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[Saint Seiya] Prisão das Asas - Parte 31, escrita por Nemui

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Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.



A cidade transformara-se num campo de batalha quando Hyoga voltou. Soldados por todas as partes lutavam contra outros homofalcos, desconhecidos. Hyoga foi atacado logo que chegou, mas ainda tinha velocidade para desviar-se dos inimigos, por serem mais fracos. Contudo, era o máximo que podia fazer naquelas condições. Correu para o centro, onde encontrou Myles combatendo dezenas de inimigos de uma só vez utilizando o poder Luna.

“Myles!”

“Hyoga! Você está bem? Eu mandei Evan atrás de você, mas não pude ir atrás! Esses inimigos são duros… E são todos homofalcos! O que está acontecendo aqui?”

“Onde estão as mulheres?”
“Elas fugiram ao norte, Lyris também. Algumas possuem treinamento e estão lutando. Infelizmente, eles são fortes e estão conseguindo nos empurrar. Nosso território está diminuindo, precisamos de reforços!”

“Que droga, se não fosse pelo meu braço…”

Myles observou o ferimento de Hyoga rapidamente, antes de cruzar espadas com outro inimigo. Manejou Luna com habilidade e rasgou o homofalco em dois.

“Hyoga, você deve voltar. Leve o ovo, proteja Lyris e os outros.”

“Mas e vocês?”

“Você não pode lutar assim, sabe disso. Eu dou-lhe cobertura, vá, Hyoga!”

Myles tinha razão: por mais que Hyoga desejasse lutar ao lado dos outros, não estava em condições de enfrentar os inimigos, com o braço ferido e expondo o bebê ao perigo. Aproveitou a ajuda de Myles para fugir e levar o ovo à Lyris.

“Eu vou, Myles, mas volto para lutar!”

O pequeno esconderijo subterrâneo às mulheres estava fortificado por alguns homofalcos que voavam em volta e impediam a aproximação de inimigos. Hyoga correu e conseguiu entrar pelo alçapão antes de ser atacado. Desabou no chão e levou algumas mulheres a gritar de susto, outras, a erguerem espadas amadoramente. Lyris surgiu entre elas e ajudou-o a sentar-se.

“Hyoga! Você está bem?”

“Lyris… Pegue o ovo, eu… Eu preciso voltar.”

“Mas está coberto de sangue! Não pode ir!”

“Não, eu…”

‘Eu jurei que protegeria os homofalcos’, pensou. ‘Não sou covarde para esconder-me com as mulheres, como se fosse uma vítima. Eu sou um guerreiro!’

Quando tentou se levantar, Lyris segurou-lhe o braço ferido, arrancando-lhe um grito de dor.

“Espere, Hyoga! Melanie, por favor.”

A colega de estufa aproximou-se e pôs a mão sobre o ferimento congelado. Apesar de não lutar, Melanie possuía um fraco cosmos que utilizava para aquecer a terra das plantas no inverno. Seu poder fez o gelo desaparecer aos poucos, e o sangue voltou a correr. Lyris arrancou um pedaço do vestido e utilizou-o para estancar a hemorragia.

“Você não está em condições de luta, está vendo? Se sair, morrerá. Precisa ficar, Hyoga, nós cuidaremos de você.”

“Ela tem razão, Hyoga”, complementou Melanie, “está ferido demais. Confie em Evan e permaneça conosco. Nossos soldados são bons, eles farão o necessário.”

Atordoado, ele não pôde levantar-se. Sabia que precisava daquele tratamento no braço, ou poderia perdê-lo; portanto, não as impediu. Melanie, com a ajuda de mais umas homofalcas, passou a limpar e a tratar o corte. Com a caixa de primeiros socorros que havia de precaução no esconderijo, costurou o rasgo e em seguida enfaixou o braço com a habilidade de uma profissional. Por ser esposa de um dos curandeiros, ajudava-o constantemente nos tratamentos.

“Você não pode mexê-lo, Hyoga. Descanse aqui.”

Hyoga aceitou a garrafa de água e bebeu alguns goles. Em seguida, Melanie quis quitar-lhe a túnica para tratar as queimaduras, mas o rapaz recusou.

“Não. Não são ferimentos graves.”

“Mas… Você precisa…”

“Lyris, você e o ovo estão em perigo. Há centenas de inimigos armados lá fora, sedentos de sangue. Como marido e pai, qual é o meu dever neste momento?”

“Mas está ferido!”

Hyoga levantou-se e aproximou-se do alçapão.

“Não se preocupe, agora que vocês cuidaram de mim, posso lutar mais um pouco. Não se esqueça de que sou um cavaleiro de Athena. Proteja o ovo, Lyris.”

