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[Saint Seiya] Prisão das Asas - Parte 10, escrita por Nemui

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Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.


Com a exceção de Arsen, os homofalcos se surpreenderam com a visão do avião. Charis, mesmo sabendo que Hyoga não aceitava que tocasse nele, caminhou para trás e encostou-se nele, assustada. Ele repreendeu-a calmamente.

“Charis…”

“Perdoe-me, mestre. É que é a primeira vez que vejo algo assim.”

“É um avião, uma máquina que os humanos construíram para substituir as asas.”

“Ele voa?”

“Voa. Como vocês não podem usar suas asas durante a viagem, usaremos um avião para ir até a Grécia, que é bem distante daqui.”

Notando que estava amedrontada, Hyoga riu.

“Não está com medo, está? Você é a futura líder dos homofalcos. Sabia que há aviões utilizados na guerra? Não pode ter medo.”

Percebendo que a intenção de Hyoga era ensinar-lhe a controlar seus sentimentos, Charis engoliu seco e afastou-se dele em direção à máquina.

“Não, mestre. Quando vamos entrar nele?”

Shun colocou-se à frente do grupo, assumindo o comando.

“Bem, não precisam ter medo. O avião é um meio de transporte totalmente seguro. Os pilotos no prédio, Athena já os contratou para levar-nos até o Santuário. Contudo, eles não sabem que vocês são homofalcos. Ajam como se fossem humanos.”

Revoltado, Evan reclamou:

“Não me peça para ser mentiroso e corrupto!”

“Não precisa ser. Apenas ajam como se não tivessem asas, está bem? Se tiverem dúvidas… Imitem Arsen. Eu já volto.”

Shun afastou-se por quase meia-hora, que Hyoga passou explicando sobre como aviões voam e outras curiosidades sobre o mundo dos homens. Mesmo Evan, apesar de sua aversão aos humanos, achava interessante o modo como funcionavam as suas máquinas. Arsen, que não aparentava mostrar surpresa com absolutamente nada, permanecia num silêncio quase mortal.

Dois pilotos surgiram, acompanhados de Shun, deixando os homofalcos visivelmente apreensivos. Tinham nos uniformes crachás da Fundação Grado, empresa de Saori, sendo, portanto, pessoas de confiança.

“Senhores, fomos instruídos a levá-los para Atenas, de onde irão para a residência da senhorita Kido”, disse um, em japonês, deixando os homofalcos ainda mais confusos.

“É isso mesmo”, respondeu Hyoga. “Sr. Harada, não é verdade? Já voei com o senhor, há três anos, se não me falha a memória.”

“Mas é claro, lembro-me do senhor. Sr. Hyoga, que foi ao Japão para visitar seus amigos. E Sr. Shun, o auxiliar da Srta. Kido. Sejam bem-vindos a bordo.”

“Obrigado.”

“Por favor, por aqui.”

Ao entrarem no avião, Myles aproximou-se de Hyoga, antes que Evan se manifestasse com seus desconfiados olhares.

“Hyoga, que língua é essa? Sobre o que falavam?”
“Japonês. Athena cresceu no Japão, portanto vários de seus subordinados são japoneses. Shun também é de lá. Já viajei de avião com esse piloto, é uma pessoa de confiança.”

“Quer dizer que estamos seguros.”

“Com toda a certeza. São três horas de viagem. Escolham seus lugares e descansem.

Evan, que ainda não estava convencido das palavras de Hyoga, comentou:

“E quem garante que não está mentindo para nós? Estamos no mundo dos humanos, afinal.”

Hyoga sorriu de maneira sarcástica.

“Está com medo dos humanos, Evan? Achei que fosse mais corajoso que isso.”

“Cale-se, seu… Ainda me paga pelo golpe de antes.”

