para eles, apenas aos homofalcos.
“Eu estou causando problemas a vocês, Hyoga”, disse Myles. “Eu posso viver, mesmo cego.”
“Eleni me ajudou inúmeras vezes e morreu por culpa minha. Deixe-me ajudá-lo.”
“Não se preocupe, eu já disse. Estes arranhões não são de nada.”
Charis já tinha amarrado Luna no cinto, mas ainda não tinha se apresentado como líder oficialmente aos homofalcos. Com a batalha, todos estavam ocupados no conserto das casas e na recuperação das estufas. Provavelmente ela teria de pronunciar-se mais tarde para acalmar o povo, mas sabia que não podia fazê-lo sem antes falar com Myles.
“Myles”, disse, levantando-se da cadeira. “Como líder, eu preciso que me fale. Qual é a verdade que está vendo?”
Hyoga surpreendeu-se com a atitude ácida da discípula, mas não a repreendeu.
“Charis?”
“Como efeito da Justice Light, o homofalco cego começa a enxergar apenas a verdade, no lugar das coisas materiais. Você já deve ter visto a verdade.”
O rapaz assentiu com a cabeça e sorriu tristemente.
“Ela fica passando sem parar na minha cabeça. Já passou tantas vezes que é como se fosse um pesadelo eterno.”
“Pode me falar sobre ela? Como líder, é importante que eu saiba.”
“Eu sei. Já ia falar, assim que achasse conveniente. Pois bem, quero que todos vejam.”
Myles queimou o cosmos e expandiu-o de tal forma que envolveu todos. No instante seguinte, não estavam mais na casa de Hyoga, mas no centro da cidade. As casas velhas eram mais novas, e os rostos eram desconhecidos para Hyoga. Iakodos assustou-se e chorou, agarrando-se à camisa do pai, que lhe massageou as costas e sorriu. Entretanto, sua expressão mudou assim que viu os homofalcos que se misturavam à nova cena, como se visse um filme por dentro.
Havia um garoto homofalco ajoelhado no chão e atado com correntes, enquanto um adulto, que portava Luna na cintura e sorria prepotente, discutia com um guerreiro semelhante a Éolo. Dizia ele:
“Pois diga a Prometeu que se eu perder a batalha para você, juro pelo meu povo que nos entregaremos a vocês. Eu sei que você não pode comigo. Depois disso executarei Timeus, esse que se diz líder de direito.”
“Então vamos lutar”, respondeu o guerreiro de Prometeu, com um sorriso. “Mas se eu vencer, você terá de cumprir sua promessa. Todos os homofalcos mortos em homenagem a Prometeu.”
“Heh. Como se isso fosse acontecer.”
A luta, entretanto, mostrou que o lado perdedor foi claramente o homofalco. Após meia hora de combate, o cadáver do líder homofalco caiu no chão, coberto de sangue. Um jovem homofalco, semelhante a Ájax, aproximou-se correndo quando viu o pai morto.
“Pai! Pai! Não!”
“Garoto”, disse o guerreiro de Prometeu. ”Os homofalcos sempre cumprem as promessas, não é verdade? Pois você, como sucessor, deveria entregar todos os homofalcos em sacrifício a Prometeu, não acha?”
“Isso nunca!”
O jovem rapaz, ao contrário do pai, possuía um cosmos mais poderoso. Avançou sobre o guerreiro de Prometeu e conseguiu vencê-lo, mas a promessa permaneceu intocada.
“Isso nunca”, repetiu o jovem líder, antes de sua imagem, junto com todo o cenário, desaparecer na frente de Hyoga, Charis e os outros. No momento seguinte, viram-se de volta ao quarto, enquanto Myles continuava a contar.
“O jovem Timeus sumiu pouco tempo depois do ocorrido. O pai de Ájax permaneceu em silêncio e nunca disse nada ao povo. Pois se o fizesse, haveria um suicídio coletivo e nossa espécie desapareceria. Creio que Timeus foi recolhido pelos guerreiros de Prometeu, pois já estava condenado aos homofalcos. E nós permanecemos com uma promessa não paga.”
“Não é possível!”, disse Charis, revoltada. “Meu avô não faria uma coisa dessas!”