“Hyoga…”

Com um salto, Hyoga saiu do esconderijo e observou em volta. Seu braço direito estava inutilizado, impedindo a efetuação dos golpes Aurora Thunder Attack e Aurora Execution. Todavia, seu braço esquerdo estava forte, e podia lançar o Diamond Dust. Além disso, se pudesse lutar ao lado de Myles, seriam invencíveis. Correu pela neve, atacando e derrotando os inimigos que encontrava no caminho.

Evan estava morto por causa do ovo. Por causa dele. Seu dever, como conseqüência, devia ser lutar em seu lugar, com a mesma paixão e fúria. Atacava qualquer inimigo que surgisse à sua frente, sem piedade, espalhando sangue homofalco por todo o lado. Em parte, sentia-se como se quebrasse suas palavras de sempre proteger aquelas criaturas aladas, mas estava ciente de que todos os inimigos já estavam condenados à morte segundo a lei homofalca.

Alcançou Myles em alguns minutos. O líder continuava a combater loucamente, coberto de sangue inimigo e com Luna a brilhar ferozmente aos oponentes. Defendia todo golpe que ela recebia e acumulava seu poder para o contra-ataque. Hyoga sabia que ela podia oferecer mais. Queimou o cosmos e atirou contra a espada uma enorme quantidade de cosmos seu. A arma brilhou mais com o seu poder.

“Myles!”

O líder voltou-se a ele, e ambos ficaram de costas um para o outro, cercados de inimigos.

“Idiota, falei para protegê-las! Seu braço está podre, você não pode lutar!”

“Vou protegê-las daqui, Myles. Se unirmos os nossos poderes, meu cosmos e sua capacidade física, poderemos expulsá-los daqui.”

“O que tem em mente?”

“Luna pode armazenar cosmos e utilizá-lo para atacar, não é mesmo? Pois eu tenho cosmos de sobra para oferecer-lhe. Você é um guerreiro habilidoso, Myles, sei que poderá utilizar meu cosmos em Luna da melhor maneira.”

“Mas e você?”

“Eu ainda posso desviar-me desses inimigos. Vamos lá, Myles!”

Hyoga atirou mais uma rajada de cosmos na espada, que a recebeu generosamente. O cosmos à sua volta brilhou com mais intensidade, e Myles ergueu-a no céu.

“Muito bem, parceiro, assim faremos! Venham, traidores!”

Myles brandiu Luna como uma tocha e girou-a para cortar o ar com a mesma força de Shura, ao utilizar a Excalibur. Um arco gigante feito de cosmos foi lançado aos homofalcos inimigos, cortando-os ao meio de uma só vez. Surpreso com o poder do próprio ataque, Myles observou a lâmina com admiração.

“É incrível… Que poder!”

“Eu não estou em condições para lançar meus ataques mais poderosos, mas essa espada e você podem fazer o trabalho, Myles. Empreste-me o seu talento para a luta e eu lhe emprestarei todo o meu cosmos. Utilizaremos a corrente de Prometeu em último caso.”

“Com isso, eu poderei detê-los. Com esta espada. Vamos, Hyoga!”

“Sim!”

Hyoga e Myles correram para o campo de batalha principal, onde todos os inimigos estavam concentrados. Quando ali chegaram, a voz de Myles ecoou pelos soldados.

“Recuem! É uma ordem! Recuem!”

Imediatamente, os homofalcos iniciaram uma fuga, deixando os inimigos animados e crentes da vitória. O líder deles, porém, não. Átias não deu nenhuma ordem, apenas esperou; contudo, sentia que havia algo de errado.

Myles lançou-se a três metros do chão e ergueu Luna para um ataque que inicialmente parecia inofensivo.

“É agora, Hyoga!!”

Uma gigantesca imagem de Cisne invadiu o céu homofalco e arrancou interjeições de surpresa do exército inimigo. O brilho intenso de seu cosmos ofuscou até os soldados da última fileira e cobriu a visão do Sol. Era um poder tão enorme que podia ser comparado com o de um deus. O cisne de luz bateu as asas furiosamente e então voou para Luna. Foi sugado e deu à arma uma luminosidade maior que no último golpe.

Myles também queimou o seu cosmos com todas as forças. Para controlar tamanho poder, precisava ter cosmos e habilidade suficientes. E ele tinha. Girou Luna e aplicou inúmeros cortes que imediatamente deceparam todos os homofalcos. Átias, o único que se mantivera à distância, viu todo o seu exército transformar-se num mar de sangue.

Tanto Myles quanto Hyoga mostravam-se cansados do ataque. Entretanto, ainda tinham poder suficiente para mais um ataque, desta vez para Átias. Percebendo que ali só encontraria a morte, o inimigo afastou-se voando.