Hyoga sabia que teria de pagar por seus insultos, mas pouco se importava. Para ele, era um prazer ver o homofalco que mais detestava na cidade tremer de medo por estar com os humanos. Sentou-se numa poltrona e logo a reclinou para dormir. Estava exausto depois carregar a bagagem de Evan e de suportar todos os comentários ácidos do homofalco. Agora, só estava interessado em relaxar e colocar o resto nas mãos de Saori.

——————————————————————

Após passarem pelo centro de Atenas, com Hyoga e Shun a tentarem conter toda a surpresa de seus companheiros, finalmente alcançaram, já de noite, os primeiros sinais das ruínas da Grécia. Turistas conversavam em voz alta, dando a sensação de tumulto, que os cavaleiros afirmaram ser normal.

Ao aproximarem-se dos limites do Santuário, um soldado apareceu-se, portando uma lança.

“Esperem. Esta é uma área proibida a turistas.”

“Nós sabemos”, respondeu Shun. “Dê passagem para nós, pois Athena nos convocou. Sou o cavaleiro Shun de Andrômeda, e este é o meu companheiro Hyoga de Cisne. Estamos aqui numa missão a mando da própria deusa.”

Observando a carta de Athena que Shun trouxera, o soldado bateu continência.

“Desculpem, cavaleiros. Por favor, sigam-me; é por aqui.”

A primeira visão do Santuário foi uma surpresa aos homofalcos, que se deram com os gigantescos campos de batalha, onde soldados realizavam os mais rigorosos treinos. Nem Evan podia dizer que o treino dos homofalcos era melhor, pois os soldados do Santuário também dominavam o cosmos.

Charis observava tudo, curiosa, notando que vários dos exercícios que Hyoga lhe aplicava eram semelhantes aos dos soldados do Santuário. Mesmo assim, sentia que o treinamento que fazia era ainda mais rigoroso do que o deles. Aproximando-se do mestre, perguntou:

“Mestre… Você treinou aqui também?”

“Não… Treinei na Sibéria… Próximo à cidade dos homofalcos. Mas meu mestre, Camus, chegou a treinar aqui. Muitos dos exercícios que lhe passo tiveram origem aqui, no Santuário.”

“Mesmo assim… Parece que os meus são mais… duros.”

“É claro. O que eles estão fazendo é o treinamento para soldado. O treinamento para ser cavaleiro é mais rigoroso. Os mestres geralmente só treinam até três discípulos ao mesmo tempo, são poucos os que estouram esse número por achar que atrapalha o rendimento. Também sou da mesma opinião. O seu treinamento, Charis, é o mesmo que os aspirantes a cavaleiros realizam.”

“Quer dizer que se eu quisesse ser uma amazona…?”

“Qualquer um pode fazer o teste para ser cavaleiro. Mas eu diria que você estaria mais bem preparada, se quisesse participar. Mas por que pergunta? Por um acaso deseja virar amazona?”

“Não… Só estou surpresa. Meu objetivo ainda é ser líder dos homofalcos. A melhor!”

“Certo. Estou ansioso para ver isso acontecer.”

“Será só quando o meu pai achar que estou pronta…”

“E eu também.”

“Mestre, será que posso observar esses treinos?”

“Não sei, agora não. Precisamos nos encontrar primeiro com Athena, para lidar com a minha missão. Já lhe disse que não viemos como turistas. Mas se tivermos tempo livre mais tarde, deixarei que assista ao treinamento dos aprendizes de cavaleiros.”

Charis sorriu e voltou-se ao caminho. Era como se visitasse uma fábrica de guerreiros, uma fortaleza que vivia apenas da luta. De vez em quando via servos passeando, carregando produtos agrícolas, carnes, entre outras necessidades. Era diferente da cidade dos homofalcos, onde todos participavam das plantações e da pesca.

A grandiosidade das colunas e dos templos também a maravilhavam. Ao entrar no templo onde Athena os receberia, sentiu-se pequena comparada à construção, de pé-direito superior a dez metros. No interior, havia uma mesa preparada e decorada, e inúmeros servos traziam ricos pratos de comida.

