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[Saint Seiya] Prisão das Asas - Parte 28, escrita por Nemui

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Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.



A mesa no centro da cidade, rodeada de homofalcos, indicava como o caso de Hyoga fora divulgado na comunidade homofalca. Quase toda a população estava reunida ali quando ele foi conduzido pela corrente de Prometeu por Myles até o banco de madeira junto à mesa. Era um arranjo bem simples, propício à execução. Charis apoiava a mão direita no copo da adaga, pronta para desferir qualquer ataque nele por de trás do banco.

Hyoga sentou-se calado, em meio ao murmúrio da população. Imaginava que a maioria desprezava sua tentativa de salvar o povo de Kohotek. Não teria se importado de morrer daquela forma se seus amigos humanos tivessem sido poupados da chacina. No entanto, sentia apenas que estava jogando fora a sua vida sem receber nada em troca. Evan, junto aos soldados armados, sorria-lhe maldosamente. Provavelmente perdera o pouco de respeito que adquirira por ele.

O cristal foi colocado à sua frente, e Charis empunhou a adaga. A lâmina encostou-se no pescoço do cavaleiro de forma que este não pôde mais mover-se. Viu, no canto da visão, Lyris cobrir a boca e o nariz com as mãos, cheia de angústia e com o olhar choroso. O ovo estava seguro nos braços de Shun.

“Charis.”

“Cavaleiro.”

“Você se lembra do dia em que nos encontramos pela primeira vez? Nenhum de nós imaginava que tudo terminaria assim.”

“O destino às vezes dá voltas inexplicáveis, como o disco de Perseu.”

“Concordo com você, pequena. Como vai a sua defesa cósmica das asas? Melhorou?”

“…Sim.”
“O próximo passo é aprimorar mais as técnicas de gelo. Treine batalhas, com Myles e Evan, nunca desista. Do fundo do coração, desejo todo o sucesso do mundo a você.”

“Sim… mestre.”

Hyoga sorriu e esperou pacientemente. Myles anunciou publicamente que o interrogatório começaria. Se durante as perguntas houvesse uma resposta que provasse a culpa do cavaleiro, era tarefa de Charis, como futura líder dos homofalcos, cortar-lhe a garganta sem hesitar.

“Comecemos, então”, anunciou o líder. “Não será um processo longo, feliz ou infelizmente para você, cavaleiro de Athena, Hyoga de Cisne. As perguntas são simples, e as respostas são breves.”

“Estou pronto, Myles.”

A espera daqueles homofalcos expectantes finalmente chegava ao fim. Myles colocou-se diante do cristal, com o cosmos a controlá-lo, da mesma forma como fizera Ájax, três anos atrás, na chegada do rapaz.

“Muito bem. Este homem deseja o bem a todos os homofalcos?”

Era uma pergunta com resposta certa. Hyoga tocou no cristal e recebeu como resposta uma claridade azul, visível a todos os presentes. Naquele momento, achou que fosse uma pergunta inútil, feita apenas com o intuito de acalmá-lo.

“Há alguns meses, houve um ataque de humanos à nossa cidade, no qual você ficou encarregado de comandar o segundo batalhão para atacar nossos inimigos por trás. Neste dia, você voltou-se contra os homofalcos durante o ataque, protegeu nossos inimigos e desferiu diversos golpes contra os nossos companheiros. Não pode negar isso.”

“Como você disse, foi o que fiz, Myles. Eu só queria proteger as pessoas de Kohotek com o meu ato.”

“Então eu pergunto ao nosso cristal. Você diz que não fez aquilo com a intenção de trair-nos. O que este homem alega é verdade?”

Mais uma vez, Hyoga teve a certeza de que a luz do cristal seria gentil com ele. Tocou sem hesitar e obteve o azul da afirmação. Por um momento, sentiu a lâmina da adaga apertá-lo mais quanto tocou no cristal. Talvez Charis estivesse esperando pela luz vermelha.

“Então realmente foi só para proteger aqueles humanos… Bem, vamos continuar. Isso não significa que você está livre, Hyoga. Por muito tempo, permanecemos sem o cristal, após o ataque ao coliseu. Agora que o temos de volta, eu quero descobrir se você manteve a sua palavra viva enquanto não tínhamos como saber se você estava sendo sincero ou não.”

Aquela introdução já dava previsão à pergunta que sucederia. ‘É agora’, pensou o siberiano, ‘Eu já estou indo, mãe…’

“Eu quero saber, cristal da verdade. Este humano sempre disse a verdade aos homofalcos?”

Era como assinar o próprio atestado de óbito. Hyoga sabia que em alguns segundos, seria uma cabeça a rolar pelo chão dos homofalcos, com seu sangue a tingir o cristal, a mesa e Charis também. Ele sabia que falhara com todos desde o momento em que mentira a Myles para proteger Lyris. Mas e se naquele momento, em honra ao culto à verdade que os homofalcos possuíam, tivesse condenado uma homofalca, uma criatura à qual prometera proteção? Não seria aquela uma falta à sua honra também? Tinha ele culpa?