“Hoje, vocês venceram. Mas lembre-se, Myles, os homofalcos precisam morrer!”

“Vocês é que são os traidores, Átias! Saiam de nossas terras!!”

“Você não me entende. Mas um dia entenderá.”

Com a partida de Átias, a tranqüilidade retornou aos homofalcos. Entretanto, as cinzas daquele dia demorariam a ser sopradas, tantos eram os corpos a serem queimados.

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Já era noite quando começaram a queimar os objetos pessoais de Evan no lugar do corpo, na pira que construíram à tarde com a ajuda de todos os envolvidos, incluindo de Hyoga. Agora, após o tratamento das queimaduras, com o cobertor nas costas e o ovo aquecido e protegido no braço, o cavaleiro sentia um enorme vazio no espírito. Sentado diante de tamanha fogueira, sentia-se pequeno naquela missão sagrada. Proteger os homofalcos não era nada fácil.

Lyris aproximou-se e sentou-se ao seu lado, nos trejeitos delicados de toda esposa.

“Querido, quer que eu o carregue?”

Hyoga não se moveu. Depois de tudo, queria segurar o bebê e senti-lo nos braços, firme, longe de qualquer perigo. Queria que ele, ao menos, sobrevivesse a tudo aquilo. Não disse nada, mas Lyris presumiu que o marido queria tê-lo consigo.

“Você se esforçou para protegê-lo hoje. Deve estar cansado.”

“Isso não importa. Acho que este pequenino está mais cansado do que eu. Mas agora… Ele estará protegido pelo cosmos de Evan para sempre, até a morte. Eu posso senti-lo… É fraco, mas sinto.”

“Evan. Foi uma pena.”

O modo como Lyris falara não lhe imprimia muita emoção. Hyoga fitou-a.

“Não sente pela morte dele? Ele salvou a minha vida e a de nosso bebê, Lyris.”

“Eu sei, eu estou eternamente grata por ele, Hyoga. Mas… Ele torturou-o e maltratou-o tanto… Por mais que eu pense que o que Evan fez foi bonito, minha mente apenas me responde: ele pagou os erros, só isso. Eu não consigo sentir algo a mais.”

“Lyris. Eu teria sido o escravo dele pela eternidade para pagar o que ele fez pelo ovo. Agora entendo por que não pude vencê-lo naquele combate. Os familiares de Evan foram mortos por humanos, e eu era o representante dos mesmos na cidade. Eu era uma ameaça. Ele não podia perder para mim, assim como não pôde perder a Eudor. Ele lutaria até o fim para proteger uma única vida homofalca.”

“Por que o respeita, Hyoga?”

“Eu respeito a coragem e a honra que ele carregou em vida. Mas discordo de seus ideais racistas. Se bem que… Mesmo sabendo que este ovo era metade humano… Ele deu a própria vida.”

Hyoga suspirou, e Lyris sentiu pena do marido. Acariciou-lhe as costas gentilmente e segurou-lhe a mão.

“Ei… Você devia voltar pra casa logo para descansar, Hyoga. Precisa de um tempo para colocar as coisas em ordem, na mente e no coração.”

Beijou-o no rosto e levantou-se para voltar para casa. Todos os homofalcos começaram a deixar o local, depois de o fogo diminuir. Hyoga permaneceu ali, com o ovo no colo e os pensamentos perdidos em outro lugar. Tudo acontecera rápido demais naquele dia.

“Hyoga.”

Hyoga olhou para frente e deparou-se com Charis. A garota tinha as mãos cerradas em punhos; provavelmente estava nervosa.

“Charis… Venha, sente-se.”

A garota obedeceu-lhe e sentou-se ao seu lado. Não ousava fitá-lo nos olhos, nem sequer olhava ao ovo. Permaneceu em silêncio, talvez sem saber como iniciar a conversa.

“Você… gostaria de dizer-me algo?”

“Eu queria saber… Como foi…”

“Foi heróico, Charis. Evan vive agora no bebê, e assim o fará até que ele morra. Ele citou a reza do sacrifício pela proteção e salvou as nossas vidas. Eudor foi completamente queimado com o seu ataque suicida, Charis. Evan lutou até o fim, numa luta que nenhum cavaleiro de Athena poderia criticar.”

“É estranho ouvi-lo falar assim depois de todas as chicotadas que tomou dele. E depois de todas que…”

“Que você tomou dele? Você o odeia, Charis?”

A garota assentiu silenciosamente com a cabeça.

“Eu devo odiá-lo? Devo odiar os meus aliados?”

“Você não é obrigada a gostar de alguém, Charis. Mas o respeito é algo que conquistamos, e algo que ele conquistou e mereceu. Compreende a diferença?”

“Eu posso respeitá-lo apenas como um guerreiro, mas menosprezá-lo como mestre?”

Hyoga sentiu vontade de rir naquele momento, como se dissesse ‘quem mandou ser teimosa e largar o meu treinamento?’. Entretanto, apenas sorriu.

“Se quiser… que seja. Bem, já está tarde. Lyris tem razão, eu estou cansado. Tudo o que quero neste momento é voltar para casa, deitar-me com Lyris e dormir até tarde.”

Hyoga levantou-se e caminhou lentamente para casa. Vendo o mestre pelas costas, indo embora, Charis gritou:

“Mestre! Eu ainda posso chamá-lo assim?”

“Você não disse que abandonaria o meu treino? Por acaso deseja voltar?”

“Não posso…?”

Desta vez, ele riu e fitou-a.

“Responda-me com sinceridade: eu sou um traidor?”

“Não, não é. A luta de hoje… O sacrifício de Evan… Você não é um traidor, mestre. Eu estava errada. Desculpe.”

“Muito bem. Só me dê algumas horas de sono amanhã, estou esgotado. Depois disso, você e Zarek se encontrarão no campo de treino. Seja bem-vinda de volta, pequena.”

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Hyoga parou diante do exército homofalco, todos de pé sobre o campo de treino usado por Evan. Meneou a cabeça negativamente.

“Eu não posso fazer isso, Myles.”

“Você é o mais indicado a isso, Hyoga. Não posso assumi-los por completo.”

“Mas Myles…”

“Não estou pedindo que forme cavaleiros. Eu só quero soldados, tão bons quanto os de Evan.”

“Mas eu não posso treiná-los para o combate assim, eu quero discípulos…”

“Vocês têm soldados no Santuário, eu vi! Vocês também realizam um treinamento de soldados em massa. Por que não quer fazê-lo, Hyoga?”

“Por que os cavaleiros que passam esse tipo de treinamento aos soldados foram devidamente instruídos para isso! Eu não.”

“Não se preocupe, vai se dar bem. Se tiver dificuldades, eu posso ajudá-lo, tenho experiência em treinar soldados. Vamos, Hyoga, tente. Você recebeu o treino de Evan também, sabe como eles estão acostumados. Além disso, é o seu grupo. Você pode fazer da maneira que achar melhor.”

“Mas eles não me respeitam.”

“Por causa do incidente de um ano atrás? Heh, vejamos então.”

Myles voou e parou a alguns metros do chão para chamar a atenção dos soldados.

“Vocês são orgulhosos soldados de Evan, o grande herói que morreu para salvar a vida do ovo de Hyoga! Vocês são guerreiros, da mesma forma que ele. Agora que ele se foi, quem deve ser o comandante? Quem deve treiná-los para proteger esta terra? Pois aquele que não quer treinar sob o comando do cavaleiro de Athena, deve partir e treinar comigo. Decidam!”

Um silêncio se fez na massa de combatentes. Nenhum homofalco sequer se moveu de seu lugar, e Myles voltou ao chão.

“Tudo o que fiz foi explicar para cada um deles, em particular, sobre a aldeia em que cresceu e por que aquilo aconteceu. Muitos desses homens, que treinaram junto a você há dois anos, também colaboraram para isso. Você tem o apoio deles, Hyoga. Você é o líder do exército agora.”

“Vai confiar tanto a um cavaleiro de Athena?”

“Eu não confiaria num cavaleiro de Athena. Aliás, em nenhum humano. Mas confio num amigo.”

Tímido, Hyoga apresentou-se diante dos homofalcos. Todos esperavam pacientemente por suas palavras. Por algum tempo, com o nervosismo da ocasião, Hyoga não soube como começar seu discurso de introdução. Devia começar com um elogio ao trabalho de Evan e dizer que o continuaria? Devia falar sobre o método que utilizaria? Diante de sua indecisão, Myles ajudou-o.

“Pense no que eles querem, Hyoga, por que eles estão aqui, sob as instruções de um humano?”

Hyoga pensou e enfim falou.

“Evan, Adon, Colen, Poncio, Sebastian, Melecio, Xes, Learco, Cirineo, Quant, Lukus, Rasmus, Cleon, Alek, Thad, Steven… Eu treinei com cada um deles, meus amigos. Todos. Todos mortos na última batalha. Podemos contabilizar o número de mortos, quarenta e sete no total, mas não podemos perdoar. Eu não quero treiná-los para a morte, eu não quero ver companheiros mortos. Eu quero vê-los vitoriosos. Eu quero proteger nossas mulheres e crianças. E eu creio… que todos eles queriam isso. Talvez alguns não gostem de mim por ser humano. Evan não gostava. Mas nós precisamos esquecer isto por hora e nos unir por um único objetivo. Derrotar Prometeu e seus guerreiros!”

Os homofalcos responderam; ergueram suas espadas e urraram em uníssono, desejosos de batalha.

“Por pouco minha criança não morreu. Por pouco. Mas e no próximo ataque? E no outro? Quem garantirá? Quem os protegerá no calor da batalha? Onde está a salvação?”

Observando os rostos atentos e determinados, Hyoga percebeu que escolhera as palavras certas.

“Vocês são a minha salvação e eu sou a salvação de vocês. Eu tenho as técnicas de que precisam e vocês têm a força de que preciso. Vamos nos unir neste treinamento.”

Mais um urro em aprovação às palavras. Hyoga olhou para Myles, inseguro, e este assentiu com a cabeça em aprovação.

“Continue. Está indo bem. Treine-os.”

“Para começar”, enunciou Hyoga, “quero vê-los como estão nas técnicas e na força, quero conhecê-los melhor. Peço paciência para cada um de vocês. Treinem combate em duplas. Ao longo da luta, remanejarei alguns pares de acordo com as necessidades e verei os pontos fortes e fracos de cada um. Comecem!”

Imediatamente, os homofalcos lançaram-se ao exercício com uma energia que não era encontrada nos soldados do Santuário. Espantado, Hyoga viu como todos estavam se esforçando e dando tudo de si no treino após a batalha. Myles acompanhava com satisfação.

“Todos ficaram abalados quando tiveram de lutar contra inimigos da própria espécie. E mais, ficaram ultrajados por muitos terem um treinamento superior. São traidores, diziam eles, merecem morrer por mãos homofalcas. Aqueles inimigos são para eles muito mais traidores que você, Hyoga.”

“Isto não é uma relação de confiança, Myles. É só um encontro de interesses.”

Hyoga afastou-se e pôs-se a desempenhar o seu papel de instrutor. Para ele, ser mestre era ser diferente de um simples instrutor. Mestre era aquele que passava todos os segredos e técnicas aos discípulos para que sua arte tivesse continuidade. Instrutor ensinava apenas o básico, aquilo que Myles ou outro guerreiro experiente poderia ensinar sem dificuldades.

Caminhou entre os soldados e corrigiu algumas posturas de batalha. Em geral, Evan deixara-o com bons guerreiros, mas alguns ainda tinham dificuldades. Observou os mais fortes e os mais fracos, analisou cada par e trocou alguns homens de lugar. Ao final do dia, já tinha em mente quais passos devia seguir para dar continuidade ao treinamento de Evan. Entretanto, aquela era uma situação inteiramente nova para ele.

Ao final da tarde dispensou os homens, que o fitavam com curiosidade, como se dissessem, ‘e o chicote?’. Estavam tão acostumados ao estilo de Evan que estranharam a atitude pacífica do cavaleiro.

“Amanhã eu irei passar-lhes exercícios para melhorarem alguns movimentos. Por enquanto, estão dispensados.”

Entre os guerreiros que partiram, comentando sobre o treino, Hyoga sentiu a mão pesada de um dos soldados. Voltou-se ao lado e deparou-se com Otis.

“Eu sabia que você não era um traidor! Eu sabia!”

“Otis.”

“Que susto você me deu, amigo, quando atacou aqueles homofalcos. Fiquei receoso de ir visitá-lo na cabana, porque todos diziam que qualquer amigo do cavaleiro era inimigo dos homofalcos. No começo, dizia que eles estavam errados, mas todos me reprimiram. Eu tive de ficar calado.”

“Você teve problemas por minha causa?”

“É claro que não! Venha, vamos beber. Uma taverna para comemorar sua ascensão como comandante dos homofalcos. Você nunca mais apareceu, Hyoga!”

Hyoga imaginou se Lyris não estaria esperando por ele para ficar um pouco com o ovo, mas achou que apenas um dia no bar não faria a menor diferença. Sorriu e acompanhou o amigo até a taverna, onde foram servidos de cerveja.

“É, você teve sorte com o ovo. Nem eu imaginava que Evan sacrificaria a vida para salvá-lo.”

“Eu estou em débito com ele. Não queria aceitar o treino dos soldados porque preciso passar um tempo treinando Charis e Zarek. Mas também não posso ignorar os alunos que Evan deixou.”

“Por que não treina tudo junto?”

“Não faço isso. Os treinos de Charis e Zarek são diferentes, são especiais.”