O soldado sorriu e fez um gesto para que se sentassem nas cadeiras.

“Por favor, aguardem aqui. Athena logo irá recebê-los. Quando ela vier, devem cumprimentá-la de acordo com o costume.”

Confuso, Myles esperou que o soldado saísse para sanar suas dúvidas quanto ao comportamento.

“Mas que costume?”

Shun explicou-lhes, enquanto afastava a cadeira para Aure, gentilmente.

“Ajoelhar-se. Não importa se é servo ou cavaleiro, todos devem se ajoelhar perante a deusa. Apenas façam como Hyoga e eu faremos. Aure deve manter os dois joelhos no chão, por ser mulher.”

“Entendo… Aqui é tudo muito mais formal que na cidade dos homofalcos. Estou abismado.”

Meio revoltada, Charis protestou:

“Obrigada por lembrar o meu sexo, Shun.”

O cavaleiro riu baixo em resposta.

“Você não precisa, Charis, porque é aprendiz de um cavaleiro. Independente de ser mulher ou de realizar o treino para outros fins, já é considerada uma guerreira. Por esse motivo, deve comportar-se da mesma forma que os homens.”

Não demorou muito para que um soldado anunciasse a chegada de Saori. Imediatamente, Shun e Hyoga dirigiram-se à frente do grupo e abaixaram-se, mantendo o joelho direito no chão. A mão direita repousava em punho sobre o chão e a outra se apoiava sobre uma das pernas. Os demais os imitaram e aguardaram naquela posição.

Athena surgiu à frente de um grupo de seguidores, alguns cavaleiros e servos. Aproximou-se sorrindo de Hyoga que, mesmo sem sua armadura, demonstrava a mesma cortesia dos demais guerreiros. Em seguida, abaixou-se e ergueu a cabeça do cavaleiro até que seus olhos se encontrassem.

“Você sofreu demais, Hyoga…”

Aproximando-se mais, gentilmente lhe beijou a testa, deixando os homofalcos surpresos.

“Desculpe… Por separá-lo de sua mãe…”

Hyoga corou visivelmente e baixou o olhar, desconcertado.

“Não há do que se desculpar, Athena. O único responsável pelos meus atos sou eu.”

“Já faz tanto tempo… Não me veja como uma deusa esta noite, Hyoga. Por favor, chame-me apenas de Saori. Afinal, somos amigos.”

“Está bem, Saori”, sorriu ele. “Como nos velhos tempos.”

“Não se preocupem com formalidades. Fiquem à vontade.”

Shun levantou-se, seguido dos outros. Foi o segundo a ser recebido pela deusa.

“Obrigada por ter vindo, Shun. Sua ajuda sempre é valiosa.”

“Fico feliz por ouvir isso, Saori. Deixe-me apresentá-los, por favor. Este é Myles, irmão de Aure. Ao seu lado, temos a Aure em pessoa. Evan é o líder do exército dos homofalcos e Arsen é o encarregado das nossas correspondências. A pequena Charis é filha do líder dos homofalcos, Ájax, e atual aprendiz de Hyoga”

“Sejam bem-vindos ao Santuário. Aproveitem bem esta noite para recuperarem as energias. Hyoga, Shun… Não se sintam inibidos. Quero que aproveitem este reencontro como se estivessem em minha casa. Venham, rapazes.”

Logo em seguida, Shiryu, Seiya e os cavaleiros de ouro, com a exceção de Mu, aproximaram-se, sorrindo. Imediatamente, toda a formalidade desapareceu, já que os recém-chegados pouco se importavam ao fato de Athena estar ali. Na verdade, ela mesma pedira-lhes que agissem com naturalidade, para que fizessem daquele dia uma festa.

Hyoga não esperava por tal reencontro, mostrando-se imediatamente maravilhado. Cumprimentou os amigos, deixando os homofalcos um tanto desorientados com aquela cena. Os servos pediram-lhes para sentar novamente, enquanto uma conversa animada surgia entre Hyoga e os demais cavaleiros. Charis não conseguia tirar os olhos de seu mestre.