O cristal esperava pelo toque e conseqüente resposta, imerso no cosmos de Myles, que mantinha o olhar fixo e um semblante severo. Não. Era a feição de quem se sentia traído. Há dois anos, Tibalt fora-lhe colocado nos braços, como prova de uma amizade que agora parecia inexistente. Não podia culpá-lo após as mortes trágicas de Eleni e de Tibalt, em que ele o impedira de proteger a família por causa da missão no Santuário.

“Hyoga? Toque logo.”

Hyoga não podia mais esperar. Sua morte era inevitável, então para que esperar? Não queria ver-se morto; portanto, fechou os olhos antes de erguer o braço e tocar o cristal. Sabia que, um segundo após o toque, morreria. Sentiu o cosmos contido no cristal transferir-se ao seu e esperou. Mas o golpe não veio.

“Bem, parece que você se manteve fiel por todo o tempo”, comentou Myles. Surpreso, Hyoga abriu os olhos e deparou-se com a luz azul que mais parecia uma ilusão de tão improvável. A adaga de Charis continuava encostada no pescoço, firme, mas Myles fez um gesto para que ela se afastasse.

“Está tudo bem, Charis. Ele não é um traidor. Guarde essa adaga.”

Embora a ausência daquela lâmina no pescoço fosse um alívio ao cavaleiro, nada parecia certo naquele interrogatório. Se mentira para Myles, por que o cristal não acusara nada? Olhou para Shun, que o observava tranqüilamente. Teria algo a ver com o amigo?

“Com isso”, declarou Myles, “fica comprovada a inocência do cavaleiro. Prosseguirei com outras perguntas sobre sua situação na terra dos homofalcos, mas não há mais nada para ver aqui, amigos.”

O líder dos homofalcos ajustou a espada na cintura e sentou-se à mesa, de frente ao cavaleiro.

“Ainda há dúvidas para tirarmos. Mas sabemos que você não é nenhum traidor” Sorriu. “Estou aliviado por saber disso, Hyoga.”

Diante de tanta impossibilidade, o rapaz não sabia o que responder. Permaneceu calado, pois, até que Charis afastou-se.

“Se não precisa mais da minha presença, Myles, posso me retirar? Gostaria de continuar o meu treino.”

“É claro, Charis, vá.”

Era como se fosse um sonho. Hyoga viu a discípula partir voando e os homofalcos partirem aos poucos, restando apenas ele, Myles, Evan, Lyris e Shun. Ainda não sabia como conseguira sair vivo do interrogatório, mas desconfiava da calma exagerada de Shun antes do teste.

“Bem, vamos continuar, Hyoga. Agora eu preciso saber se este homem pode ficar livre da corrente de Prometeu. Toque.”

Hyoga hesitou por alguns momentos, mas tocou no cristal. Apesar de não confiar mais naquele cristal, manteve a discrição para não levantar suspeitas. A resposta foi negativa, um vermelho tão vivo e intenso que não deixou margem a dúvidas. Talvez a corrente de Prometeu o acompanhasse até a morte, sem poder utilizar o cosmos da mesma forma como antes.

“Este homem pode ter o cosmos liberado em tempo integral?”

A resposta foi negativa, como já esperavam. Myles não deu pausa, continuou a perguntar, como se tentasse desvendar todos os mistérios que envolviam o cavaleiro.

“Atualmente seu cosmos fica desbloqueado uma hora por dia. Este homem ainda pode ter o cosmos liberado por uma hora?”

Era como o interrogatório que Ájax fizera quando Hyoga virou o cavaleiro protetor dos homofalcos. A resposta foi azul, mas Myles, não contente, prosseguiu.

“Este homem pode ter o cosmos liberado duas horas por dia?”

“Myles, você está…”

“Eu quero saber até onde irão suas condições, Hyoga. Quero saber tudo. Toque.”

O questionário continuou até que Myles chegasse à marca de cinco horas por dia. Ao final, suspirou e cruzou os braços.

“A corrente deve ter sugado muita energia sua para precisar de tão pouco agora. Parece que você terá mais liberdade de agora em diante, Hyoga.”

Evan, que não estava nem um pouco satisfeito com o final daquela história, lembrou:

“Myles, ele ainda deve ser punido por ter atacado os homofalcos naquele dia. Não deixa de ser um crime.”

O silêncio imposto por Myles trouxe aflição e lágrimas a Lyris, que correu até ele e segurou-lhe o braço direito num apelo.

“Já chega, Myles, por favor! Já basta o que ele sofreu, preso por tantos meses! Hyoga pagou o que precisava nesse tempo todo e depois do ferimento que recebeu de Charis. Ele não tinha a intenção de trair os homofalcos, o cristal provou isso. Por favor, Myles…”

O líder examinou os olhares à sua volta; notou que Shun fitava-o de forma agressiva, mantendo vivas as palavras que lhe dirigira antes do interrogatório: que a honra dos cavaleiros não sairia ilesa de lá. A morte de Hyoga, mesmo sob o juramento e as leis homofalcas, seria o estopim para uma séria crise entre eles e os cavaleiros de Athena. Durante o cárcere, Hyoga perdera muito peso, em massa muscular e gordura, além de ter permanecido enclausurado no escuro e de ter passado meses dormindo no chão sem tomar um banho. Se acrescentasse uma punição corporal, com certeza arranjaria uma rixa desnecessária, embora achasse que a afronta na batalha merecia um castigo adicional.