“Ei, eu também quero! Quero ser o guerreiro mais forte desta terra!”

Hyoga riu e reencheu o copo.

“Você está muito velho para isso. Pode acabar com dores nas costas ou qualquer coisa do tipo.”

“Seu desgraçado, eu sou jovem e ainda posso muito! Nem estou casado ainda.”

“Sinal de que precisa se esforçar um pouco mais, não?”

“Heh! Fala isso só porque tem uma homofalca de asas grossas que dá toda noite pra você. Se estivesse na minha situação não diria isso!”

“E eu fiz isso sem ter asas”, zombou Hyoga. Para os homofalcos, uma das formas de aproximação ao sexo oposto era pelo vôo, quando dois homofalcos divertiam-se executando manobras aéreas em dupla.

“É um desgraçado mesmo”, respondeu Otis, enchendo o quinto copo. E acalmando-se um pouco, acrescentou, sério. “O único desgraçado que pode nos salvar.” Bebeu de uma só vez, antes de enfatizar. “O único.”

O rapaz olhou para a mesa num momento de silêncio, perdido em pensamentos. Hyoga enfim se lembrou de um dos nomes da lista de mortos após o ataque.

“O nome dela era… Stella, não era?”

“Stella? Não sei. Está falando dos mortos? Não sei dos mortos. Ela sumiu. Seu nome desapareceu da cidade, não sabia? Você ficou mencionando aquela penca de nomes, tudo do passado… Todos mortos.”

“Aquela que você me disse que era bonita.”

“Ela era bonita sim. Eu a achava mais bonita que a sua Lyris, se me permite dizer. Um pouco teimosa para uma mulher, mas muito charmosa. Ela era tão teimosa que lutou sem saber muito. Acabou como os outros, morta. Não, não quero saber dos mortos. Devemos beber para os vivos, não acha?”

Hyoga sabia que Otis tinha uma especial atração pela homofalca que morrera e sentiu-se mal pelo ataque dos guerreiros de Prometeu. Passou da cota que estipulara na taverna e bebeu mais uma cerveja.

“Acho que devemos beber pelos mortos, sim. Pelos vivos, devemos é lutar.”

Naquele momento, Charis irrompeu pela porta, com um sorriso incontido.

“Mestre! Mestre, venha rápido! O ovo está rompendo, ele está nascendo!”

Imediatamente, Hyoga levantou-se e derrubou a cadeira na pressa.

“Desculpe, Otis, preciso ir!”

Ao sair da taverna, Charis agarrou-o pelo braço esquerdo e levantou vôo.

“Vamos pelo ar, é mais rápido. Você é o pai, não pode perder!”

O homofalco acompanhou-os com os olhos, riu e reencheu o copo.

“Como eu disse, Hyoga. Nós devemos beber aos vivos. Ao seu filho”, comemorou, tilintando o copo com o que fora deixado por Hyoga.

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Hyoga entrou correndo na casa e aproximou-se do antigo berço de Adelphos, onde Lyris sempre deixava o ovo enquanto fazia as tarefas domésticas. Uma ponta da casca já estava solta, revelando a cabeça do bebê. O pequeno forçava a casca, mas era evidente que lhe faltavam forças para isso. Um grunhido que era quase um choro saiu, e o bebê conseguiu rachar mais um pedaço.

“Lyris!”

“Chegou bem a tempo, Hyoga”, sorriu-lhe a esposa. “Receba o seu filhote. Agora… Nós teremos de ajudar.”

Pelo tamanho e o peso do filho, a casca do ovo era mais dura do que Hyoga esperara. Lyris mostrou-lhe um objeto de metal, com uma ponta arredondada, mas dura, utilizada pelos homofalcos para facilitarem a abertura da casca. Com cuidado, Lyris apoiou a ponta da chocadeira sobre a casca na parte mais fina, de forma a quebrá-lo numa determinada direção.

“Então é para isso que serve essa espátula? Eu sempre me perguntei por que havia uma na casa de Myles.”

“É uma chocadeira. Ela é nesse formato para pressionar melhor a casca sem machucar o bebê. Eu dou algumas batidas de leve por cima, e…”

Como Lyris dissera, a casca cedeu facilmente e a barra de metal criou uma rachadura que logo foi aproveitada pelo bebê para pôr o braço para fora. Com as mãos, Lyris tirou mais um pedaço da casca, revelando o rosto e o peito enrugados do bebê. Orgulhosos, eles sorriram-se.

“Na próxima, ele poderá se considerar nascido. Também saberemos o sexo.”