“É tão estranho…”

“O que, Charis?”, perguntou Myles.

“Meu mestre nunca está de bom humor. Sempre o vejo emburrado ou pelo menos sério. Mas agora… Nunca o vi sorrir tanto.”

“É natural, não? Ele está com os amigos que não vê há mais de dois anos. É normal que sinta falta e que fique contente por reencontrá-los. Deixe-o se divertir um pouco, Charis.”

“É claro que sim… É que esta é uma cena rara. Fico contente por vê-lo assim… Mas triste também. Será que o meu mestre não é nem um pouco feliz conosco?”

“Acho que sendo torturado pelo Evan…”

Evan, que os escutava, irritou-se.

“Calem-se, vocês dois. Já é o bastante deixar que ele fique à vontade hoje.”

Athena sentou-se à ponta da mesa, próxima a eles, fazendo com que Evan se calasse. Sem querer deixá-los isolados enquanto Hyoga e Shun se distraíam com os amigos, iniciou um diálogo.

“Deu tudo certo na viagem até aqui?”

Myles, que era o único entre eles que poderia conduzir uma conversa razoável com a deusa, sorriu.

“Sim, minha deusa. Graças ao seu auxílio, tudo ocorreu bem durante a viagem. Hyoga e Shun guiaram-nos com segurança e não tivemos contratempos. Nós agradecemos.”

“Não se preocupem. Quando o Hyoga vivia na Sibéria, era normal solicitar viagens ao Santuário ou ao Japão. Já tínhamos tudo preparado para isso. Além do mais, é a primeira vez que encontro homofalcos, quero dizer, nesta reencarnação. Era o mínimo que poderia oferecer.”

“Ficamos encantados com esta chance de conhecer o sagrado Santuário. De fato, somente um local tão refinado poderia servir de morada à deusa.”

“Um dia, gostaria de conhecer a cidade dos homofalcos também. Devem possuir uma bela cidade.”

“Não é nada comparada à grandiosidade do Santuário, minha deusa. Será sempre bem vinda em nosso lar, mas tememos não ter como oferecer-lhe o mesmo conforto.”

“Tenho certeza de que adoraria. Quero conhecer o modo de vida dos homofalcos e sua cultura, interessa-me muito.”

“Pois a convidamos para visitar-nos quando desejar, minha deusa.”

Notando que Charis não tirava os olhos dos cavaleiros, Saori perguntou:

“Gostaria de conhecê-los, Charis?”

Pega de surpresa, a menina ficou sem fala. Logo se recompôs e tentou sorrir, sem graça.

“Acho que não há alguém que não queira, minha deusa.”

“Pois fique à vontade para conhecer os cavaleiros, todos estarão ao seu dispor. Aposto que tem muitas curiosidades, já que é discípula de Hyoga.”

Corando, Charis perguntou-se se estaria agindo corretamente. Seu pai já lhe ensinara modos com pessoas de outras culturas, mas estava diante da própria deusa. Não queria soar mal-educada, mas sabia que não podia ficar sem responder.

“Meus agradecimentos, minha deusa… Espero um dia poder retribuir a tanta gentileza…”

Hyoga, que não se desligara totalmente do que ocorria do outro lado, notou que Charis ficava cada vez mais nervosa diante de Saori. Mesmo achando graça, temia que a discípula esquecesse o decoro e aproximou-se, salvando-a do diálogo.

“Espero que Charis não a esteja aborrecendo, Saori.”

“De maneira nenhuma, Hyoga. Charis é uma graça, tão educada… Por que não a leva para conhecer os cavaleiros? Gostaria de matar minhas curiosidades sobre a vida dos homofalcos.”

“Tudo bem. Venha, Charis.”