“É provável que Ájax não saiba dessa história, pois carregava muita honra. Não é sua culpa, Charis.”
“Mas e agora?”, perguntou Seiya. “Se a lei diz que vocês sempre devem honrar a palavra e agora vocês precisam ser mortos pela mesma, como farão? É claro que tirarão essa lei, não é? Afinal, os homens vivem muito bem com as mentiras.”
Hyoga voltou-se subitamente a ele, enfezado.
“Cale a boca, Seiya!! Não diga uma coisa dessas! Nós somos diferentes de vocês!”
Foi quando eles perceberam o muro que se erguera. Hyoga não era mais humano. Usando o pronome ‘nós’, colocou-se num lado ao qual os cavaleiros não pertenciam. O siberiano olhou para baixo, sentindo de perto a mudança daqueles anos.
“Desculpe por ter gritado, Seiya. Não tinha como você saber sobre isso, não é? É só que… Não é algo viável.”
Afastou-se e sentou-se numa cadeira, sem dizer mais nada. Tinha o orgulho ferido por ver os homofalcos numa rua sem saída, fechada por eles mesmos. Se os homofalcos mantivessem a honra, todos teriam de morrer, incluindo Iakodos. Entretanto, a honra era tudo para eles. Seria impossível convencer os demais para abandonarem tão forte lei? Surpreso, Seiya, percebeu que o amigo sofria pelo povo e que a questão era muito mais delicada do que sugerira.
“Ei, está tudo bem. Desculpe se feri a honra dos homofalcos, Hyoga.”
Iakodos ainda estava assustado pela ilusão criada por Myles, e encolhia-se temeroso nos braços do pai. Lyris aproximou-se e tomou o filho no colo para acalmá-lo e cantarolou suavemente, balançando-o com carinho. Vendo os três, Shun adiantou-se e sorriu.
“Eu não vou permitir que morram, Hyoga.”
“Como?”
“Você pode não pertencer mais ao mundo dos humanos, pode não mais ser capaz de dizer qualquer mentira ou de aceitá-la como algo usual. Por isso, eu entendo que tema por Lyris e Iakodos com esses desdobramentos, pois sabe que os homofalcos certamente farão um suicídio coletivo ao saber da verdade. Mas Hyoga, antes de cavaleiro, sou seu amigo. E eu decidi, independente do que acontecer daqui por diante, que vou proteger você e sua família, mesmo que para isso precise manchar a minha honra e que por isso seja executado. E digo isso em terras homofalcas e portanto não minto. Foi você que disse, não é? Alguns foram feitos para serem sacrificados, mas outros, que possuem entes queridos, não. Eu não me importo de mentir e de sacrificar-me na próxima batalha, mas eu garanto que vocês viverão.”
“Eu também, Hyoga”, disse Seiya. “Se os ama tanto, dou-lhe minha vida e honra para mantê-los vivos. Não sei o que podemos fazer, mas em alguma coisa talvez eu possa ajudar.”
“Seiya, Shun…”
Hyoga olhou para Athena, que assentiu com a cabeça.
“Você sabe que eu sou a deusa protetora dos homofalcos e dos meus cavaleiros.”
“Na verdade”, disse Ikki, achando graça, “você não é diferente de nós, Hyoga. Você também mentiria para proteger alguém que amasse, mesmo vivendo com os homofalcos. Você não pode fugir disso, porque é coisa de sangue, e corre em todos nós.”
Foi quando ele se lembrou da ocasião em que mentira para Myles para proteger Lyris. Sua honra já estava manchada há muito tempo. Myles estava em silêncio, pois para ele, a verdade era a lei máxima, e o que os cavaleiros falavam não passava de blasfêmias. Mas Charis, após pensar um pouco, disse:
“A verdade é visível e clara, não é mesmo? Foi o que o cavaleiro Mu me ensinou.”
Pegando o cristal da verdade, colocou-o na mesa mandou que Hyoga se sentasse a ela.
“Por favor, mestre, toque no cristal.”
Hyoga o fez e recebeu a luz azul. Charis em seguida fitou-o sério.
“Agora me diga, qual foi a mentira que contou, mestre?”
“O quê?”
Lyris aproximou-se de Charis, temerosa. A garota manteve-se firme, exatamente como fora ensinada.