“Vá em frente”, respondeu Hyoga. Olhando ao rosto do bebê, achava-o igual a Adelphos quando nascera, mas não chegara a ver o processo de nascimento de um homofalco, rompendo a casca.

Com a ajuda da chocadeira, Lyris bateu na casca novamente, quebrando a base, que sempre era mais dura. Após alguns minutos criando uma rachadura, forçou o resto da casca e quebrou-a com a mão, espalhando no ar um pó branco provindo do invólucro.

“E aqui está o nosso homenzinho!”, anunciou Lyris, tirando-o cuidadosamente da casca. O bebê reclamou e chorou, mas a mãe foi insistente e continuou com o processo do nascimento. Charis concentrava o cosmos na bacia de água.

“Já deixei no ponto para ele, Lyris.”

“Obrigada, Charis.”

Para tirar os vestígios do líquido do ovo, Lyris deu-lhe um breve banho e enrolou-o na manta, tão gentil quanto era com Adelphos. Em seguida, levou-o até Hyoga e depositou-o em seu colo. Mesmo ferido, Hyoga carregou-o com os dois braços. Não se importava com a dor para dar mais conforto ao filho.

“Nem posso acreditar”, comentou, abobado. “Ele ficou tanto tempo dentro do ovo que agora não consigo acreditar. Meu filho… Você já decidiu o nome dele, Lyris?”

“Sim. O nome dele será Iakodos. Em homenagem ao seu pequeno amigo humano.”

“Ao Yacov…”

Hyoga sorriu e voltou-se ao filho, que se remexia no colo.

“Iakodos… Você tem sorte, pequeno.”

Iakodos bocejou e espreguiçou-se pela primeira vez na vida. Neste momento, as pequenas asinhas forçaram a abrir, e Hyoga segurou-o de um modo que as deixassem livres. Os tufos macios roçaram-lhe a pele e apareceram atrás. Para a surpresa de Lyris e de Hyoga, as penas eram diferentes. Possuíam um tom mais claro que o dos demais homofalcos, tendendo mais ao laranja do que ao marrom.

“Mas as asas dele…”

“São laranjas, quase amarelas.”

“Nunca vi asas assim, e as minhas eram escuras desde bebê. Parece que, por incrível que pareça, elas puxaram ao pai.”

“Mas a cor do cabelo não tem nada a ver com as penas. E eu nem tenho asas para ele puxar… Será que é obra de Athena?”

“Obra da deusa. Talvez seja o sinal para mostrar que nosso Iakodos é diferente de todos os homofalcos. Ele é especial!”

“Acho que tem razão”, respondeu Hyoga, sorrindo ao filho, que ainda estava encolhido por causa do tempo que permanecera na casca. “Muita coisa aconteceu para que este baixinho pudesse eclodir. Eu tenho certeza de que há um grande futuro à frente dele.”

“Por enquanto, eu acho que só há um grande sono à frente dele. Ele acabou de nascer, Hyoga, dê-lhe um tempo para recuperar-se.”

Hyoga concordou e passou Iakodos para Lyris. Com a eclosão do ovo, havia preparativos no ritual à recepção ao bebê, incluindo o sacrifício de um animal às deusas. Em seguida, precisava preparar uma festa de comemoração a todos os amigos, o que resultava um número bastante expressivo. Precisava arrumar a casa, colher a comida de antemão e ajudar Lyris a cuidar do novo integrante da família. Charis, alegre, abriu as asas.

“Eu vou avisar as pessoas da cidade! Logo eles virão aos montes!”

“Espere, Charis, eu…”

Charis não esperou; saiu voando com tanta pressa que não se preocupou de fechar a porta. Hyoga fitou a esposa, e esta lhe sorriu.

“É melhor se apressar. Logo o pessoal virá.”

“Aquela peste…”

Imediatamente, Hyoga lançou-se à arrumação da casa com tal velocidade que mesmo Lyris ficou surpresa. Sentiu-se um pouco como Seiya, quando tentava arrumar um quarto coberto de bugigangas e roupas sujas quando alguém o vinha visitar. Entretanto, não era tão trabalhoso, pois Lyris sempre deixava a casa limpa e não poupava esforços para manter todos os objetos em seus devidos lugares.

Não demorou que os moradores viessem, curiosos com o acontecimento. Muitas colegas das estufas foram as primeiras a chegar, ansiosas para ver como era um híbrido metade humano. Contudo, ficaram chocadas ao ver as asas laranjas do bebê. Melanie disfarçou mal o seu constrangimento, mas logo o esqueceu quando viu Iakodos agarrar o vestido da mãe e encolher-se no colo.

“Ele é só um homofalco como os outros”, disse, enfim. “Exatamente como os outros.”