Charis sentiu-se grata por ter escapado do diálogo com Saori, mas logo ficou igualmente envergonhada, quando viu as reluzentes armaduras dos cavaleiros à sua volta. Seiya riu.

“Então essa é a sua discípula, Hyoga? Quem imaginava ter uma aluna tão bonitinha?”

“Bonitinha e mortal”, respondeu Aioria. “Ouvi dizer que as asas dos homofalcos são armas terríveis, até para cavaleiros. Imagine uma amazona com tais armas. Aliás, que também utiliza as técnicas de Camus!”

Hyoga empurrou-a gentilmente para o centro do círculo, deixando-a amedrontada.

“Charis, estes são os meus amigos e colegas cavaleiros. Seiya e Shiryu, e os cavaleiros de ouro, Aioria, Mu e Milo.

“Muito… Muito prazer, senhores…”

“Não precisa ser tímida”, sorriu Mu. “Hyoga nos disse muito bem de você, Charis. É verdade que já está exercitando o cosmos de gelo no segundo ano de treino? Deve ser uma discípula dedicada.”

Alegre, Seiya ainda propôs:

“Ora, a melhor forma de vermos o quão boa ela é só pode ser um treino em grupo, o que acham? Vamos testá-la e ver se pode virar uma amazona!”

Assustada com a idéia, Charis olhou para o mestre, que tinha a atenção desviada a outro assunto. Shiryu carregava um bebê, provavelmente o seu filho pela semelhança, e o passava aos braços de Hyoga.

“Então este é Long, o pequeno dragão chinês… Ora, está maior do que na foto!”

“Mestre…”

Mesmo entretido com o bebê, Hyoga não deixava de escutar a conversa sobre Charis.

“Vocês querem testar a minha discípula ou me testar? Desconfio que seja o último, pra ver se sirvo como mestre.”

“Mas é claro”, riu Milo. “Camus é o meu amigo, acha que vou deixar os ensinamentos dele serem passados de qualquer jeito? Não importa se o discípulo é bonitinho, ele precisa ser um bom guerreiro!”

“Isso também depende do discípulo”, observou Aioria. “Precisa ser um aluno disciplinado e determinado para tanto.”

Contente por poder passar um tempo ao lado do velho companheiro, Seiya riu.

“Significa que vamos testar Charis e o Hyoga! Muito bem, vamos combinar o treino para amanhã cedo, antes da reunião de Athena, que será à tarde. Dará tempo de testá-los e de tomar um banho refrescante antes de discutirmos coisas chatas.”

Hyoga, que achava tudo divertido, sorria.

“Bem, vocês não irão encontrar nada de errado, eu garanto. Mas Seiya, acha que conseguirá acordar cedo? Temo que precise de um despertador da dimensão do Relógio de Fogo para chegar no horário de alguma coisa.”

“Já se passaram cinco anos, mas você ainda faz piadas sobre os meus horários?”

“É claro. Acha que irá mudar seus horários em apenas cinco anos?!”

Todos acharam graça, e Charis achou curioso ver seu mestre rir de forma tão desinibida. Sua mente, no entanto, dava voltas. Ora Hyoga mostrava-se o mestre frio e sem sentimentos, ora explodia em emoções. Pouco conhecia daquela realidade, daquele Hyoga que ria e fazia piadas, que se mostrava alegre e sem preocupações. Novamente, a pergunta que detestava fazer, mas que era inevitável, surgia-lhe na mente: era Hyoga feliz?

Seiya ainda fitou Charis desafiadoramente, tentando amedrontá-la.

“Espero que esteja preparada para amanhã.”

Mas ele não precisava fazer aquilo. Charis já estava assustada o suficiente. Se treinar com Hyoga já era difícil, imagine com mais cinco cavaleiros, todos no mesmo nível de poder? Notando o temor da discípula, Hyoga tentou tranqüilizá-la.

“Ela só não está é preparada para os seus atrasos. Charis costuma ser bem pontual nos treinos. Ou seja: se quiser vê-la lutando, precisa antes acordar cedo, Seiya. Nós estamos preparados.”

