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[Saint Seiya] Prisão das Asas - Parte 15, escrita por Nemui

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Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.



Uma das tarefas de Evan era auxiliar Myles nos cuidados com os prisioneiros. Portanto, nessas horas Hyoga não recebia qualquer castigo e trabalhava como nos dias em que era escravo de Myles. A resposta de Shun chegara naquele dia, mas o conteúdo ainda era um mistério para ele.

Aproximaram-se da prisão de Egor, Hyoga carregando a tina e baldes contendo água quente para o banho. Evan prendeu as mãos do prisioneiro e Hyoga preparou o banho, revivendo os dias em que vivera naquela prisão. Agora ele era o opressor. Assim que terminou, saiu da prisão e Evan soltou Egor, permitindo-lhe que se banhasse. Em seguida, dirigiram-se à prisão de Sofon.

Myles abriu a carta e releu. Em seguida, mostrou-a ao prisioneiro, com uma expressão fria.

“Você mentiu, humano.”

“Eu não! Foi esse Shun que mentiu! Ele não nos disse nada, senhor, eu juro!”

Irritado, Hyoga aproximou-se da prisão.

“Shun jamais mentiria para mim, seu desgraçado! Não ouse manchar a honra que ele construiu sobre anos! Shun é um cavaleiro e amigo fiel! Não vou permitir que fale mais uma palavra ofensiva a ele!”

Evan riu, tirando a espada para executar a punição.

“Por incrível que pareça, concordo com o traste do meu escravo. Acredito mais naquele garoto de cara infantil do que em você, safado. Vai morrer agora mesmo!”

“Espere, Evan”, interveio Myles. “Hyoga, posso pedir que chame sua discípula?”

“Ela está treinando agora. Por que, Myles?”

“Quero que ela execute a sentença.”

“Por quê?”

“É o que ela terá de fazer no futuro, quando for líder. Não acha que é uma boa hora para testar as emoções de sua discípula?”

Hyoga considerou a possibilidade com calma. Até o momento, Charis ainda não tinha colocado seus conhecimentos como líder à prova. Era verdade que sabia exatamente como um bom líder deveria agir, mas ainda não tinha sido testada nesse sentido. Voltou-se a Evan, que era o seu dono naquele dia.

“Senhor, peço permissão para cumprir a ordem de Myles.”

“Tem dez minutos, imbecil”, respondeu Evan, secamente.

Hyoga saiu correndo em direção ao campo de treino, sabendo que dez minutos era muito pouco para trazer Charis a tempo. Provavelmente levaria mais chicotadas por aquela no dia. Encontrou a discípula treinando o Diamond Dust, golpe que ainda exigia treino.

“Charis.”

“Sim, mestre, estou às ordens.”

“Myles está solicitando a sua presença nas prisões. Ele quer que você execute um dos prisioneiros.”

“O quê?”

“Essas são as ordens, obedeça!”

Embora estivesse surpresa, Charis não o questionou. Seguiu o mestre e dirigiu-se às prisões, onde Evan e Myles esperavam.

“Traste, foram mais de dez minutos.”

“Peço perdão, senhor.”

“Que perdão, que nada. Vou é descontar mais tarde.”

Ignorando a discussão, Myles abriu a porta da prisão e entregou a espada a Charis.

“Charis, você deve matar este prisioneiro. Ele disse que não foi avisado de que este é um território proibido. Shun já nos confirmou que os avisou devidamente. Como mentiu, recebeu a sentença de morte.”

“Entendi, senhor. Irei executar a punição agora.”

“Espere, garota! Por favor, você não pode me matar! Eu não sou mau!”

Encostando a lâmina da espada no pescoço de Sofon, Charis ignorou-o completamente.

“Você será punido pelo descumprimento da lei sagrada da palavra. Sua executora será Charis, filha de Ájax, o ex-líder dos homofalcos. Também discípula de Hyoga, o cavaleiro de Athena da constelação de Cisne.”

Sem hesitar, Charis degolou o homem, espalhando sangue por toda a parte. Em seguida, pegou a cabeça e entregou-a a um dos soldados.

“Aqui está a cabeça do criminoso. Deseja mais alguma coisa, senhor?”

“Não, Charis, muito obrigado. Pode retornar ao seu treinamento.”

“Então… Com a sua licença, senhor.”

Charis levantou vôo, deixando a cena de execução, uma enorme poça de sangue. Diante dos restos de Sofon, Myles comentou, abismado.

“Não imaginava que Charis fosse se sair tão bem. Não houve nenhum momento de hesitação. Você a treinou muito bem, Hyoga.”

Ainda sem acreditar no que vira, Hyoga observava o sangue.

“Quem está assustado sou eu. Nunca imaginei que Charis pudesse executar um homem a tão sangue-frio…”

“Você deveria elogiá-la, cavaleiro.”

“Eu sei… Só estou assustado com o que vi, foi diferente.”

“É porque Charis é só uma garotinha, certo? Mas ela é especial, Hyoga. Já deveria saber disso. Bem, deixarei o resto em suas mãos, Evan.”

Myles partiu e Evan empurrou-o na prisão.

“Agora limpe essa sujeira, seu idiota! E queime o corpo desse miserável até que não reste nada!”

Assentindo respeitosamente, Hyoga saiu da prisão para pegar um pano de chão.

“Entendi, senhor. Peço permissão para pegar o material necessário à limpeza.”

Irritado, o homofalco agarrou-o pela túnica e sorriu maldosamente.

“Não precisa. Você está vestindo o material ideal para esse trabalho. Mãos à obra! E não se esqueça de vesti-lo de novo depois.”

Evan afastou-se, rindo. Egor estava dentro da tina, tomando banho, mas tremendo com a morte do companheiro.

“Não precisavam matá-lo! Ele era o meu amigo!”

Ignorando as palavras do prisioneiro, Hyoga suspirou profundamente enquanto olhava para o chão sujo. Tirou a túnica e ajoelhou-se no chão, enxugando o sangue da vítima. Não sabia o que era mais desagradável: ver Charis matar um homem a sangue-frio ou ter de limpar o sangue com a própria roupa. Enquanto fazia, o homem tentava dialogar.

“Eu sei que ele mentiu, mas estava fazendo isso para salvar-se. É a lei da sobrevivência, entende? Sofon não era um mau homem, cavaleiro, ele era um pai de família! E agora, como ficam os filhos e a esposa?”

“Ele deveria ter pensado antes de vir para cá. Você também.”

“Mas e quanto a você? Diz que é um cavaleiro, mas está sendo humilhado por essas criaturas bizarras!”

“Sou escravo de Evan. É direito dele humilhar-me, não sou nada além de uma ferramenta de trabalho para ele. É claro que isso nada tem a ver com o fato de ser um cavaleiro e que minha missão sagrada é a mesma. Também não é um assunto que cabe a você discutir. Termine logo o banho para que eu limpe aí.”

“Como você pode aceitar isso? Como pode querer o bem deles se você é apenas explorado por eles?”

Foi a vez de Hyoga ficar irritado. No entanto, sabia que não tinha o direito de brigar com o prisioneiro.

“Minha vida é apenas minha e ninguém pode controlar as decisões que tomo. Se obedeço a Evan, é porque assim o decidi, não porque fiz por medo. É diferente de vocês, que são capazes de tudo porque tremem ao saber que os homofalcos valorizam a verdade.”

“Eles são loucos!”

“Eu não teria tanta certeza”, respondeu Hyoga.

“É claro! O que você acha? Eles aprisionam os outros, dizem que podem matar à vontade! Acha que não são loucos?”

Hyoga não respondeu; pegou o cadáver de Sofon e preparou uma fogueira próxima às prisões para queimá-lo. Enquanto isso, Egor terminou de banhar-se e o cavaleiro tirou a tina da prisão, deixando-a como antes. Em seguida, jogou as cinzas de Sofon fora, deixando o prisioneiro em lágrimas com a perda do amigo. Terminava de limpar o resto do sangue, quando Evan apareceu, carregando o chicote.

“Não acredito que ainda não terminou, seu traste!”

Chutando-o, derrubou-o chão em frente à prisão de Egor. Notando a expressão assustada do rapaz, ainda brincou:

“Pode ser que no futuro eu faça o mesmo com você, prisioneiro. Observe bem!”

Levando chutes, Hyoga permaneceu imóvel, deitado no chão. Sabia que de nada adiantaria reclamar ou pedir para parar. A maneira mais rápida de acabar com o castigo e aceitar quieto e esperar. Evan surrou-o por meia hora, até que se posicionou com o chicote, pronto para golpeá-lo.

“Você sabe o que deve fazer, imbecil.”

Hyoga ajoelhou-se e permitiu que Evan o castigasse. De início, o homofalco pretendia dar apenas dez golpes pela demora ao chamar Charis, mais cedo. No entanto, a presença de Egor deixava-o com vontade de demonstrar-lhe o que todos os humanos mereciam em suas mãos. Não se preocupou em contar as chicotadas. Simplesmente foi golpeando a bel-prazer, até que as costas de Hyoga estivessem completamente cobertas de sangue. Sorriu para o prisioneiro, que os observava estarrecido.

“Adoraria fazer o mesmo com você, humano imbecil.”

Atordoado, Hyoga permaneceu no chão, contraído de dor. Evan pisou-o nas costas e limpou as solas dos sapatos nos ferimentos, antes de ameaçá-lo mais uma vez com o chicote.

“Levante-se. Vista sua roupa.”

Reunindo toda a força do corpo, Hyoga obedeceu e vestiu a túnica, que, molhada de sangue, grudou nos cortes. Em seguida, o homofalco agarrou a corrente e arrastou Hyoga até a prisão de Egor, onde o prendeu à grade.

“Charis virá buscá-lo depois, miserável. Mas antes…”

Queimando o cosmos, Evan golpeou-o várias vezes, até que Hyoga não conseguisse mais ficar de pé. Sorriu satisfeito e partiu, deixando-os. Egor ficou desesperado com o castigo, achando que algo parecido esperava por ele no futuro. O sangue pingava do rosto de Hyoga, coberto de ferimentos e encostado à prisão. Para ele, era quase um filme de terror.

“Eles não vão fazer isso comigo também, vão? Eu não quero ser um escravo!”

Hyoga, contudo, não respondeu: tinha acabado de perder a consciência.

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Charis chegou de noite, voando. Vendo a executora de Sofon, Egor gritou e encostou-se no canto da prisão, amedrontado. Ignorando-o, a homofalca pousou ao lado do mestre.

“Mestre. Acorde, mestre.”

Hyoga abriu os olhos e disse, em voz fraca:

“Charis, é você. Diga-me, como foi o treinamento?”

“Acho que estou começando a pegar o jeito do golpe. Mas ainda é muito difícil.”

“Bem, amanhã veremos o resultado. Por enquanto, pode descansar…”

“Continuamos amanhã, então.”

“Sim…”

Aproximando-se, a expressão de Charis tornou-se preocupada, quase desesperada.

“Mestre, está doendo muito?”

Hyoga riu, embora Evan tivesse exagerado naquele dia.

“Já estou acostumado, Charis… Acho. Só preciso descansar um pouco antes de voltar.”

“Trouxe água e cobertor. Tente beber um pouco.”

Com o cuidado de uma enfermeira, Charis levou o cantil até a boca de Hyoga, que bebeu um pouco. Em seguida, molhou um lenço e limpou-lhe o rosto.

“Está mais machucado hoje… Vou preparar um banho quente para você, mestre. Tenho certeza de que ajudará a descansar.”

“Não sei se terei tempo. Adel ficou sozinho praticamente o dia todo. Precisa de atenção.”

“Pode deixar que eu cuido de tudo, não se preocupe com nada. Vou soltá-lo agora, mestre.”

Tirando as amarras, Hyoga caiu para o lado, mas Charis segurou-o, impedindo-o de deitar na neve. Em seguida, enrolou-o no cobertor e acendeu o cosmos, aquecendo-o gentilmente.

“Sente-se melhor assim?”

“Sim… Obrigado, Charis.”

“Quando se sentir forte o bastante para andar, avise-me. Vou ajudá-lo até lá, mestre.”

Enquanto Charis esperava, Egor tentou aproximar-se, mas tinha medo da garota que assassinara o amigo.

“Garota, o que está fazendo? Você mata o meu amigo e agora ajuda o outro prisioneiro? Não é justo! Vocês não são justos!”

“Você nunca entenderia”, respondeu a garota, secamente.

Pensando na cena do assassinato, Hyoga olhou para Charis.