“Está bem”, decidiu, “ele pode voltar para casa se quiser. E como prometido, em troca do cristal, Hyoga agora não é mais um escravo. Ele está livre para ocupar o seu tempo da maneira como quiser e para viver como cidadão homofalco, embora não tenha asas. Alguma reclamação sobre a minha decisão?”

A pergunta fora a todos, mas tinha como objetivo mover Evan. Sabia que reclamações posteriores do rabugento homofalco viriam e por isso se adiantou para não restarem dúvidas.

“Muito bem”, concluiu, após um breve silêncio, “não quero ouvir reclamações a respeito depois. Vamos terminar por aqui.”

Sorrisos surgiram em Lyris e Shun, aliviados após a tensão do interrogatório. Hyoga levantou-se com certa dificuldade, pois as pernas já não eram tão fortes quanto antes, seus músculos tinham atrofiado. Sorriu para ambos.

“Estou vivo.”

“E há alguma surpresa nisso?”, perguntou Shun. “Vamos, Hyoga, você precisa voltar para uma casa de verdade. Isso pede uma comemoração, não acham?”

Hyoga tomou o ovo nos braços e retornou para casa que não via há meses, acompanhado da esposa e do amigo que jamais o abandonara. Evan atreveu-se apenas a fazer um breve comentário sobre o caso, antes de partir.

“Não vou reclamar, só comentar, Myles. Esse cristal produzido por Athena… foi especialmente gentil com o nosso prisioneiro, não acha? Athena é protetora dos homofalcos, mas, segundo a mitologia, ela tinha uma enorme admiração pelos heróis de guerra, principalmente pelos seus cavaleiros. De que lado a deusa está? Do cavaleiro ou do nosso?”

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Hyoga ajoelhou-se na neve e depositou à base da pedra que marcava a sepultura um punhado de flores. Aquele era o local onde os homofalcos tinham enterrado todos os moradores mortos de Kohotek na batalha, deixando-lhes apenas uma anônima pedra como lápide.

‘Perdoe-me por abandoná-los’, pensou, ‘vocês foram envolvidos por minha culpa… Perdoem-me, amigos…’

Shun aproximou-se por trás e também se ajoelhou, ao seu lado. Uniu as mãos e rezou demoradamente.

“Foi minha culpa”, desabafou ao terminar. “Se eu estivesse na aldeia no dia em que seqüestraram os moradores de Kohotek, eles não teriam…”

“Eu também sou culpado. Eu os abandonei quando parti com Charis, depois de tudo que me deram. Eu mesmo organizei o ataque que os matou, eu mesmo incitei os homens a assassiná-los… Eu fiz tudo errado, Shun. Que espécie de cavaleiro permite uma chacina dessas? Eu devia é ter sido morto por isso!”

“Você não tinha como saber. Nem eu… Nem ninguém. Aconteceu, mas não é por isso que devemos ficar quietos. Eu juro que os guerreiros de Prometeu pagarão muito caro por isso, Hyoga. Homofalcos e homens não são brinquedos, não foram feitos para sofrer nas mãos dos deuses. Eu vou me levantar e lutar por eles, mesmo que já não possa mais trazê-los de volta. E você?”

“Estou com você, amigo. Mesmo em lugares diferentes, trabalharemos em equipe, como sempre fizemos. Os deuses podem punir os homens, mas ninguém pode punir os deuses. Está na hora de isto terminar, não acha?”

“Vai terminar. Eu juro que vai.”

Levantando-se, Shun mudou de assunto completamente por não querer arrastar mais o amigo à tristeza.

“Essas flores que você trouxe… Nunca as vi nascer por aqui ou em Kohotek.”

“Ah, elas só nascem num vale distante à vila. É um local inacessível a pé, mas Lyris costuma voar todos os dias para lá, apenas para colhê-las e enfeitar no vaso de casa.”

“Ela deve gostar muito para fazer isso.”

“É difícil ver flores nesta região, mas Lyris vai a todas as partes só para encontrá-las. Ela também adora as plantas das estufas, mais do que as demais homofalcas. Nunca me diz nada a respeito, mas sei que gosta delas. Depois do interrogatório, a primeira coisa que ela fez no dia seguinte foi voar por toda a região para encher o vaso de casa. Quando eu estava preso na cabana, ela deixava tudo de lado para ficar comigo.”

“Você teve sorte com ela.”

“Embora no começo não pensasse assim… Eu tive. Eu só pude pensar nela e no ovo no dia do interrogatório, achei que fosse morrer.”

“Eu disse que você não tinha feito nada de errado para ser julgado.”

Shun não sabia da traição de Lyris, nem do fato de que Hyoga já mentira a Myles. Desconfortável naquela situação, Hyoga sabia que o amigo seria discreto se lhe contasse.

“Está enganado, Shun. A terceira pergunta… se eu tinha mantido a palavra aos homofalcos… A resposta era vermelha.”

“O quê?”

“Eu menti uma vez para Myles quando… Quando descobri que Lyris estava me traindo com Tarasios, há um ano. Na hora, eu fiquei furioso. Fiquei tão bravo que saí atrás de Myles para contar-lhe tudo. Mas se o fizesse, Lyris seria morta por ter me traído. Não tive coragem. Contei-lhe que Lyris estava chorando, e que não sabia por quê. Eu menti para protegê-la.”

“Não imaginava que tudo isso se tivesse passado…”

“O cristal mentiu, Shun.”

“Quando Athena me prometeu que você sairia vivo do interrogatório, imaginei que fosse porque nunca trairia a palavra. Mas se o cristal mentiu, significa… Ela pediu-me para fazer você tocar o cristal antes do interrogatório, Hyoga, mas eu não sabia por que precisava disso. É algum artifício criado por ela e Mu para protegê-lo.”

“Eu fui salvo pelo cristal… Mas não me sinto bem comigo mesmo… Prometi a Charis que não faria qualquer mal aos homofalcos, Shun. Mas com essa mentira, não consigo ficar em paz.”

“Mas se contar a verdade, morrerá.”

“Eu sei. É o mesmo que estar morto. Eu falhei. Falhei com os homofalcos, falhei com minha palavra, eu disse uma mentira punível com a morte…”

Por um momento, Shun ficou pensativo, a elaborar uma resposta para acalmar o amigo. Sorriu ao encontrar uma.

“Acho que você tem vivido já há tanto tempo com os homofalcos que não consegue mais pensar na mentira como algo positivo, Hyoga. Eu lembrei agora da ocasião que me contou de sua infância, com sua mãe. Você me disse que ela estava chorando em casa porque seu avô não quis conversar com ela por telefone.”

Era estranho ter suas lembranças resgatadas por outra pessoa, sendo que Hyoga as mantinha no íntimo e poucas vezes as revelava aos amigos. Shun, no entanto, era alguém em quem ele podia confiar a vida.

“É verdade. Ela chorava, mas tentou sorrir quando me viu. Disse que meu avô não estava na cidade, mas viajava por algum país. Eu só descobri depois de adulto que ele nunca mais quis ouvir a voz de minha mãe. Se eu tivesse descoberto sobre isso quando criança, não teria compreendido e teria pegado uma raiva por ele comparável à que sinto por Kido.”

“Às vezes, precisamos, para proteger uma pessoa que amamos. Para protegê-la, vale à pena manchar a nossa honra, não acha? Pegue Shura, Saga e Camus, o seu mestre, como exemplos. Eles mentiram e sujaram a honra apenas para proteger Athena. No final, eu acho que eles foram muito mais nobres por causa daquela mentira.”

“Eles o fizeram para lutar por Athena e atingir um objetivo maior que suas vidas.”

“E você mentiu para proteger a vida da mulher que ama, não é? Mesmo que Lyris o tenha traído, você não queria que nada de mal lhe acontecesse porque continuou a amá-la. É isso ou estou errado?”

“Você, como sempre, está certo, Shun. Mas uma coisa é mentir para manter o juramento de proteger Athena. O que fiz foi… apenas egoísmo.”

“Eu não chamaria proteger Lyris de egoísmo. Você se preocupa com ela. Não deveria sentir-se mal por isso, Hyoga, seu juramento é protegê-la também. Nesse caso, não vejo nenhum problema com sua mentira. Se ela pode salvar vidas e dar-lhes uma segunda chance, acho que vale à pena arriscarmos nossos pescoços nela, não acha? As pessoas se arrependem também e podem superar seus erros com coragem e determinação. Meu irmão é um desses casos. É por isso que eu acredito em você, Hyoga, e sei que essa mentira não significa nada diante da dedicação que tem por suas obrigações e família.”

As palavras de Shun certamente eram um alívio numa sociedade tão rígida quanto a dos homofalcos. Ouvindo-o, Hyoga notou como sentia falta do convívio com pessoas da sociedade onde crescera, dos costumes e valores que carregava. Por mais adaptado que estivesse ao estilo de vida homofalco, as raízes em Kohotek jamais desapareceriam.

“Obrigado, Shun. Suas palavras me deram forças para prosseguir. Eu… Sinto falta da época em que nosso conceito de honra era outro, mais nobre que a manutenção da palavra. Obrigado por me lembrar disso.”

“Não há de que, Hyoga. Você também já me ajudou tantas vezes que nem tenho como contar as ocasiões. Agora que seu cosmos ficará liberado por mais tempo, podemos trocar mensagens depois da minha partida, não?”

“Tem razão. Agora que não estou mais treinando a Charis, posso fazer o que quiser com o meu cosmos nesse intervalo…”

“Eu soube da própria Charis. Ela ficou bastante desapontada com você quando atacou os homofalcos.”

“Para ela, ainda é uma traição. Não posso fazer nada também, é ela quem deve decidir quem será o seu mestre.”

“Mas você depositava tantas esperanças nela, Hyoga…”

“E eu ainda deposito, Shun, ainda deposito. Mas agora, não posso mais participar desse processo, sou um mero espectador. Charis seguirá o caminho que escolher, levando consigo meus ensinamentos. Só espero que ela faça bom uso deles…”

“Eu tenho certeza de que ela fará, amigo.”

“E você, Shun, o que fará de agora em diante? Agora que não temos mais Kohotek, pretende continuar na Sibéria?”

“É claro! Do que está falando, Hyoga? Mesmo que toda a região ficasse vazia, eu jurei que cuidaria desse território do Santuário e do túmulo de sua mãe. Ainda posso fazer alguns trabalhos para a vila vizinha e sei que posso viver muito bem sozinho. Pode ser que June não queira, mas… É o que decidi fazer.”

“Isso por minha causa. Shun, você não precisa.”

“Alguém precisa manter-se ali, Hyoga, em nome do Santuário. Não faço apenas por você. Eu falhei com Kohotek… Não posso falhar mais.”

“O que devemos fazer é lutar para que não ocorram mais massacres desse tipo. Vou dedicar minha vida a isso, aqui mesmo, nos limites do território dos homofalcos. Mesmo preso pela corrente de Prometeu continuarei lutando por todas as pessoas, como o meu juramento de cavaleiro exige. Não são apenas os homofalcos que precisam de minha proteção. E agora que Kohotek se foi, preciso esforçar-me para proteger meu novo lar.”

“Eu desejo sorte a você. Preciso partir hoje para Kohotek, ou o que restou dela. Vou começar tudo do zero, Hyoga, quero que aquela aldeia renasça e vou trabalhar duro para que isso aconteça. Da mesma forma que você irá, para reconquistar a confiança do povo homofalco. Ficarei atento aos movimentos dos guerreiros de Prometeu, sugiro que você também faça o mesmo.”

“Eu o farei. Como disse antes, trabalhemos em equipe, da mesma maneira que nos velhos tempos. Prometeu não irá nos pegar.”

Tal apoio incondicional de Shun era uma barreira a mais aos guerreiros de Prometeu, antes que pudessem lutar contra Hyoga e dominar a terra dos homofalcos. Hyoga sabia que recomeçar não era fácil, mesmo após tantos recomeços naquela terra. Entretanto, sentia que aquela seria a última vez.

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Depois da peste e do massacre, não houve mais ataques dos guerreiros de Prometeu. Como a tática de atacar logo após a contaminação não dera certo, provavelmente estudavam outra forma de destruir a cidade dos homofalcos. Como não mais treinava Charis, Hyoga decidira voltar a trabalhar nas estufas, mas fora veementemente rejeitado pelas homofalcas, todas temerosas depois da suposta traição. Ajudava-as por pouco tempo, de forma tímida, esperando que pudesse reconquistar-lhes a confiança aos poucos. Algumas não tinham se deixado levar pelo interrogatório e continuavam tão gentis quanto antes, o que lhe dava uma chance, se trabalhasse com cuidado.

Quando Myles liberava-lhe o cosmos, Hyoga circulava por todos os lugares possíveis no território dos homofalcos, na busca de qualquer pista que o levasse aos guerreiros de Prometeu. E depois de ter sido novamente selado, lançava-se numa construção próxima à sua casa: uma pequena estufa num terreno que era como o quintal de casa, livre para o uso dos donos da maneira que quisessem. Alguns utilizavam aquele espaço para depósito, outros para ampliação da casa. Hyoga optara por aquela pequena construção e agora tinha tempo para erguê-la com calma.

Trabalhar sozinho na fixação dos troncos que lhe serviriam de pilares era demorado, embora soubesse que possuía todo o resto da vida para fazer aquilo. Para cada pilar, foi obrigado a construir um suporte auxiliar que o possibilitasse mantê-lo de pé sem a ajuda de outros. Já conseguira instalar três e agora trabalhava no suporte do quarto e último pilar. Com paciência, reconstruía a pequena estrutura e talvez conseguisse finalizar aquela parte antes de escurecer por completo.

Myles, que retornava do trabalho de treino dos soldados homofalcos, parou e pousou ao lado, curioso.

“Você tem trabalhado nisso todas as tardes, Hyoga. O que é?”
“É um presente. Para Lyris.”

“Vai ampliar sua casa?”

“Não. Vou construir uma estufa auxiliar para ela.”

O líder riu, zombeteiro. Nenhum homofalco utilizava aquele espaço para plantar, pois era pequeno demais para produzir o suficiente e significar algo na alimentação da casa. As estufas dos homofalcos eram enormes, verdadeiros galpões que supriam todas as suas necessidades.

“Vai plantar o que aí? Não vai fazer a menor diferença.”

“Minha intuição diz que ela vai gostar disso. Quando lhe disse, não se manifestou a respeito. Lyris quase nunca me diz sobre suas vontades, nem mesmo quando não se sente bem… Sempre preciso adivinhar. Mas eu acho que disso ela vai gostar.”

“E precisa de tanto apenas para satisfazê-la? Apenas tendo a casa em ordem já é o suficiente para nós.”

“Vocês não se preocupam tanto com isso. Bem, nesta terra há mais homens que mulheres, entendo com as coisas ocorram de forma invertida.”

“Heh. Você está perdendo o seu tempo, Hyoga.”

“Talvez. Mas é melhor do que não fazer nada, Myles. Além do mais, quando fiquei preso, todos os homofalcos, amigos ou não, deram as costas para mim. Até você e Charis partiram e me deixaram sozinho. Nesse período, a única pessoa que se importou comigo, a única que me mantinha são era Lyris. Mesmo naquelas condições, ela deitava ao meu lado naquele barraco imundo e me mantinha aquecido de noite. Quando eu me sentia só, ela vinha para fazer-me companhia. Ela esteve lá quando precisei.”

“Ela já o traiu com outro homem. Como pode não odiá-la mais?”

“Eu a odiei por muito tempo, Myles, muito. Pensa que foi fácil esquecer isso? Sonhei com a traição dela por meses, lembrei do caso em tantas ocasiões. Mas em cada uma delas eu me forcei a ficar quieto e a afastar aquelas lembranças de mim. Lyris estava arrependida, eu sabia. Então precisava esquecer, pois aquilo era o melhor para Adel. Mas depois consegui esquecer. Não, isso não me incomoda mais, Myles.”

“Estou vendo… Um homofalco normal com certeza a condenaria à morte, mas você não fez isso. Você teve pena dela e ainda assinou uma permissão para que ela tivesse um amante. Eu fiquei pasmo, achei que você era um idiota qualquer.”

“Eu fiz aquilo… E agora ela é a única pessoa que continua do meu lado. Não estou arrependido, Myles. Como eu disse, ela é a única pessoa que não me abandonou. Eu dou valor a isso.”

Após observá-lo trabalhar por alguns minutos, Myles adiantou-se e ajudou-o a levantar o pilar de madeira. Diante do olhar intrigado de Hyoga, sorriu.

“Desculpe-me, Hyoga. Você nunca traiu os homofalcos, e eu errei com você. Mesmo que tenha atacado aqueles soldados, nenhum deles saiu com ferimentos graves. Você não é um traidor, é um amigo.”

“Myles…”

“Vou ajudá-lo a construir esta estufa, se é o que deseja fazer. Afinal, você ainda é o tutor de Tibalt. Nós devíamos ser como uma família, não concorda? Nós dois… Precisamos trabalhar em equipe se quisermos derrotar os guerreiros de Prometeu. Não é hora de sermos individualistas. Agora entendo porque Ájax esforçava-se tanto para integrá-lo à população, depois de descobrir que era um cavaleiro. Ele confiava em sua palavra. Eu também tenho a obrigação de confiar em você.”

Grato pela ajuda do líder, Hyoga sorriu.

“Obrigado, Myles.”

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Ter aceitado a desistência de Charis como discípula não significava desistir de recuperá-la. Assim era o pensamento de Hyoga, sempre que passava pelo campo de treino em sua ronda. Acertava o itinerário de sua vigília de forma que sempre pegava o momento em que Charis treinava com Evan e outros rapazes com a finalidade de virarem guerreiros de elite.

Entre eles, havia o jovem Zarek, o discípulo de Evan que possuía quase a mesma idade de Charis. Um tempo depois dos jogos homofalcos, Zarek procurou-o, desejando tornar-se seu discípulo, pois estava insatisfeito com o treino recebido por Evan. Hyoga, por estar atrelado às obrigações e às leis homofalcas, foi obrigado a recusar.

Charis treinava batalhas com o colega, que tinha no rosto um enviesado sorriso, de quem estava se divertindo. A garota, por sua vez, mostrava a mesma seriedade e dedicação que tinha em seus treinos. A luta, no entanto, era fraca comparada com a que Hyoga travaria se a estivesse treinando. Provavelmente, Charis estava limitando os seus poderes para não matar o colega de treino.

Hyoga parou perto do campo e continuou a observá-los. Sentia-se frustrado por não poder comandar aquele treino e dar a Charis um melhor proveito daquele tempo que era tão precioso para ambos. Sempre que passava por ali, não conseguia deixar de pensar: ‘se eu fosse o mestre…’ Era inevitável parar e reparar em todos os erros, problemas e falhas no método de ensino de Evan. Aquilo era um treino para meros soldados. Charis era especial, merecia algo melhor.

Inconformado, não pôde manter-se quieto.

“Charis! Você está pegando muito leve com ele! Puxe-o mais!”

“Cale a boca, cavaleiro”, foi a resposta da garota, “você não está aqui para ensinar!”

Zarek, que ainda possuía admiração pelo cavaleiro que conseguira derrotar Éolo, perdeu a concentração na batalha.

“Charis, você não acha que ele tem razão? Você pode pegar mais pesado.”

“Cale a boca, Zarek!”

O rapaz irritou-se e seu olhar passou a uma furiosa expressão.

“Se é assim…”

Num arranque, ele investiu em Charis utilizando o cosmos de fogo e pôde derrubá-la num ataque que Hyoga achara simples demais para não ser defendido. A garota caiu, e do chão fitou o mestre, ao seu lado, incrédulo.

“Charis, você podia ter desviado dessa…”

Zarek aproximou-se, ainda nervoso.

“Ela não pode, senhor cavaleiro! Ela não pode, porque virou um boneco do Evan. Agora Charis não pensa, ela apenas faz aquilo que seu querido mestre Evan diz. E como ele não aceita que ela seja mais forte que os outros discípulos, é obrigada a aceitar ataques ridículos assim. Eu não agüento… Não quero mais treinar com você, Charis, não tem graça!”