Sorrindo, Shun encerrou a conversa.

“Eu mal posso esperar pra ver o treino, amanhã. Também quero participar. Mas agora… Não sei se notaram, mas só falta sentarmos para começarem a servir.”

Com os corações leves, eles assumiram seus lugares. Somente Charis ficou com a consciência pesada, imaginando que tipo de treinamento teria no dia seguinte, na terra dos cavaleiros de Athena.

——————————————————————

No dia seguinte, Hyoga veio buscar Charis de manhã em seu quarto para levá-la ao campo de treino. Já de pé, ela amarrava as gazes em torno dos pulsos para dar maior firmeza aos socos. Para eles, podia ser uma mera brincadeira; mas para ela, era um enorme desafio. Hyoga bateu na porta e enfiou a cabeça adentro.

“Charis? Já está pronta?”

“Não sei… Não sei se estou pronta, mestre…”

“Está com medo?”

Vendo o olhar assustado, Hyoga entrou.

“Não precisa ter medo, é só um treino. Eles não vão exigir mais do que pode, Charis.”

“Mas… treinar até com cavaleiros de ouro, mestre… É demais para mim.”

“Charis, você acha que eu sou o único mestre? Aioria, Mu e Milo também são mestres, sabia? Eles têm discípulos também.”

“Mas esses discípulos treinam aqui no Santuário, a terra de Athena. É como se fosse uma verdadeira indústria de guerreiros…”

“Acha que não sou estou no nível deles?”

“Não, não quis ofendê-lo, mestre!”

“Não estou ofendido. Só estou perguntando, Charis. Você acha que o meu nível é inferior ao deles? Diga com sinceridade.”

Naquele momento, ela notou como o medo que sentia era injusto com Hyoga. Não estava decepcionada com Hyoga, muito menos duvidava de sua capacidade. Pensando no que responder, percebeu que não havia como fazê-lo.

“Não sei… Não sei como os outros mestres são. Não tenho qualquer base para isso, mestre.”

“Então se levante daí e venha ao treino. Encontraremos a resposta, saberemos se é mesmo uma boa discípula, saberei se sou um bom mestre.”

Charis desceu da cama e pôs-se ao seu lado, obediente.

“Sempre que tiver dúvidas, corra atrás das verdades. Um guerreiro jamais deve ter dúvidas, pois elas afetam o seu desempenho na luta.”

Embora ainda não se sentisse totalmente segura, ela compreendeu que não adiantaria permanecer ali, sem agir. Se era mesmo boa ou não, só saberia depois de encontrar os outros cavaleiros.

“Está bem, mestre. Já estou pronta.”

“Que bom. Venha, siga-me.”

Hyoga levou-a por caminhos desconhecidos e tortuosos, fazendo com que Charis logo perdesse a noção de onde estava. Mesmo que não morasse ali, ele demonstrava conhecer o Santuário tão bem quanto a própria casa, pois não hesitava ao caminhar naquela paisagem tão homogênea.

Após algum tempo, aproximaram-se de vários campos, onde treinos diferentes eram realizados. Ali, Charis notou mais semelhanças com o que ela fazia, sendo os exercícios mais rigorosos e próximos à sua realidade. Havia um campo vago, que os cavaleiros reservaram apenas àquela ocasião. Todos estavam sem armaduras, vestindo roupas simples e bastante gastas, o que apagava um pouco a imagem de cavaleiros.

Seiya, ao contrário do que supusera Hyoga, estava de pé. Contudo, os constantes bocejos indicavam que tivera dificuldades para acordar. Hyoga aproximou-se, jocoso.

“Estou vendo que Shun precisou chutá-lo da cama, Seiya.”

Sempre que Seiya precisava acordar cedo demais, pedia a Shun para despertá-lo de manhã para não perder a hora. O paciente cavaleiro de Andrômeda sempre levava uma meia hora para arrancá-lo da cama.