“Charis… O que quer dizer…?”
“No dia do interrogatório, o cristal errou, não é verdade? Quando Myles perguntou a você se era verdadeiro aos homofalcos, senti que ficou muito nervoso, até fechou os olhos antes de tocar no cristal. Mas a luz que saiu foi azul. Agora eu perguntei se você foi salvo por Athena nesse dia.”
“Charis…”
“Todos os seus amigos estão dispostos a mentir por você. O cristal já disse que você mentiria para nós um dia. E agora você está tão habituado à nossa cultura que não precisa fazer esforço para falar a verdade o tempo todo. Vendo como todos aqui são capazes de priorizar a vida à honra, imaginei se você não tivesse sido salvo nesse dia… por uma mentira da deusa.”
Hyoga fitou-a surpreso por alguns segundos, mas logo sorriu.
“Que intuição mais aguçada. Não vou mentir para você, Charis, é verdade. O cristal mentiu naquele dia. Eu já menti para Myles uma vez.”
Myles, visivelmente perturbado, sentou-se na cama.
“Hyoga? Como pôde?”
“Quando descobri que Lyris estava me traindo com Tarasios, fiquei furioso. A primeira coisa em que pensei foi na vingança. Fui contar para Myles, mas na hora… Não tive coragem. Quando ele me perguntou se eu sabia por que ela estava chorando, disse que não sabia. Apenas três palavras de mentira, só para proteger Lyris da morte. Essa foi a primeira e única vez que menti para vocês. E agora… Eu tenho um filho maravilhoso e uma esposa que me acolhe de noite. Não estou arrependido do que fiz, e se quiser me matar por isso, Charis… Pode fazê-lo. Não vou fugir.”
“Hyoga…”, murmurou Lyris, explodindo em choro. “Você não devia ter contado…”
Charis tirou Luna da bainha e posicionou-a no pescoço de Hyoga, com o olhar sério.
“Então você mentiu, e a deusa o protegeu.”
“Sim… Perdoe-me por ter mentido. Fiz isso para proteger Lyris. Você tem razão, Ikki, não sou tão diferente de vocês.”
“E se eu matá-lo aqui?”
“Pode fazê-lo, Charis, não vou fugir.”
Charis permaneceu naquela posição por um minuto inteiro, a decidir o destino de Hyoga. Um fio de sangue escorreu do pescoço do cavaleiro, na tensão do momento. Entretanto, Charis desistiu e afastou-se.
“Se eu não executá-lo, preciso ser morta. Mas igualmente toda a população precisa ser morta, com a verdade revelada por Myles. O meu avô também deveria ter morrido por suicídio após tudo aquilo, era o que a honra dele mandava. Mas todas essas pessoas à minha volta… mentiram para proteger mais alguém. A verdade é visível e clara, e essa é a verdade.”
Luna caiu no chão, e duas lágrimas rolaram pelo rosto corado.
“Eu achava que ser líder era uma missão nobre… Mas agora… Aonde minha honra vai se eu mentir para todos, se eu permitir que Hyoga viva? Onde estará a honra?”
“Eu já nem sei mais onde está a minha”, disse Hyoga. “Minha honra? Onde está, se eu já menti para vocês? Onde está, se fui escravo e prisioneiro? Mas Charis… Minha desonra permite que Lyris viva e crie Iakodos. Ela permite que os humanos que salvei vivam. E Charis, eles vivem com honra. Eles resgatam a minha honra. Não estou lhe ensinando nada, apenas emitindo a minha opinião. Você decide o que quer fazer. Eu decidi viver minha vida assim. A partir de agora, cada um decide o que fazer. Eu vou ficar e lutar para proteger a minha família, ao lado de meus amigos. E se eu precisar mentir para salvar outras vidas, mentirei. E se seu precisar ser morto por isso, darei meu pescoço com prazer.”
E oferecendo-lhe o pescoço, acrescentou:
“O que você vai fazer?”
Charis desviou o olhar, indecisa. Guardou Luna na bainha e dirigiu-se à saída.
“Vou até Kedreatis.”
“Ela precisa do tempo”, disse Hyoga, com um triste sorriso no rosto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário