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[Saint Seiya] Prisão das Asas - Parte 23, escrita por Nemui

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Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.



“É aqui, não é?”

“Sim.”

Shun fitou Kedreatis com admiração. Cedros jamais cresciam na Sibéria, mas aquele era o maior que ele vira na vida. Hyoga segurava na mão direita a espada de Myles, Luna, que fora forjada por Hefestos para proteger o povo homofalco de quaisquer inimigos. Queimou o cosmos até o oitavo sentido e invadiu o espírito daquela árvore centenária a fim de localizar o seu divino poder. A lâmina direita tocou na casca, enquanto o cavaleiro tentava comunicar-se com aquele ser desconhecido.

“Deusa Ártemis… Por favor, ceda o seu poder a este cavaleiro de Athena, protetor dos homofalcos e seu aliado. Permita que o cosmos divino seja abrigado em Luna, a espada forjada pelo grandioso Hefestos, para a criação de um cristal embebido da bênção de Ártemis e de Athena, para que a verdade seja sempre revelada ao bem desses seres alados. Em seu nome, sacrificaremos sete renas para honrar este sagrado contato.”

O poder de Ártemis respondeu, e o cosmos emanou de Kedreatis, tão forte e vibrante quanto de Athena. Surpreso, Myles confirmou a suspeita de Charis.

“Este cosmos só pode ser de Ártemis, rapazes. É parecido com o do cristal… Só pode ser!”

A energia aos poucos se transportou para Luna, atendendo ao pedido de Hyoga. Era tanto cosmos transferido que Hyoga teve de esperar mais de meia hora, até que Kedreatis terminasse de transferir seu poder à espada. Myles logo se voltou a um soldado que o acompanhava.

“Prepare o sacrifício. Façam a oferenda a Ártemis com todos os cuidados devidos.”

Hyoga entregou a espada carregada de cosmos de Ártemis para Shun, que a guardou na bainha.

“Eu prometo que defenderei esta espada com a minha vida, Myles, e que ela retornará são a salvo, no mesmo estado em que se encontra.”

“E com o cristal, espero.”

“Veremos a resposta de Athena. Eu farei todo o possível para convencê-la, Myles. Agora, não posso perder tempo. Faço o meu caminho ao Santuário, o mais depressa possível.”

Hyoga segurou-lhe o braço, antes que o amigo partisse.

“Ei, Shun.”

“O que foi, Hyoga?”

O rapaz entregou-lhe um punhado de sementes, e Shun fitou-o, sem compreender.

“No começo da primavera, plante-as na aldeia”, sorriu. “Eram as flores favoritas de mama. Tenho certeza de que a visão delas agradará June também. Boa sorte.”

“Obrigado”, sorriu o amigo de volta. “Eu desejo felicidades a você e Lyris, da mesma forma. Até mais, Hyoga.”

Shun partiu, deixando a aldeia dos homofalcos, a fim de prosseguir com o plano de Charis. Se tudo desse certo, dentro de algumas semanas ou meses voltaria com o cristal dos homofalcos. Sua partida também significava o início de um período de cautela sobre a terra dos homofalcos. Myles iniciara uma forte vigília sobre todo o território, alertando sobre a presença de possíveis guerreiros de Prometeu.

Hyoga estava livre da escravidão a Evan, mas ainda estava atrelado à servidão de Myles. Pessoalmente, não se importava de ser um escravo do amigo, que nunca o forçava a trabalhos pesados ou egoístas. Dizia que Hyoga era um servidor dos homofalcos e que, mesmo na posição de escravo, devia servir a esse ideal. Como precaução à aparição de outro falso Hyoga, Myles sempre estava por perto, para saber quem seria o verdadeiro num ataque.

“Hyoga, eu presumo que o vinho de sua casa não seja pior que o de todos.”

“Por que haveria de ser diferente?”

“Não sei… Talvez o modo de encubar… Não conheço os costumes de sua aldeia humana.”

“É o mesmo. Faço questão de que experimente, Myles.”

Ele sabia que Myles só usara o vinho como desculpa para ir até a casa de Hyoga ver Charis. Na verdade, não se preocupava tanto com o estado de saúde da garota, mas o cavaleiro, sim. Por consideração, passava um tempo na casa do amigo para que ele não se remoesse tanto pelo sofrimento da discípula.

Lyris abriu um largo sorriso ao vê-los entrar. Hyoga aproximou-se dela e beijou-a rapidamente na boca, num cumprimento que Myles só descobrira após a traição de Lyris. Ainda perguntava-se como Hyoga pudera perdoar Lyris tão rápido, mas não tinha dúvidas de que não restara nada do passado.

Adelphos começava a dar seus primeiros passos, o que significava zelo total por parte dos pais. O garoto ainda fazia questão de bater fracamente as asas, na tentativa de aumentar o equilíbrio do corpo, e causava a queda de vasos e de outros objetos pela casa. Naquele momento, brincava e fazia barulho com alguns potes de madeira no chão, dando um pouco de folga à mãe.

Myles bebeu o vinho, que de fato era igual aos das outras casas, estranhando aquele clima caseiro.

“Já faz mais de três anos, Hyoga, que você chegou aqui como prisioneiro. Agora olho para a sua casa e surpreendo-me com tanta paz. Uma esposa e um filho… Até parece que nasceu e foi criado aqui.”

“Um por enquanto”, respondeu Lyris, enquanto servia alguns aperitivos para acompanhar o vinho. “Acho que nem reparou, não é?”

Hyoga levantou-se da mesa para pegar mais vinho da cuba, distraído. Falava como se não fosse nada importante:

“Eu nem quero ver quando o outro nascer. Já está difícil segurar o Adel, esbarrando nas coisas por toda a casa.”

“Quer dizer que vocês terão… um híbrido?”

Lyris pousou a mão sobre o ventre, onde o ovo estaria alojado. Sorriu.

“Eu sei que o risco é grande, mas… Eu quero ter um filho com o sangue de Hyoga. Quero que ele e Adelphos sejam tão nobres quanto ele.”

Para Myles, era estranho pensar que Lyris admirava tanto Hyoga a ponto de arriscar-se com um ovo mestiço. Normalmente, ovos híbridos nasciam com a casca tão fica que arrebentavam quando eram postos. Se conseguissem nascer, freqüentemente possuiriam músculos e asas deficientes.

“Hyoga, você sabe dos riscos?”

“Eu sei. Mas Lyris assim desejou e insistiu. Portanto, eu aceitei.”

“Não é apenas o ovo, Hyoga. Se a casca romper dentro do útero de Lyris, ela poderá machucar-se, pegar uma infecção. Pode ser fatal.”

“Eu sei… Mas Lyris me fez prometer que a deixaria tentar. A única coisa que posso fazer é zelar por sua boa saúde, custe o que custar.”

A breve expressão de preocupação em Hyoga indicava que o cavaleiro sabia com o que brincava. Humanos e homofalcos eram espécies diferentes. Ter um bebê saudável era pouco provável devido à presença das asas.

“Você é louco. A propósito, como vai Charis?”

“Ela ainda não acordou”, respondeu Lyris. “Desde o combate, tem dormido direto.”

Hyoga sorriu e aproximou-se da cama ocupada por Charis. Estava cheia de bandagens e sedada, mas não demoraria a acordar. Logo em seguida, Adelphos subiu numa almofada, sonolento, e esfregou o rosto, grunhindo.

“Parece que não é só a Charis que está com sono.”

“Hyoga, não o deixe dormir, por favor.”

“Eu sei. Senão, ele acordará num berreiro insuportável no meio da noite.”

Hyoga tomou-o nos braços e tentou despertá-lo. O menino reclamou, esfregou os olhos e encostou-se no peito para dormir.

“Adel! Não é hora de dormir, garoto.”

Mas foi impossível despertá-lo. Logo Adelphos desabou sobre ele e não acordou, por mais que o chamasse.

“Hyoga, se deixá-lo dormir agora, você irá cuidar dele à noite.”

“Mas… Isto não é normal.”

Hyoga ajeitou-o nos braços e encostou o queixo na testa de Adelphos. Provavelmente era algum resfriado.

“Ele está com febre.”

Enquanto que para o cavaleiro não era grande coisa, para Lyris era um desastre comparável ao fim do mundo. A jovem largou a bandeja sobre a pia sem se preocupar com os copos e os pratos, para correr até o filho. Hyoga não discutiu; apenas deixou que ela carregasse Adelphos até o berço, cobrindo-o de cuidados.

“Não pode ser!”

“Deve ser só um resfriado, Lyris. O tempo está mudando, não é nada grave.”

“Diga isso para ele, coitado.”

Myles riu discretamente e continuou a beber em silêncio. Lyris era como Eleni quando Tibalt nascera. A qualquer sinal, perguntava-lhe se não estava frio demais, ou se não seria início de alguma doença com risco de morte. Hyoga sentou-se tranquilamente ao seu lado, enquanto Lyris tentava adivinhar o que Adelphos teria de errado. Quando desistiu, voltou-se a eles com o olhar assustado.

“Eu vou buscar um curandeiro.”

“Vá. Eu fico aqui.”

“Engraçado”, comentou Hyoga, depois de ver Lyris sair, “quando trouxe Charis, coberta de queimaduras e de sangue, Lyris agiu com tanta naturalidade que me assombrou. Mas se Adel espirra, o mundo vira um caos.”

“Instinto de mãe? Eleni também ficava assim quando Tibalt tinha algo. Até parecia que não confiava em meu sangue.”

“Bem, nem conheci o pai biológico de Adel, não tenho como saber se posso confiar no sangue dele.”

“Então devia preocupar-se mais, não?”

“É só um resfriado.”

Após conversarem mais um pouco, Adelphos tossiu continuamente, e Hyoga foi tirá-lo do berço para acalmá-lo. Parou antes de segurá-lo, atônito. A expressão era a mesma de Lyris ao saber que o filho tinha febre.

“Algum problema, Hyoga?”

“Ele vomitou sangue.”

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A preocupação que se iniciou com Lyris preocupou-o de tal forma que não hesitou a segui-la até o curandeiro. Limpou Adelphos e caminhou com extremo cuidado até alcançar a casa de Nestor, o mais conhecido curandeiro da terra dos homofalcos. Naquela ocasião, o que mais desejava era sair de lá e levá-lo a um hospital com recursos, numa capital russa ou até uma clínica com bons médicos. Entretanto, Nestor era o único a quem era permitido levar Adel.

Lyris conversava nervosamente com o velho homofalco na tentativa de convencê-lo a examinar o filho.

“Mas ele pode ter algo grave, Nestor, eu sei do que estou falando!”

“Deve ser só uma gripe, Lyris. Muitos estão assim nesta época.”

Hyoga entrou na sala, carregando o filho doente nos braços.

“Não é uma gripe, Nestor.”

“Como sabe, meu jovem?”

“Agora há pouco, ele vomitou. Havia sangue, não pode ser uma gripe.”

Tanto Lyris quanto Nestor mostraram-se alarmados com a notícia. O curandeiro pegou o bebê e colocou-o sobre a mesa para examiná-lo. Apalpou-o e observou-o de cima a baixo, sob todos os ângulos. Em seguida, foi até a estante e lá procurou um antigo livro.

“Alguma idéia do que seja, Nestor?”

“Hum. Não tenho certeza absoluta, mas…”

Nestor voltou a Adelphos e observou as pequenas asas minuciosamente. Olhou novamente o livro e suspirou, desanimado.

“Pode ser uma peste.”

“Como?”

“Há muitos anos, quando eu ainda estava aprendendo com meu professor, houve uma doença que atingiu vários homofalcos. Os sintomas eram: dor aguda, vômitos com sangue ou sem, febre, diarréia e manchas claras nas asas. As asas de Adelphos batem a descrição. Não é certeza, mas vou deixá-lo sob observação. Deixem-no comigo.”

Lyris acariciou a cabeça do filho e fitou o curandeiro, pálida.

“E como é a cura?”

“Até agora, não há nenhuma. Todos os homofalcos que a pegaram morreram em questão de dias.”

“Você não vai deixar que isto fique assim mesmo, vai, Nestor?! É do meu filho que estamos falando!”

“Eu vou preparar algumas ervas que irão aliviar os sintomas, mas… Não passam de paliativos.”

Hyoga caminhou até o filho, igualmente abalado. Prometera a Seema que cuidaria de Adelphos após a sua morte. Tinha planos para treiná-lo para ser um cavaleiro como ele. Se Adelphos morresse ali, o resto da triste Seema, a amiga que tanto o ajudara no começo, morreria com ele.

“Se eu pudesse levá-lo à Fundação Grado, talvez… Tenho certeza de que Saori guardaria o segredo.”

“Acha que os humanos podem curá-lo? Mas não podemos revelá-lo aos humanos, meu jovem. Isso é perigoso a toda a população.”

“Athena o protegeria, eu tenho certeza disso! Ela não permitiria que a existência dos homofalcos fosse divulgada. Se há uma chance de salvar o Adel, eu quero tentar até o fim, nem que tenha de ser punido por isso. Ele é o meu filho, prometi que cuidaria dele!”

“Eu não tenho o poder de decidir nada, meu jovem. Mas se quer tomar outra medida, apenas Myles deve decidir.”

Hyoga voltou-se ao líder dos homofalcos, desesperado. Este fitou Adelphos seriamente.

“Eu sinto muito, Hyoga. Adelphos não pode sair desta cidade.”

“Myles. A cura pode estar nas mãos dos humanos, eles têm capacidade e conhecimento para isso. Não precisamos perder Adel para percebermos a escolha certa. Por favor, Myles.”

“Hyoga. Como pai, conheço o desespero que sente. Mas precisa entender: a minha decisão deve priorizar a maioria, não um ou outro indivíduo. Eu sou o líder, não posso errar.”

“Mas Athena protegeria o segredo. Os cavaleiros de Athena certamente o fariam… Por favor. Eu não posso deixar que Adel morra, sabendo que eles têm tecnologia para salvá-lo. Sou capaz de desobedecê-lo apenas para salvá-lo.”

“Se o fizer, será duramente punido, Hyoga.”

“Puna-me, se for preciso! Você não entendeu? Adel irá morrer se não fizermos isso!”

“Todos nós podemos morrer se o deixar ir, entendeu? Já disse que não é uma decisão fácil, mas é a correta, cavaleiro! Tenha a razão em mente, não as emoções. Eu realmente sinto muito por seu filho, sabe disso.”

“Eu irei atrás de Athena, mesmo que tente me impedir.”

“A corrente de Prometeu impediria.”

“Apenas se me matasse, Myles. A escolha é sua.”

A determinação no olhar de Hyoga indicava que não era um blefe. O rapaz era capaz de matar-se tentando sair da cidade, apenas para salvar a vida de Adelphos. Chorando, Lyris carregou o filho doente até ele e colocou-o em seus braços.

“Hyoga não está pedindo muito, Myles. Por favor. Segure Adelphos, sinta o peso dele. Sinta o peso da doença que ele tem. Porque quando ele morrer, você é que velará e enterrará o corpo dele.”

Myles carregou-o cuidadosa e pesarosamente. Era como se carregasse Tibalt doente, nas lembranças dolorosas do ataque que jamais o abandonariam. Hyoga aproximou-se e ajoelhou-se diante dele.

“Eu imploro, Myles. Por favor, ao menos avise ao Santuário desta doença. Eles podem enviar um cavaleiro curandeiro para nós. Eu assumo a responsabilidade. Por favor. Você faria o mesmo com Tibalt.”

O desespero de Hyoga finalmente trouxe alguma hesitação em Myles. Lyris adiantou-se, reforçando a insistência:

“Myles, corte as minhas asas! Assim eu poderei passar-me como humana e buscar remédios ao Adelphos! Eu sei que posso fazer isso!”

Hyoga levantou-se diante do pedido da esposa, atônito.

“Lyris…”

“Você não pode sair, mas eu poderei, se cortar as minhas asas. Hyoga me dirá onde conseguir os remédios, e eu voltarei para tratar o Adelphos. Aceite!”

“Você está disposta a perder suas asas por ele, Lyris?”

“É claro que sim, Myles!”

“Myles.”

Hyoga olhou mais uma vez para Adelphos, sério.

“Você sabe que Adel é só o começo, não sabe? Se não fizer nada agora, o que fará quando outros homofalcos ficarem doentes? Como os salvará? Você não percebe que proteger esse bebê é tão importante quanto proteger o resto da cidade? Se houver uma epidemia, o que fará?”

“Haverá uma epidemia”, interveio Nestor. “A infecção do pequeno Adelphos não pode ser contida. Quando o segundo caso surgir, devem estar preparados para o pior.”

“Então, Myles? Vai apostar ou prefere pedir ajuda aos humanos? Shun partiu há pouco tempo, não deve estar longe. Libere o meu cosmos e permita que eu converse com ele sobre a doença de Adel. Imediatamente, Athena enviará uma resposta.”

Myles suspirou, sentou num banco e olhou para o chão, momentaneamente indeciso. E se não fosse apenas com o Adelphos? E se outros também sofressem? Se Eleni estivesse ali, com Tibalt doente, o que ele faria? Levantou-se e queimou o cosmos.

“Liberto o seu cosmos. Por favor, Hyoga, entre em contato com Athena e seus cavaleiros.”

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Assim como temeram, logo outros casos semelhantes ao de Adelphos surgiram, provando a Myles que Hyoga tinha razão ao convencê-lo de pedir ajuda ao Santuário. Quanto antes recebessem a ajuda de Athena, menos homofalcos sofreriam.

Hyoga estava sentado no canto da sala, com Adelphos enrolado num cobertor. O bebê gemia e chorava de tempos em tempos, com a mesma febre. Nestor instruíra-o a cuidar do filho no lugar de Lyris, pois a infecção atingia as asas e, portanto, humanos eram imunes à doença. Depois de infectado, de nada adiantava amputar as asas, pois o corpo já começava a degenerar-se.

Adelphos acordou e pôs-se a chorar de dor, deixando-o mais aflito. Hyoga não sabia mais o que fazer para acalmá-lo. Ofereceu mais água ao bebê, que recusou. Ninou-o, tentando acalmá-lo. Era estranho pensar que ele nunca fora tão próximo do filho adotivo quanto naquele momento, por pensar no futuro treinamento. Agora, só desejava que Adelphos sobrevivesse.

Lyris levantou-se com uma mão na cabeça.

“Hyoga, estou com um pouco de dor de cabeça.”

“Não está doente, está?”

Olhando para as asas, ela sorriu.

“Não, estou bem. Acho que é o nervosismo.”

“Por que não descansa um pouco? Saia, tome um ar. Vai lhe fazer bem.”

“Eu vou. Não demoro, querido.”

Com o barulho da porta fechando, Charis finalmente despertou. Olhou em volta, desorientada, e logo fitou o mestre.

“Mestre…”

“Charis!”

Hyoga pôs Adelphos no berço e lavou as mãos, antes de pegar um prato de sopa para a discípula. Não sabia como aquela bactéria era transmitida, mas preferia manter a pupila longe de qualquer contato homofalco. Entregou o prato e ajudou-a a sentar na cama. Charis gemeu por causa dos machucados.

“Finalmente acordou, Charis, estava preocupado… Ei… Tome esta sopa. Você não come nada há um dia. Como se sente?”

“Estou bem, mestre. Mas… Eu sinto muito… Eu prometi, mas ainda não consegui cumprir a promessa que lhe fiz.”

Hyoga sorriu e mostrou-lhe um documento assinado por Evan, concedendo-lhe a alforria.

“Do que está falando, pequena? O que acha que é isto?”

“Eu consegui?!”

“Sim. Evan admitiu a derrota, pois você podia ter cortado o pescoço dele no último ataque.”

O sorriso alargou-se no rosto da homofalca, que subitamente se encheu de energia.

“Eu consegui… Mestre, você está livre.”

“Sim, graças a você. Portanto, não quero que tenha seqüelas por minha causa. Você ficou ferida além da conta com todas essas queimaduras. Além disso, é melhor que fique quieta por enquanto.”

“Por que, mestre?”

Hyoga olhou ao berço de Adelphos e perguntou-se qual seria a melhor maneira de contar a péssima notícia à discípula. Devia contar sobre a gravidade do problema ou contar a história desde o começo? Enquanto tentava começar o relato, Adelphos chorou balançando os braços e as pernas. Hyoga afastou-se de Charis e voltou a carregar o pequeno homofalco.

“O que ele tem, mestre?”

“Febre, vômito, manchas nas asas. Uma espécie de peste.”

“Peste?!”

“Sim. É bom que você não chegue perto dele, Charis. Outros homofalcos também estão pegando essa infecção.”

“Mas… Está falando da peste que matou dezenas de homofalcos no passado? Meu pai ainda era pequeno quando teve, mas boa parte da população morreu naquela época!”

“É… Essa mesmo. Mandamos um recado ao Shun, ele tentará arranjar ajuda, um médico, remédios… Só rezo para que a ajuda chegue antes de…”

Ele não tinha coragem de terminar a frase, tamanha era sua dor. Sentou-se novamente no canto da sala e verificou a febre de Adelphos. Como não havia melhora, abraçou o filho e tentou acalmar o choro, angustiado, balançando-o carinhosa e lentamente. E o sofrimento de Adelphos não cessava.

“Mestre…”

“Eu confio em Shun. Sei que a ajuda virá logo.”

“Mestre…”

Charis não sabia o que dizer diante da tristeza do cavaleiro. Encolheu-se e tomou a sopa, com a visão do rapaz deprimido à sua frente.

—————————————————————-

Myles apoiou o antebraço direito contra a parede e vomitou. Não havia dúvidas de que também estava contaminado e de que sua vida estava em perigo. Ofegante, recuperou-se e dirigiu-se ao quarto, onde havia o espelho de Eleni. Através dele, observou as manchas esbranquiçadas e que aumentavam aos poucos em suas penas, como um anúncio de sua futura decadência. Acabaria ele daquela forma, morto por uma doença e não por uma causa nobre?

Bebeu um copo d’água, observou através da janela que a doença se espalhava como um vírus. Hyoga estava certo; a escolha de pedir o auxílio de Athena era correta. Deitou-se na cama e olhou para o lugar vazio deixado por Eleni.

‘Você tem sorte, querida. Logo irei para junto de você… Poderei dar mais atenção ao Tibalt… Isso é bom, não é? Descansar num mundo onde não precisamos lutar…’

“Myles!”

Era a voz de Evan. Sempre que o cunhado vinha, reclamava de algo que não ia bem na cidade. O guerreiro entrou em casa com o olhar severo e irritado, num humor de alguém que não tinha dormido dois dias seguidos.

“Myles, você precisa dar um jeito nisso. Aure está doente, junto com dezenas de homofalcos. Enquanto isso, você só fica parado, como se nada tivesse acontecendo.”

“Evan…”

“Aure vomitou sangue, Myles, sangue! Está com febre, penas manchadas, o pessoal está comentando que é a peste. Não pode ser brincadeira, é? Essa doença não devia mais existir em nossa terra!”

Myles olhou para o amigo, mas sua visão estava embaçada; simplesmente não conseguia se concentrar em suas palavras.

“Evan… Aure… ela…”

“Myles…”

Rudemente, foi empurrado para o lado por Evan e deixou-se rolar sobre a cama, sem resistência alguma. As penas manchadas revelaram-se ao amigo, que as viu com tanto terror quanto se visse um cadáver.

“Você está doente também… Por que não avisou?”

Evan podia sentir pena dele, mas Myles não podia aceitar que fosse daquele jeito. Ele era o líder; toda a responsabilidade de acalmar a população era dele e de mais ninguém. Enquanto estivesse firme sobre as duas pernas, andaria de casa em casa para saber da saúde de seu povo. Levantou-se e tentou agir como se nada tivesse acontecido.

“Não se preocupe. É só o começo, ainda posso trabalhar. Pedi ajuda à Athena e a seus cavaleiros, mesmo que desgoste dessa idéia.”

Para a sua surpresa, Evan não se exaltou com a notícia. Pensou um pouco e assentiu com a cabeça.

“Tem razão, não é um idéia que me agrada. Mas Myles… Se essa for a única solução para salvar a vida de Aure… Que seja. Sou seu amigo e estou aqui para ajudá-lo no que for preciso, agora que Eleni não está mais entre nós. Se quiser que eu assuma suas responsabilidades… Basta dizer o que devo fazer. Você está doente, também precisa de repouso.”

“Não seja idiota. O líder é uma figura essencial em momentos de crise como este. Meu dever é acalmar os homofalcos doentes até que a ajuda de Athena venha… Não podemos perder as esperanças.”

“Então eu irei acompanhá-lo. Você está péssimo, pode piorar a qualquer momento.”

“Não… Cuide da minha irmã. Eu a entreguei para que você lhe fosse fiel ao resto da vida, Evan. Ela precisa de você.”

“Myles… Chame o escravo, mande-o acompanhá-lo para não cair desfalecido numa de suas visitas.”

“Não… Hyoga e Lyris estão desesperados com o bebê de Seema, que foi um dos primeiros a ficar doente. Charis ainda não se recuperou da luta contra você, não tenho coragem de incomodá-los agora…”

“Então… Eu irei buscar um auxiliar no exército para acompanhá-lo, Myles. Você não pode esforçar-se além da conta, é o nosso líder. O que faremos se o perdermos?”

“É exatamente por ser o líder que devo me esforçar agora. Se me perderem… Evan, eu quero que você assuma liderança conjunta.”

“Mas isso é só em casos de emergência, não é? Situações de guerra…”

“Ou calamidades.”

“Conjunta… Com quem?”

“Com Hyoga.”

“O quê?!”

“O Hyoga já provou no cristal que deseja apenas o bem aos homofalcos. Ele tem consciência da necessidade dos homofalcos de manterem a soberania e a independência em relação ao Santuário. Espero que essa liderança conjunta não seja necessária, já que conheço o peso de colocar um cavaleiro de Athena no comando. Mas… Respeite as idéias dele, Evan. Esse garoto… daria um excelente líder para nós se fosse um homofalco…”

As palavras de Myles machucavam o orgulho de Evan, pois odiava Hyoga além de todas as pessoas do mundo inteiro. No entanto, ele era apenas um civil que devia obedecer aos desejos de Myles, um guerreiro, um peão, uma peça descartável.

“Está bem, se é o que deseja. Mas receio que isso nunca acontecerá, meu caro amigo. Logo a ajuda do Santuário virá, e eu tenho certeza de que você ficará curado como todos os outros. Se pensa que se livrará de nós tão cedo, está enganado.”

“Obrigado, Evan… Agora… Deixe-me ir. Preciso acalmar o povo.”

“Mandarei um de meus homens ajudá-lo, Myles. Não se esforce demais.

Myles agradeceu à deusa pela calma de Evan ao saber de sua decisão. Criar uma liderança conjunta com dois homens que se odiavam era loucura, mas achava que podia dar certo; afinal, os objetivos de Hyoga e de Evan, pelo menos naquele momento, eram os mesmos: curar a peste que assolava os homofalcos.

Saiu de casa, caminhou pelas ruas normalmente, esforçando-se para não parecer doente. Contudo, sabia que tinha febre e que devia descansar. Entretanto, como o líder podia permanecer de cama quando toda a população clamava por ajuda?

Acalmou uma mãe, dizendo que já tomara medidas para a cura da doença. Ela chorava, abraçada ao filho de seis anos de idade, desmaiado de febre. Se aquela doença continuasse, quase todos os homofalcos morreriam, como na crise de três décadas atrás.

Ao parar contra uma parede, fechou os olhos e descansou um pouco. Foi quando sentiu o cosmos do cavaleiro de Andrômeda alcançá-lo.

‘Myles… Myles? Aqui é o Shun, cavaleiro de Andrômeda.’

‘Shun… Por Athena… Hyoga entrou em contato com você?’

‘Sim, entrou. Como estão as coisas por aí? Há muitos homofalcos enfermos?’

‘Infelizmente… sim. Adelphos, Aure e eu também pegamos a doença, além de dezenas de homofalcos. É uma epidemia horrível, cavaleiro. Hyoga está desesperado, até ajoelhou-se na minha frente para pedir auxílio ao Santuário. A doença não tem cura; se vocês não nos ajudarem, com certeza morreremos.’

‘É por isso que senti o seu cosmos estranho. Não se preocupe, pedi ajuda à Athena; ela não só recriará o cristal, como também enviará um cavaleiro curandeiro para ajudá-los. Logo ele chegará, trazendo remédios. Além disso, ele poderá trabalhar em conjunto com a empresa da deusa, que dispõe da última tecnologia na medicina humana. Daqui a alguns minutos ele chegará; seu nome é Mu, cavaleiro de ouro de Áries. Por favor, receba-o bem.’

‘Tão rápido?’

‘Sim. Libere o cosmos de Hyoga, peça-lhe para queimá-lo. Mu chegará por teleporte, guiado pelo cosmos de Hyoga. Faça-o agora, Myles. Agüentem firme, por favor.’

O cosmos de Shun retraiu-se e desapareceu. Myles sentia a cabeça cada vez mais pesada. Entretanto, novas esperanças foram-lhe depositadas nas mãos, com a ajuda do cavaleiro curandeiro. Queimou o cosmos e liberou o poder de Hyoga, que imediatamente respondeu por telepatia.

‘Myles? O que houve?’

‘Queime o cosmos, isso é uma ordem. Seu poder guiará o cosmos do cavaleiro de ouro Mu. Anime-se, amigo: a ajuda de que tanto precisávamos chegará em pouco tempo.’

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