“Charis… Os humanos…”

“Eu sei, mestre, nem todos são maus. Mas o cavaleiro Mu deu-me um ótimo conselho. Em vez de avaliar a verdade das palavras, devo avaliar a verdade visível, que é clara e está na pessoa em si. Esse prisioneiro… Ele não é como você, mestre. Ele não consegue entender a nossa cultura, nem quer. Portanto, não vale à pena eu explicar.”

Hyoga sorriu e forçou as pernas. Enfim, conseguiu reunir força suficiente para ficar de pé.

“Já estou mais forte. Vamos voltar? Estou louco para mergulhar numa tina de água quente.”

“É para já, mestre! Pode deixar comigo!”

Apoiado em Charis, Hyoga partiu, deixando o prisioneiro. Sabia que a surra daquele dia não fora direcionada a ele, mas a Egor. A dor, contudo, estava nele.

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O dia dos jogos chegou como todos esperavam, menos Hyoga. Os castigos de Evan diminuíram consideravelmente na época em que trabalhava na reforma do coliseu, dando uma folga às costas fustigadas. Após as competições, sua rotina de surras, chicotadas e tarefas domésticas voltariam, deixando-o à beira de um ataque nervoso.

Tentando esquecer o futuro, sorriu para Charis, que ganhara um dia de folga para acompanhar as competições ao seu lado. Ela se encarregava de preparar a mochila com os acessórios de Adelphos, antes de ir. Era bom vê-la relaxar de vez em quando e agir como uma garota normal.

“Charis, já terminou?”

“Já, mestre, estou pronta. Adel terá tudo o que precisa lá, até fraldas! Não posso esquecer-me de nada, pois quero passar o dia inteiro lá. Todos da cidade param hoje para torcer nas competições esportivas dos homofalcos e celebrar em homenagem a Athena e a Ártemis. Dizem que vão sacrificar três renas ao longo do dia. A primeira vez que vi, era muito pequena e de pouco me lembro. Fui com o meu pai.”

“Estou curioso para saber como é. E sendo uma homenagem a Athena, é minha obrigação comparecer. Vamos indo?”

“Sim, mestre!”

Saíram de casa e viram dezenas de homofalcos voando na direção do coliseu. Como Hyoga não podia acompanhá-los da mesma forma, Charis seguiu caminhando, enquanto carregava Adelphos.

“Mestre, por que não quis participar das competições? Algumas proíbem o uso de cosmos, você poderia até ganhar, já que é um excelente guerreiro.”

“Não sou muito amigo de competições sem nenhum propósito, Charis. Minha profissão é guerrear, mas sou o tipo de pessoa que prefere deitar e dormir a entrar em eventos esportivos.”

“É uma pena, adoraria vê-lo competindo.”

“Quando já tiver terminado o treino, por que não participa? Não duvidaria se virasse o destaque do dia.”

Charis corou, desviando o olhar.

“Mestre… Não diga isso.”

Hyoga riu e viu o enorme coliseu surgir diante dos olhos. Era difícil acreditar como tudo ficara pronto em poucas semanas, vendo a grandiosidade da construção. Em parte, sentia orgulho por ter participado do restauro, mas desejava que não tivesse sido sob a ameaça de um chicote.

No lado de fora, competidores alongavam-se e preparavam-se para os torneios. Alguns tinham treinado com Hyoga, mas a maioria eram soldados já veteranos, com grande destaque no exército homofalco. Ao encontrar com seu velho amigo de treino, Hyoga parou.

“Otis!”

Otis, que estivera distraído com os exercícios, parou e sorriu para o amigo. Logo depois do ataque aos homofalcos, a amizade dos dois enfraquecera, mas agora voltava aos antigos moldes.

“Ei, Hyoga! Veio participar dos jogos?”

“Não, só vim assistir e torcer. De vez em quando, é bom descansar as costas.”

“Principalmente quando se é escravo de Evan. Cara, não sei como você agüenta, só o treinamento já é um inferno. Aliás, sabia que ele vai participar este ano também? No último torneio, Evan foi o campeão de grande parte das competições. A que tem mais destaque, a de duelo, é a especialidade dele. Sabe, ganhar essa competição é até mais importante que ganhar na relação geral dos jogos. E Evan sempre ganha nos dois.”

“Parece que você tem um rival complicado, Otis.”

“Rival? Nem sei se tenho chance. Mas jogar é uma ótima maneira de comparar suas forças com as dos veteranos, por isso entrei. É uma forma de testar-me, entende?”

“Claro. Que guerreiro não deseja conhecer o resultado de seus esforços?”

“Exatamente. Espero não me decepcionar.”

“Se não se sair bem, não fique preocupado. Ao menos saberá quais são o seus pontos fortes e os fracos.”

“Você tem razão. Ei, é ótimo receber as dicas de um especialista antes do torneio. Mais alguma orientação a dar-me, cavaleiro de Athena?”

“Claro. Dê o seu melhor.”

“Heh. Não precisa ser um mestre para dizer isso, mas obrigado.”

“Disponha. Otis, nós já vamos entrar. Sabe qual é a primeira competição?”

“A primeira é com asas. É uma competição de velocidade e técnicas de vôo. Você vai gostar de ver.”

“Certo. Estamos indo. Boa sorte, Otis.”

“Ei, obrigado. Divirtam-se.”

Entrando no coliseu, Hyoga buscou um lugar à sombra, pensando em Adelphos, que poderia cansar-se demais ao Sol. Charis também usava suas asas para oferecer sombra àquele que se tornara o seu irmãozinho. Os competidores entraram e Myles voou até o centro do coliseu.

“Amigos homofalcos! Esta é a primeira competição que coordeno como líder. Espero atender às expectativas de todos, oferecendo jogos e feitos inesquecíveis! Declaro aberto o torneio esportivo em homenagem a Athena e a Ártemis! Também a dedico ao nosso grande e querido Ájax, que infelizmente voou para o outro mundo!”

No centro da arena, uma das renas foi sacrificada, em meio à comemoração do povo. Apesar de ter vivido uma época no Santuário, Hyoga não estava acostumado aos sacrifícios de animais em homenagem aos deuses, já que Kohotek tinha como religião o cristianismo. Mesmo assim, notou que o torneio dos homofalcos era bem mais simples que os dos gregos, que eram realizados em diversos dias e possuía uma abertura deveras demorada.

Os homofalcos da organização posicionaram-se em diversos lugares, carregando barreiras e tracejando uma espécie de corrida com obstáculos em pleno vôo, jogo que testaria as habilidades aéreas dos competidores. Hyoga imaginou como seria patético se ele participasse de uma competição como aquela, sem asas e completamente sem cosmos. Voltando-se a Charis, comentou:

“E você ainda queria que eu participasse, garota. Como acha que eu passaria por um jogo desses? Não tenho asas, Charis!”

“Você não precisa, mestre”, respondeu a discípula, sorrindo. “Pode participar de quantas provas desejar, não precisa fazer a série inteira. A maioria o faz, mas as regras não o obrigam a isso. Você poderia participar de outras provas, como arremesso de peso, velocidade terrestre, duelo…”

“Entendi. Acha que eu me sairia bem se participasse?”

“Você é mais forte que Evan! Se pudesse usar o seu cosmos… Tenho certeza de que ganharia todas as competições!”

Era engraçada a maneira como Charis o idolatrava, como se ele fosse um titã saído da mitologia. Talvez fosse a expectativa que seu título de cavaleiro criava, talvez porque ele fosse o seu mestre. A imagem de Camus, como um altivo cavaleiro de grande renome, era imutável em sua mente, por mais que pensasse que se tratava de um ser humano comum, como qualquer outro.

O primeiro participante entrou na arena, vestindo roupas leves. Provavelmente se movimentaria melhor daquela forma do que usando a pesada armadura dos soldados homofalcos. Ergueu-se no ar com as asas, mantendo-se na posição de largada, pronto para iniciar a prova. Enquanto via os obstáculos, Hyoga comparou a prova com uma de equitação, mas testando a habilidade com as asas. Abaixo, três dos soldados, veteranos e de certa idade, serviam como juízes.

A autorização foi dada, e o homofalco voou habilmente entre os obstáculos. A prova exigia dele alguns movimentos bruscos de vôo, como num estreito corredor, onde ele precisava realizar um ângulo de noventa graus para cima sem tocar nas paredes. As asas batiam no sentido contrário como freios e depois o impulsionavam na curva. Charis explicou-lhe que se tratava de uma manobra bastante difícil e que exigia grande destreza do homofalco. O primeiro competidor ainda demorou na curva, o que o prejudicou na nota final.

“Esses movimentos são bruscos e rápidos, mas podem significar uma grande vantagem na batalha”, comentou. “Myles tem me ensinado a batalhar no ar, já que você não conhece as técnicas. Ainda estou tentando adaptar o cosmos de gelo com as asas.”

“São movimentos bastante úteis”, reparou Hyoga, enquanto observava o segundo competidor voar entre os obstáculos. “Bons para esquiva.”

“Sim, mestre. Aquela técnica de fazer uma curva para o lado durante a queda também é importante para esquivar de nossos inimigos. Podemos juntar essa técnica com a da curva de noventa graus para realizar um contra-ataque bem poderoso.”

“Estou vendo. É algo que não tenho capacidade de ensinar-lhe.”

“Mas o Myles já está cuidando disso para mim, mestre. Ele também ensina muito bem.”

“Melhor ele do que o Evan. Já tentou praticar o Diamond Dust junto?”

“Junto?”

“Sim, fazer experiências. Agora que você já domina algumas técnicas básicas de um cavaleiro de gelo, poderia misturar o que aprendeu com os movimentos aéreos. Com um pouco de criatividade, poderia criar um estilo próprio de batalha, que também envolvesse as asas. Deve lutar com tudo o que tem, Charis. Para isso, é melhor que conheça o seu corpo como ninguém.”

“Tem razão, mestre. Mas você também me ensinou que um guerreiro precisa saber lutar, mesmo quando está debilitado. Se eu lutasse contra um humano, a primeira coisa que ele iria atacar seriam as minhas asas, que são o meu ponto forte e fraco ao mesmo tempo.”

“Exatamente. Um guerreiro versátil tem menos chances de cair em batalha. Deve saber lutar em qualquer situação: com a perna quebrada, um braço quebrado, cego… Se for um homofalco, é claro que precisa saber lutar na terra, nunca se sabe quando suas asas ficarão debilitadas. Mas isso não impede que você as treine também, Charis. Você possui essas duas armas de dar inveja. Deve saber utilizá-las também. Já vi o ataque cortante das asas de um homofalco, é terrível.”

“É porque o ataque das estinfálidas era assim. Como os homofalcos herdaram as asas cortantes dessas aves, essa é a nossa principal arma aérea.”

“Eu reparei que Evan consegue utilizar as asas para lançar golpes de cosmos.”

“Ninguém sabe como ele faz aquilo, mestre. Quando estamos parados no ar, não conseguimos concentrar cosmos nas asas, pois precisamos batê-la a grande velocidade. Evan é o guerreiro mais incrível entre os homofalcos, porque consegue fazer coisas incríveis com as asas e o cosmos, além de possuir grandes ataques de fogo. Como Otis comentou, ele também se sai muito bem nos jogos. Ele treina o corpo tão bem que alguns dizem que ele descende dos deuses.”

“Parece que ele é o próximo a entrar.”

“Vamos ver a performance dele, mestre! Vai entender.”

Como Charis comentara, Evan de fato parecia ser mais hábil que os demais, mesmo quando permanecia parado no ar. Curioso, Hyoga contou rapidamente a quantidade de batidas que ele dava para manter-se naquela posição. Logo reparou como seus movimentos eram mais controlados.

“Ele bate as asas mais devagar, Charis.”

“É verdade. Eu não consigo ficar no ar batendo as asas daquele jeito. Ele não ensina isso a nenhum dos homofalcos, mesmo sendo o mestre de muitos. Ele quer ser o único a ter aquela técnica.”

“Existe algo que o mantém no ar. O modo, alguma coisa… Observe bem.”

Mesmo prestando atenção, Charis não conseguia ver nada de diferente no modo de voar do guerreiro. Contudo, Hyoga observava-o como se descobrisse algum segredo. O início da prova foi anunciado e Evan lançou-se ferozmente contra os obstáculos, a uma velocidade bem superior à dos demais competidores. Realizou cada manobra com precisão, executando movimentos perfeitos para cada situação. Ao término, recebeu a nota máxima por seu esforço.

“É incrível, não é, mestre?”

Surpreso, Hyoga pegou Adelphos de seus braços.

“Charis, pode ficar um pouco no ar? Quero ver como você bate as asas.”

“Agora? Mas há pessoas atrás querendo ver a competição, mestre.”

“É só um pouco. Faça isso.”

Obedecendo, Charis ergueu-se no ar e ficou no mesmo lugar, batendo as asas como sempre fazia. Logo, homofalcos atrás começaram a reclamar, querendo ver os jogos.

“Charis, quer sair da frente?”

“Estamos tentando ver!”

Envergonhada, a homofalca desceu e sentou-se em seu lugar, vermelha.

“Mestre, não sou tão criança a ponto de fazer esse tipo de coisa.”

“É a força e a velocidade das asas.”

“O quê?”

“A qualidade do vôo de Evan vem da velocidade e da força das asas que ele possui. Deve ter trabalhado muito duro para chegar nesse nível.”

“Não estou entendendo, mestre.”

“A maneira como ele bate as asas também é diferente, ele usa a articulação de um modo diferente… Não é natural. Mas é tão rápido que só um guerreiro do mesmo nível que ele poderia perceber.”

“Quer dizer que você é mais forte que ele?”

“Disso eu não tenho dúvidas, Charis. Evan é mais forte que um cavaleiro de prata, mas não bate um dourado. Se eu não tivesse o limite de cosmos teria conseguido vencer. No entanto… Ele é um guerreiro esplêndido por sua persistência e coragem. Mesmo detestando admitir.”

“Então ele é o guerreiro mais forte que existe aqui, mestre?”

Hyoga ponderou e observou Myles. Desde que o marido de Eleni virara o líder dos homofalcos e assumira o controle da corrente de Prometeu, seu cosmos vinha chamando-lhe a atenção.

“Myles não bate as asas daquela forma. Mas ele…”

“O que tem ele?”

“O cosmos dele é diferente, bem controlado. Eu me pergunto até que ponto suas técnicas vão. Ájax deixou-o como líder pelo caráter e o bom senso. Mas eu sei que há algo mais.”

“O que, mestre?”

“Esqueça o que disse. Preciso pensar antes. Parece que Ájax vai mesmo ganhar a competição de vôo.”

“Eu queria voar daquela forma…”

Ainda pensando sobre a técnica de vôo, Hyoga decidiu pesquisar mais sobre o assunto depois. Por ora, relaxou e sorriu.

“Verei mais tarde o que posso fazer sobre isso. Vamos continuar vendo os jogos, Charis.”

Depois da competição de vôo, outras provas foram feitas, testando diversas habilidades físicas dos homofalcos. Havia algumas nas quais Hyoga poderia se sair razoavelmente bem, como arremesso e levantamento de peso, provas em que o uso de cosmos era proibido. Em outras, que possibilitavam o cosmos, como a corrida terrestre, não trariam nenhum resultado positivo.

Como esperado, Evan saiu-se bem em todos os torneios, mostrando-se superior a todos os soldados da cidade. Por meio das provas, Hyoga pôde ver bem o nível dos melhores soldados da cidade e pensar em como utilizar aquela força caso houvesse um segundo ataque. Sua atenção, no entanto, foi desviada a um jovem homofalco, cerca de três anos mais velho que Charis, que se sentou ao lado da garota, sorrindo.

“Ei, Charis. Estive procurando por você.”

“Zarek. Então você não desistiu de vir atrás de mim.”

“Quem é ele, Charis?”

“É o meu amigo Zarek, mestre. Às vezes, ele me ajuda no treino da tarde, é um discípulo de Evan.”

“Sei.”

“Prazer, mestre Hyoga.”

“Prazer, Zarek. Deve estar orgulhoso de seu mestre hoje.

“É. Ele é um guerreiro incrível.”

Pelo olhar do garoto, Hyoga notou que Zarek não se sentia exatamente orgulhoso de seu mestre. Charis passou a conversar animadamente com o amigo sobre o torneio e os soldados que participavam naquele ano, enquanto viam o desempenho dos soldados.

A última competição, a que Charis mencionara ser mais importante que o próprio torneio, seria realizada ao final da tarde. Até então, Otis vinha se saindo relativamente bem para um soldado de baixo nível.

“No último torneio, os homofalcos se enfrentam numa luta aberta, com uso de cosmos”, explicou-lhe Charis. “Não há limite de tempo, e as batalhas são terríveis. Quando o homofalco fica ferido demais para continuar, é considerado perdedor. Evan é o campeão invicto.”

“Ele luta bem. Vejamos que tipo de luta teremos.”

Apesar de ser tarde, naquela época o dia arrastava-se por várias horas, permitindo que a batalha prosseguisse até o final. Adelphos, contudo, já estava cansado, e Hyoga ajeitou-o nos braços para que pudesse dormir.

“Está sendo um dia pesado para este pequeno. Acho que deveria voltar e deixar que descansasse, Charis.”

“Mas mestre, a melhor parte ainda está por vir.”

“Eu sei, mas Adelphos ainda é um bebê. Há limites, Charis.”

Hyoga levantou-se para ir embora, mas Zarek levantou-se subitamente.

“Espere, mestre Hyoga! Será que eu posso…?”

E estendeu-lhe as mãos para pegar o bebê.

“Eu tenho um irmãozinho, já estou acostumado a cuidar dele. Sempre uso as minhas asas como cama, e ele dorme, não importa onde. Assim você não perderá o final da competição.”

Ainda sem compreender o porquê de tanta afobação para que ele visse o final, Hyoga aceitou e passou Adelphos para Zarek, que estendeu as asas até que ficassem dobradas diante dele. Com cuidado, colocou Adelphos no colo, dando-lhe um canto confortável para dormir. Abismada, Charis ainda comentou:

“Você não cansa de ficar com as asas nessa posição?”

“Não, já me acostumei por causa do meu irmãozinho. Desde que ficamos órfãos, sempre cuidei dele assim. Por favor, mestre Hyoga. Relaxe e assista o torneio. É a primeira vez que vê os jogos, não é?”

Mesmo sem entender a intenção do garoto, Hyoga tomou aquela atitude como um mero favor e sentou-se de novo.

“É sim. Obrigado, Zarek.”

Sorrindo, Zarek continuou a ver os jogos. As primeiras batalhas foram travadas entre diversos soldados com cosmos ou não. Geralmente o resultado das lutas não demorava a sair, pois os guerreiros que dominavam melhor o cosmos ganhavam. À medida que os mais fracos eram eliminados, mais alto era o nível das técnicas dos competidores. Observando um rápido nocaute, Charis inclinou-se para o mestre.

“Mestre, o que aconteceu ali?”

“Ele recuou demais e na hora errada. Com a distância que ganhou, o concorrente teve espaço para aplicar aquele chute, que ainda veio com cosmos. Naquela hora, ele deveria ter desviado lateralmente ou mesmo avançado para quebrar a postura de luta do adversário.”

“Não consegui ver isso.”

“Foi rápido. Mas tente ver. É importante que você treine o olhar para acompanhar o ritmo da luta, Charis.”

Talvez aquele fosse um bom treino adicional a Charis, de uma forma também descontraída. Concentrando-se nos movimentos da luta seguinte, Charis ficava cada vez mais confusa com a velocidade dos cosmos dos homofalcos. Inconscientemente começou a queimar o cosmos, e Zarek assustou-se.

“Calma, Charis, não precisa lutar também! São eles que estão na arena.”

Rindo, Hyoga não censurou a discípula.

“Tudo bem, ela não vai machucar ninguém se só queimar o cosmos. Ela está tentando aumentar o poder para enxergar os movimentos da luta com mais facilidade.”

O interesse de Zarek subitamente voltou-se à explicação de Hyoga, como se quisesse praticar junto.

“E eu também posso fazer isso?”

“É claro, mas não é necessário. Por exemplo, agora não posso utilizar o meu cosmos. Mas como o meu olhar já foi bem treinado, não necessito mais queimar o cosmos para enxergar movimentos em lutas desse nível. Nas do Evan provavelmente terei um pouco de dificuldade, mas sei que posso. Para quem está aprendendo, como vocês, o cosmos ajuda bastante.”

Queimando o cosmos, Zarek observou a luta com mais interesse. Num determinado momento, Charis sorriu e voltou-se a Hyoga.

“Eu vi, mestre! Ele desviou de cinco golpes antes de contra-atacar! Antes, parecia que o ataque só era de um golpe.”

“São tão rápidos que parecem um, não é? Ataques rápidos assim dão grande vantagem ao lutador. Seiya, por exemplo, é um guerreiro de velocidade, que prioriza inúmeros ataques velozes a um único soco. É claro que a velocidade depende diretamente do cosmos.”

“Mas você não é desse tipo.”

“Não, para cavaleiros de gelo, esse método não é tão vantajoso, a menos que você domine um cosmos muito alto. O seu ataque com farpas de gelo, por exemplo, não é muito forte porque você não tem tempo de lançar tantos ataques a uma temperatura muito baixa.”

“É verdade, preciso criar as farpas rápido demais.”

“Sim. É por isso que nós não nos damos muito bem com a velocidade, mas devemos saber lidar com ela. Um ataque de gelo, embora leve um tempo para ser realizado, deve percorrer o ar o mais rápido possível.”

“E isso também depende do cosmos.”

“É claro.”

Charis voltou a observar a luta, digerindo as palavras de Hyoga com calma. Zarek ainda tentava enxergar a batalha, provavelmente não conseguira enxergar o mesmo que Charis, pois seu cosmos era visivelmente inferior. Um dos soldados voltou-se para trás e queimou o cosmos, preparando-se para mais um ataque.

“Mestre, parece que ele vai atacar de novo.”

“Pela postura, é um ataque diferente ao dos cinco socos.”

O soldado avançou furiosamente contra o outro e lançou um forte ataque de cosmos, iluminando a arena. Desta vez, o ataque deu certo e derrubou o adversário, que se feriu. Charis sorriu de novo.

“Consegui ver de novo! Foram chutes! Sete… oito… Foram oito, mestre?”

“Dez. Dois deles foram quase instantâneos. Foi um bom ataque, ele é um guerreiro de alto nível. É veterano?”

“Ele é um dos melhores do exército, mestre. Só olhar os golpes já foi difícil… Eu nunca ganharia numa luta…”

“Não fique desanimada, Charis. Ver já é um grande avanço. É meio caminho andado para o contra-ataque. Mais de meio caminho. Dois terços? É a parte mais difícil da defesa.”

Tanto Zarek quanto Charis mostraram-se curiosos com sua explicação.

“As técnicas de defesa dos cavaleiros envolvem todos os tipos de ataque, absolutamente todos. É por isso que dizem que uma técnica não funciona duas vezes contra um cavaleiro de Athena. Isso porque depois que vemos o ataque, descobrimos qual é a maneira mais eficiente de bloqueá-lo. A única chance de o ataque funcionar duas vezes é a velocidade ser superior ao do cavaleiro, ou seja, de o cosmos ser superior.”

“Para cada ataque… É o que você me ensinou logo no começo, não é?”

“Mais ou menos. Ainda estou ensinando, Charis. Você precisa aprimorar um pouco mais o seu cosmos para descobrir mais maneiras. Mas não se preocupe, seu treinamento não acabará enquanto eu não ensinar tudo o que precisa para lutar no mesmo nível que os cavaleiros.”

“Ver e saber como defender… Foi Myles que me disse algo semelhante, há pouco tempo. Será que Evan também sabe disso, mestre?”

“Pelo nível de luta dele, é possível que sim. Mas depende do tipo de treinamento que ele realizou. O estilo de luta que possui é… como posso dizer… agressivo? Há guerreiros assim que nunca precisaram treinar o olhar para vencer as batalhas. Evan me parece ser desse tipo. Contudo, é possível que ele saiba. Lutei pouco com ele, não sei dizer com certeza. Mas se ele não sabe disso… Deve ser mais forte do que eu pensava.”

“Meu objetivo é derrotá-lo. Se ele não sabe, então esse exercício é a chave para derrotá-lo, mestre.”

Surpreso, Zarek parou de observar a luta e voltou-se a Charis.

“Você vai derrotá-lo? O meu mestre?!”

“É claro”, respondeu Charis, tão casual como se falasse do tempo, “ele escravizou o meu mestre. Eu jurei que iria alforriá-lo, portanto, devo pensar na minha luta desde já.”

Abismado, Hyoga não conseguia acreditar que Charis enfiara tal objetivo na cabeça.

“Vai mesmo fazer isso, Charis? Está falando sério?”

“Mas é claro! Que espécie de homofalca você pensa que eu sou, mestre? Eu prometi, já pode programar-se como se já tivesse cumprido. Se ele me derrotar, levantarei, treinarei e lutarei de novo. Vou tentar até derrotá-lo. Afinal, sou filha de Ájax, o grande líder dos homofalcos.”

“Mas isso só será possível daqui a anos.”

“Não meço os meus objetivos com tempo, mestre, mas com feitos. Quanto mais treinar, quanto mais conquistar, mais perto estarei de meu sonho. Portanto, devo continuar treinando e vencendo, certo?”

Hyoga sorriu e notou que Evan entrava na arena para lutar.

“Charis, só não treine até a morte sem realizar nada.”

“Eu sei, mestre, não sou louca. Veja, Evan vai lutar!”

“Vejamos se você pode ver algo de seus movimentos.”

“Assim desejo, mestre!”

Zarek observava-os, atônito. Contudo, sua atenção logo se voltou a Evan, que ia lutar com um soldado veterano, com cosmos desenvolvido.

“Esse soldado é forte, mas acho que Evan vence… Vamos ver se consigo ver algo.”

Queimando o cosmos, Charis concentrou-se em cada movimento de Evan, antes mesmo de começarem a lutar. Hyoga também se calou e observou com atenção, pois sua capacidade de acompanhar os movimentos dos guerreiros estava reduzida com a corrente de Prometeu.

Quando a luta se iniciou, Evan ergueu-se no ar e queimou o cosmos de fogo; estava decidido a acabar com a batalha o mais depressa possível. Hyoga não estava tão preocupado com o ataque que usaria, pois provavelmente seria um dos ataques que viu durante a luta. O que mais lhe interessava, porém, era a técnica de vôo do homofalco. Tratava-se de algo simples, mas bem disfarçado na maneira calma que ele tinha de voar.

A luta foi rápida, pois a diferença de cosmos era bem clara. Charis esforçara-se para ver o golpe de Evan, mas Hyoga sabia que era demais para a pupila. Mostrando-se chateada, Charis encostou-se no banco.

“Foi tão rápido… Ainda não consigo ver.”

“Significa que ainda há chão até a minha alforria.”

“Sim… Mas ainda vou conseguir.”

Aguardaram com ansiedade até a luta final, quando Evan se colocou de frente ao guerreiro que priorizava a velocidade. Antes mesmo de começar a luta, Charis comentou:

“O Evan vai ganhar esta luta.”

“É bem provável”, respondeu Hyoga.

Curioso, Zarek resolveu entrar na conversa, já que dizia a respeito de seu mestre.

“Por que acha isso, Charis? Não é mera suposição porque meu mestre é campeão invicto, é?”

“É simples”, respondeu a garota, entretida com o início da batalha. “Eu consegui ver os movimentos do adversário, mas não do Evan. Portanto, o cosmos do Evan é maior.

“Sendo a velocidade e o cosmos do Evan superiores”, completou Hyoga, “não será problema para ele defender os ataques, mesmo se Evan não for do tipo de visualizar o ataque antes de contra-atacar. A diferença é bem clara. É bem possível que o resultado também seja.”

Era fácil dizer que Evan ganharia por sua fama entre os homofalcos. Mas Hyoga ia além e apontava com precisão os fatores decisivos nas batalhas. Talvez, para simples aspirantes a soldados, fosse uma demonstração grandiosa de experiência em combates. Para o cavaleiro, no entanto, era uma explicação básica sobre elementos de batalha.

Como esperado, a batalha entre Evan e o soldado terminou com a vitória daquele, criando uma repetição do torneio de quatro anos atrás. Myles anunciou-o como campeão e Hyoga já pensava em voltar para casa por conta de Adelphos. Pegou o bebê nos braços e levantou-se.

“Vamos, Charis? Adel está dormindo faz tempo. Quero colocá-lo na cama o quanto antes.”

Sabendo que seu mestre não cederia mais do que aquilo, Charis concordou e ergueu-se também. Contudo, Zarek olhava para o campo, assustado.

“Esperem!! Olhem aquilo!”

Quando Hyoga voltou a olhar à arena, surpreendeu-se com os invasores que tinham acabado de chegar, sem que ele notasse as presenças. Colocando-se contra Evan e Myles, estavam Éolo e o clone de Hyoga, sorrindo maldosamente.

“Que solene comemoração”, comentou o falso Hyoga, “até parece uma seita religiosa.”

“Pare de brincar, servo”, respondeu Éolo. “Estamos aqui para acabar com mais uma fração da população. Não temos tempo para besteiras.”

Consternado, Hyoga passou Adelphos para Charis, tão rápido que chegou a acordá-lo.

“Charis, pegue o Adelphos e proteja-o com sua própria vida.”

“O que vai fazer, mestre?”

“O que deveria ter feito antes.”

E atravessando a multidão de homofalcos da arquibancada, gritou para Myles, que imediatamente liberou-lhe o cosmos. Assim, juntando-se aos dois dos melhores guerreiros homofalcos, Hyoga queimou o cosmos de gelo e colocou-se diante dos inimigos.

“Estou avisando, guerreiros de Prometeu. Se prezam suas vidas, dêem o fora daqui, agora mesmo.”

“Você fala demais”, respondeu Éolo, sorrindo. “Fala tanto e é tão fraco. Vou esmagá-lo aqui mesmo.”

O guerreiro queimou o cosmos e saiu correndo para longe de Myles e Evan, acompanhado de Hyoga, que o escolheu como adversário. Ainda não conhecia a força de seu clone, mas sabia que Éolo era mais forte que Evan. Sendo ele o guerreiro mais forte daquela região e responsável pela segurança dos homofalcos, era sua responsabilidade acabar com Éolo o mais depressa possível.

“Parece que hoje você está com vontade de brigar. Vamos ver até onde agüenta, garoto!”

Saltando no ar, Éolo criou uma poderosa corrente de ar, que o ergueu do chão. Em seguida, lançou um ataque de cosmos e de vento, que Hyoga bloqueou com seu próprio poder. Em resposta, lançou um Diamond Dust contra Éolo, congelando o ar em sua volta e obrigando-o a aterrissar. Nervoso, o semblante de seu adversário tornou-se sério.

“É por isso que Prometeu só mandou que atacássemos quando você estivesse fora. Quem é você, guerreiro?”

Da maneira como Éolo falara, Hyoga notou que ele ainda não sabia que lutava contra um cavaleiro de Athena. Estranhou, mas decidiu não revelar sua identidade.

“Isso não é da sua conta.”

“Prometeu mostrou-se irritado quando os homofalcos prenderam um prisioneiro com a corrente que ele usou na punição sagrada. Eu sabia que devia ser porque o prisioneiro possuía cosmos. Mas você é atualmente um escravo, disso eu sei.”

Mantendo-se em silêncio, Hyoga queimava o cosmos, em alerta. Do outro lado, Evan assumira a batalha contra o falso Hyoga, mostrando um particular prazer naquela situação. Pela primeira vez, Hyoga agradeceu ao fato de ser odiado por aquele homofalco.

“Eu sei que você é escravo de Evan, aquele imbecil. Não pode ser um guerreiro orgulhoso, não deve ser… Mas seu cosmos…”

Não querendo demorar mais com aquela luta, Hyoga queimou seu cosmos ainda mais forte. Criou uma nevasca local, ameaçando Éolo, que também se preparou para a luta. Saiu correndo, avançando para uma luta corpo a corpo. Em resposta, Éolo queimou o cosmos e criou uma barreira de vento, com a qual Hyoga chocou-se. Sem desistir, usou o cosmos de gelo para congelar a barreira e quebrá-la como se fosse vidro. Assim que conseguiu aproximar-se suficientemente, aplicou um poderoso Kholodnyi Smerch, ferindo o inimigo.

Surpreso com o ataque, Éolo levantou-se e limpou o sangue da boca.

“Agora eu tenho certeza. Só há um grupo de guerreiros capazes de utilizar técnicas tão poderosas. Você, garoto, é um cavaleiro de Athena!”

Hyoga permaneceu em silêncio, concentrado na batalha. Mesmo que perguntasse, Éolo não diria os planos de Prometeu. Seria mais prático acabar com ele ali mesmo. Éolo, contudo, não estava disposto a perder tão fácil. Tirou a espada da bainha e concentrou o cosmos em sua lâmina. Hyoga notou, então, que a espada que Éolo carregava era um armazenador de cosmos, como a corrente. A enorme quantidade de poder foi logo transferida ao corpo do inimigo, tornando-o tão poderoso quanto um cavaleiro de ouro.

“Para um cavaleiro de Athena, eu tenho um presente especial.”

O cosmos de Éolo cresceu tanto que Hyoga sentiu que destruiria todo o coliseu com aquele poder. Percebeu contudo, que o golpe seria concentrado principalmente nele, de forma a matá-lo de uma vez por todas. Em defesa, Hyoga concentrou todo o seu cosmos da mesma forma, ficando pronto para recepcioná-lo.

A enorme bola de cosmos caiu sobre ele, e Hyoga lançou seu ar congelado no chão, erguendo uma Freezing Coffin na vertical. Naquela velocidade, no entanto, era impossível criar uma parede tão forte quanto a de Camus, que podia suportar o ataque de um cavaleiro de ouro. A bola quebrou sua barreira e atingiu-o diretamente, atirando-o ao chão e fabricando uma gigantesca cratera no canto da arena.

Quando o poder se dissipou, toda a força tinha se esvaído de Hyoga. Ferido, viu Éolo rir e retirar mais cosmos da espada, como se recarregasse uma pilha. Em seguida, atirou um golpe de vento, que o arremessou para longe, até que se chocasse contra um dos pilares, quebrando-o. Myles colocou-se a sua frente para protegê-lo, com o cosmos queimando, mas Hyoga sabia que o homofalco não dispunha de força suficiente para lutar contra Éolo.

“Espere, Myles, você não pode…”

“Está esperando morrer, Hyoga?”

“Eu vou lutar contra ele”, respondeu, forçando o corpo para cima. Caiu de novo, sentindo uma intensa dor no corpo.

“Você não está em condições.”

Éolo queimava o cosmos de novo e formava outra bola de energia, ainda maior que a primeira.

“Desta vez, vão dois de uma vez só.”

Sabendo que morreriam se não fizesse nada, Hyoga ergueu-se gritando e suportando a dor. Viu que Éolo soltara o ataque e correu à frente de Myles, queimando o cosmos com tudo o que tinha. Camus ensinara-lhe a não se desesperar naquela situação e realizar cada movimento de defesa com calma. No caso, a única defesa que possuía era o ataque. Ergueu os braços unidos ao céu e derrubou-os, lançando uma Aurora Execution.

O ar congelado chocou-se com a bola, sem impedi-la, mas congelou-a quase que instantaneamente, assim como o seu criador. Com o ataque, ela perdeu o poder destrutivo, tornando-se uma mera bola de gelo, que se quebrou violentamente sobre ele. Com o choque na cabeça, desfaleceu, só acordando minutos depois. Notou que todos os homofalcos ainda estavam no coliseu e agora invadiam a arena, cercando-o. Tentou levantar-se, mas descobriu-se sem forças para sequer mover um braço. Myles sorria-lhe.

“Você derrotou Éolo, Hyoga.”

Charis estava quase sobre ele, preocupada com o seu bem estar. Adelphos estava nos braços, desperto.

“Mestre, você está bem? Está doendo muito?”

A quantidade de cabeças e de vozes deixava-o tão tonto que não respondeu. Virou a cabeça e piscou várias vezes, sofrendo com a horrível dor de cabeça que restara do choque.

“Descanse um pouco”, disse Myles. “Você levou uma bolada e tanto. Éolo foi congelado com o seu ataque, virou uma porção de gelo. Aquele Hyoga falso fugiu quando Éolo morreu. Você é muito forte, Hyoga. Quando Ájax disse que você era da categoria bronze, achei que não fosse mais forte que Evan. Mas seu poder… É tão impressionante!”

Ignorando o elogio, Hyoga só pensava em encontrar um local silencioso, tamanho era o incômodo. Olhou para Charis, quase implorando.

“Charis, vamos voltar para casa. Quero colocar Adel na cama.”

A discípula sorriu e ajudou-o a levantar-se.

“Às suas ordens, mestre.”

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