Com a partida de Zarek, Charis levantou-se e limpou o sangue da boca em silêncio. O olhar de Hyoga sobre ela intimidou-a e o silêncio permaneceu por longos trinta segundos.

“Charis, o que está acontecendo com você? Você jamais receberia um golpe daqueles…”

“Deixe-me em paz, cavaleiro. Não tenho nada a dizer a você.”

Dizendo isso, Charis saiu voando. Às vezes, Hyoga desejava ter asas para que os outros homofalcos não fugissem da conversa quando ele tocava em alguma ferida, especialmente Charis. Como não tinha como segui-la, continuou a ronda e suas tarefas diárias, até encerrar com a fixação das vigas em sua estufa em construção.

À noite, Myles ajudava-o a sustentá-las no ar com as asas, enquanto Hyoga prendia a cantoneira de ferro que garantiria a estabilidade da construção. Lyris já cozinhava dentro de casa, e o cheiro da comida atiçava o apetite do rapaz, que já terminava. Foi nesse momento que Zarek surgiu à porta de sua casa.

“Senhor cavaleiro.”

“Zarek. O que veio fazer aqui, rapaz?”

“Eu vim fazer um pedido, se não se importa, senhor cavaleiro.”

“Espere só um pouco, já estou terminando.”

Hyoga finalizou o trabalho cuidadosamente e sem pressa, mas o rapaz permaneceu em silêncio embaixo, esperando pela atenção. Ao terminar, Myles enxugou o suor da testa.

“Finalmente. A parte mais difícil já foi, Hyoga. Pode deixar os vidros por minha conta, eu consigo arranjar alguns que sobraram das outras estufas.”

“Obrigado, Myles. Por que não fica para o jantar? Você não deve ter nada em casa.”

“Eu aceito. Depois de um dia como hoje, não há nada melhor. Chame o jovem Zarek também. Ele esperou por você até agora.”

“Acho que Lyris não irá se importar. É claro. Zarek, podemos conversar com mais calma dentro de casa.”

Para Hyoga, a presença de Zarek era uma porta a Charis, uma oportunidade de descobrir o que se passava com sua ex-discípula. Portanto, tratou-o com cortesia, embora o rapaz se mostrasse tímido demais para conversar.

À mesa de casa, com um copo de vinho na mão direita, o rapaz sentiu-se intimidado na presença do cavaleiro e do líder da cidade ao mesmo tempo, mas Hyoga não quis saber de timidez naquele momento.

“Muito bem, sou todo ouvidos. O que deseja de mim, Zarek?”

Era evidente o nervosismo do rapaz, mas Myles riu e tentou atenuar o ambiente.

“Ora, garoto, você não deve ser tímido! Hyoga, você sabia que Zarek concluiu o treinamento para soldado esta mesma semana? Você está falando com um dos melhores guerreiros de Evan!”

“Eu não sabia. Meus parabéns, Zarek. Significa que não é mais um garoto, mas um homem. Não deve temer os soldados mais velhos.”

“Obrigado, senhor… Eu vim… Vim para pedir algo que desagradará muito o meu antigo mestre.”

“Disso eu já não tenho dúvidas. Só o fato de estar por perto já o deixa mais do que irritado, Zarek. Afinal, eu sou um humano e já fui escravo de Evan. Sei bem, até bem demais, o quanto aquele homofalco me odeia. Diga logo.”

O rapaz bebeu um pouco do vinho, na esperança de resgatar ali um pouco da coragem de que precisava para fazer o seu pedido. Hyoga e Myles deram-lhe o tempo para acalmar-se, pois sabiam que as palavras, depois de ditas, não poderiam ser apagadas na terra dos homofalcos.

“Eu gostaria, senhor, se não fosse muito incômodo… De receber um segundo treinamento complementar. Um treinamento sob a sua instrução.”

“Como?”

Myles reencheu o copo de vinho e pegou um pedaço do pão que Lyris lhes servira, conversando como se fosse assunto de taverna.

“Depois de concluir o treinamento, o soldado deve manter servidão militar ao antigo mestre. Entretanto, nada o impede de complementar sua formação com um segundo treino, dirigido por um guerreiro de sua escolha. Você não sabia disso, Hyoga?”

“Ninguém nunca me contou sobre essa possibilidade, Myles.”

“Como alguns consideram injusto o fato de os pais decidirem quem será o mestre do treinamento básico, nós permitimos esse segundo treino. Evan não pode censurar Zarek por querer treinar com você.”

“O que me diz, senhor cavaleiro? Está disposto a isso? Por favor, aceite. Eu prometo que me esforçarei.”

“Eu… Pensava não ter muitos discípulos ao mesmo tempo.”

“Mas o senhor não está treinando ninguém no momento.”

“Eu sei, mas…”

‘Haverá sempre um lugar reservado para o treino de Charis em meu horário’, pensou. ‘Mesmo que não haja um discípulo agora…’

“O senhor ainda não desistiu de Charis?”

Foi a vez de Hyoga sentir-se intimidado. Não havia como não admitir que ainda esperava pela volta de Charis. Sorriu.

“Ela tem um potencial imenso. Não queria que ela abandonasse tudo por causa daquele dia… Eu me sinto mal, meio responsável por isso. Com o perdão da palavra, não acho que Evan esteja preparado para treiná-la. Só eu posso aproveitar todo o potencial de Charis e torná-la uma guerreira sem igual. A determinação e a paixão que ela possui por esta terra precisam ser domadas e treinadas ao ponto da perfeição. Como mestre, sinto-me frustrado por não poder terminar o treinamento.”

“Eu também sou mestre, sei como se sente”, disse Myles. “Tive um discípulo, cinco anos atrás. Era um rapaz brilhante, dedicado, com a alma entregue aos homofalcos. Foi morto num dos ataques de Éolo. Eu me senti horrível. Ele tinha tanto potencial, mas acabou sendo entregue ao campo de batalha antes do tempo.”

“É como eu me sinto agora. Eu ainda tenho esperanças de que Charis volte. Se isso acontecesse, gostaria de dedicar meu tempo a ela. Infelizmente, não posso tomá-lo como discípulo, Zarek. Eu sinto muito.”

O rapaz olhou tristemente para a mesa, e Lyris aproximou-se com a panela quente, cheia de um cozido de legumes e peixe.

“Espero que gostem, rapazes.”

“Obrigado, Lyris”, sorriu Hyoga. “Só trabalho bem por sua causa.”

A homofalca devolveu o sorriso e sua mão caiu brevemente sobre o ombro de Hyoga, antes de voltar ao forno. Zarek levantou o olhar com uma nova determinação.

“Se eu… Se eu ajudá-lo a recuperar a Charis, posso ser o seu discípulo, senhor cavaleiro?”

“Como é? No que está pensando, Zarek?”

“Charis está treinando sob os ensinamentos de Evan, mas o meu mestre não aceita que seus ensinamentos sejam melhores que os dele. Ele não aceita que Charis seja mais forte que os outros. Sempre que ela demonstra superioridade, ele arranja um jeito de fustigar-lhe as costas.”

“Então era por isso que Charis não reagia aos seus ataques.”

“Isso mesmo. Eu esperava que, depois de formado, ela tivesse um pouco mais de coragem para enfrentar-me. Eu sei que ela é mais forte do que eu, mas… Nunca revida aos meus ataques. E eu quero lutar com ela, eu quero enfrentar colegas mais fortes para melhorar minhas próprias técnicas. Charis não quer mais treinar com você porque acha que traiu os homofalcos, mas eu não penso assim, senhor. Naquele dia… Você só tentou proteger aqueles humanos, não é? Era o que um cavaleiro de Athena faria, não era?”

De repente, aquele rapaz que parecia tão comum ganhava o seu respeito. Contente por saber que algum dos soldados reconhecia a sua intenção, assentiu tristemente.

“Sim, Zarek, foi exatamente isso que aconteceu.”

“Você não é nenhum traidor, senhor, acredito nisso do fundo do coração. Desde aquele dia, minha admiração por sua luta só aumentou. Eu quero provar isso para Charis. Eu vou provar. Se me conceder seus ensinamentos, prometo que farei de tudo para trazer Charis de volta, senhor cavaleiro, e permitirei que a treine quando bem entender. Para mim, mesmo dez minutos de instrução já valem ouro.”

“Heh. Você é um rapaz bem determinado a meu ver.”

“Eu posso provar muito mais, senhor cavaleiro! Eu peço só uma chance, só uma!”

Myles, que já se servia do cozido e saboreava pelo olfato a habilidade culinária de Lyris, sorriu.

“Só uma chance. Eu adoro a força da juventude, adoro quando os jovens dizem isso. Se eu fosse o Hyoga, aceitaria. Pena que não sou. O que você me diz, cavaleiro de Athena? Não se lembra de que jurou servir a todos os homofalcos? Devia ao menos considerar a proposta de Zarek; afinal, ele prometeu não interferir no treinamento de Charis.”

Se Hyoga formasse um segundo lutador cuja técnica se comparasse a de Charis, teria ele uma chance de recuperar a discípula? Algo lhe dizia que não seria o bastante, mas com certeza sabia que tal fato a incomodaria demais. Charis sentia a necessidade de ser a mais forte guerreira da cidade e de ter cosmos para proteger qualquer um, até o mais forte dos guerreiros. Se descobrisse que Zarek, um soldado fraco cuja força nunca tinha se comparado à dela, virara um poderoso rival por culpa do antigo mestre, o que faria? Ele estava em seu direito de ter outros discípulos.

“Muito bem… Você parece desejar o suficiente, e eu tenho interesse em trazer Charis de volta. Eu vou treiná-lo, Zarek.”

“É mesmo, senhor? Muito obrigado!”

“Mas não pense que será fácil. A partir de agora, chame-me de mestre. Não quero reclamações dos exercícios, não quero folga. Se quer ser meu discípulo, terá de trabalhar duro, muito mais do que no treinamento de Evan.”

“Já vi Charis treinar muitas vezes, eu sei como o seu treinamento é duro, mestre. Mesmo assim, estou pronto.”

Convencido de que Zarek não sabia do que se tratava, Hyoga cruzou os braços e riu.

“Hum. Veremos amanhã se diz a verdade.”

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