Não demorou muito para que Myles chegasse para ver o bebê, e Hyoga veio cumprimentá-lo com amizade.

“Ele é a maior prova de que finquei as raízes aqui.”

“Pois me deixe ver o pequeno. Estou curioso para saber como é um garoto metade humano, metade homofalco!”

A primeira coisa em que Myles reparou foi nas asas. Por um momento, Lyris hesitou, pois tinha nos braços o homofalco mais diferente da cidade. Entretanto, o líder dos homofalcos estendeu-lhe os braços, sorrindo:

“Será que eu posso?”

“Nenhum homem o carregou ainda…”

“Eu sei.”

Lyris e Hyoga sorriram, e o bebê foi passado para Myles, que o carregou com gentileza.

“Seu nome é Iakodos.”

“Iakodos… Então ele é o menino por quem Evan deu a vida. E que asas mais fabulosas ele tem! São do tamanho ideal, possuem espessura; as asas de Evan eram defeituosas quando nasceu, mas vejam estas, que perfeitas. Pelo visto, ele não terá nenhuma dificuldade para caçar a águia quando crescer. Vocês tiveram um garoto muito saudável, meus parabéns.”

E fitando-o tristemente, acrescentou:

“Eu queria que Tibalt ainda estivesse aqui… Eles poderiam ter sido amigos.”

Sensibilizado, Hyoga concordou.

“Eu teria feito dele um grande homem.”

“Eu tenho certeza disso. E é o que farei com Iakodos, eu prometo. Ei, se precisarem de ajuda com as coisas para amanhã, não hesitem pedir. Eu sei bem como é essa loucura.”

“Obrigado, Myles.”

“Há mais uma coisa. Isto chegou hoje para você, Hyoga, é uma carta do Santuário.”

O selo de Athena indicava a seriedade da correspondência. Se no início de sua vida na terra dos homofalcos Hyoga torcia para receber missões, agora as temia. O que seria de Lyris e Iakodos se tivesse de partir para lutar? Entretanto, se Saori ou um de seus amigos se pusesse ao perigo, ele não hesitaria partir para ajudá-los.

O maço de papéis que saiu, contudo, deixou-o mais calmo. Provavelmente Saori enfiara numa correspondência só mensagens de todos os seus amigos. Abriu a carta principal, em grego, e leu-a em silêncio. Lyris demonstrou um pouco de nervosismo enquanto esperava.

“E então?”, perguntou, assim que Hyoga terminou.

“É um aviso. Parece que não é só para mim. Myles, leia.”

O líder colocou Iakodos no berço e em seguida leu a carta de Athena, curioso. Por um momento, quase a amassou, mas suspirou e voltou-se ao cavaleiro.

“Eu vou providenciar tudo até lá, Hyoga.” Logo voltou a sorrir. “Acho que eles vão gostar muito disso. Com licença, Lyris.”

Com a partida de Myles, Lyris aproximou-se do marido e observou a carta.

“O que é, Hyoga?”

“Athena sentiu o cosmos de Prometeu movimentar-se. Nós sabíamos que ele ia atacar a cidade dos homofalcos, mas não tínhamos idéia de como seria. Athena diz que o deus quer agir na luta diretamente.”

“Quer dizer que ele virá para exterminar todos?”

“Sim. Mas Athena virá para proteger a cidade, com os cavaleiros de Athena. Minha ordem é permanecer aqui e esperá-los. Então, terei de agir seguindo os seus desejos.”

“Athena virá… Pessoalmente…”

“Sim”, sorriu o rapaz, “e conhecerá o bebê que salvou.”

Distraído, Hyoga sentou-se à mesa e pôs-se a ler as cartas dos amigos, enquanto Lyris permaneceu de pé no meio da sala, aparentemente revoltada.

“E você não está preocupado, Hyoga? Ele virá para nos matar!”

“É verdade”, respondeu ele, enquanto olhava para as demais cartas. “Será uma luta e tanto.”

“Hyoga!”

“Mas você estará longe daqui quando isso acontecer. Você e Iakodos.”

“O quê…?”

Desta vez, Hyoga fitou-a sério.

“Eu não posso lutar sabendo que vocês estão em perigo. Quando essa batalha ocorrer, darei um jeito para que apenas os soldados se machuquem. Eu prometo. Vocês estarão seguros.”

“Mas e se você… Se você morrer?”

“Se isso, acontecer, será o destino, Lyris. Ainda sou um cavaleiro de Athena, tendo ou não uma família. É o meu dever proteger e servir Athena, assim como eu tenho a obrigação de proteger você e Iakodos. Não se preocupe”, sorriu, “Prometeu terá muito trabalho antes de me arrastar pra cova.”

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