“Nunca precisei do Shun para acordar! Sei fazer isso sozinho!”

“Sei… Shun, ele demorou muito hoje?”

Shun riu, enquanto fazia alongamentos antes de treinar.

“Não… Levou um susto quando achou que eu era a Seika a acordá-lo.”

“Shun, não precisa dizer sempre a verdade!”

Charis observou Seiya com curiosidade. Era impressão sua ou ele acabara de mentir, como se fosse algo normal? Seu pai sempre lhe ensinara que a mentira sujava a honra e a alma de qualquer pessoa, e por isso os humanos eram impuros. Seria Seiya uma pessoa cruel e falsa como os homofalcos afirmavam? Mas Hyoga lhe garantira que seus amigos eram de confiança. Como confiar num homem que mentia e falhava na palavra?

Aproximando-se do cavaleiro de Pégaso, encarou-o.

“Por que você mentiu?”

“O quê?”

“Você mentiu. Shun realmente o ajuda a acordar.”

“Hã… É verdade. Mas é algo que não gosto de admitir.”

“Mesmo que seja difícil, dizer a verdade é honrar o próprio nome. Cavaleiros não fazem isso?”

“Charis”, interveio Hyoga. “Os cavaleiros não têm a obrigação de dizer a verdade o tempo todo, como os homofalcos. Isso não os torna menos dignos.”

“Por que, mestre?”

“As mentiras que nos torna indignos são aquelas que configuram uma traição, um desacordo a um juramento. Mas o Seiya só estava brincando agora há pouco.”

“Eu não entendo…”

“Bem, deve ser complicado para um homofalco compreender. De qualquer forma, Seiya é um dos cavaleiros mais fiéis a Athena, não precisa achá-lo indigno por um comentário desses. É muito melhor descobrir o verdadeiro caráter de um guerreiro na luta. E quanto a vocês… Acho bom informar que os homofalcos são um povo que jamais mente, por pior que seja a situação. Eles prezam o juramento e a palavra acima de tudo.”

A insegurança de Charis estendeu-se em outro plano. Evan teria razão ao dizer que humanos eram corruptos e mentirosos? Seria Seiya um homem falso, que dizia mentiras como se fosse o ato mais normal do mundo? E o seu mestre? Ele também era um humano. Seria ele apenas um bom mentiroso?

Charis puxou a camisa de Hyoga, chamando-lhe a atenção, quando ele se afastava para conversar com os cavaleiros de ouro, intrigada.

“Mestre… Você também mente?”

Hyoga ponderou um pouco e respondeu:

“Se eu dissesse sim, você me acharia indigno. Se dissesse não, você poderia desconfiar que eu mentisse. Então por que pergunta?”

A resposta foi tão confusa que Charis calou-se de imediato. Hyoga tinha razão. Não havia como provar a verdade. Sorrindo, Mu aproximou-se.

“Charis, eu entendo sua confusão. Descendo de um povo que também valoriza a verdade acima de todas as honras, e também tivemos um choque violento de culturas. O que aprendi, do meu povo e dos humanos da cidade, é que a verdade nunca é dita em palavras. A verdade é simples, clara e visível. Ela está nas ações, nos gestos, nos corações das pessoas.”

Charis permaneceu em silêncio, fitando Mu, sem compreender. O cavaleiro pensou numa forma de ser mais direto.

“Olhe para o seu mestre. Você acha que ele foi, em algum momento, indigno de você? Alguma atitude suspeita, alguma ação que não fosse transparente…?”

Na resposta de Mu, estava a solução da primeira pergunta. Hyoga jamais fora injusto com ela ou escondera fatos. Nunca passara um exercício sem revelar qual era o seu objetivo. Mesmo que estivesse com problemas, mantinha suas promessas com os homofalcos. Envergonhada, recuou.

“Desculpe por desconfiar de você, mestre…”
Sem querer mais perder tempo, Hyoga pouco se importou com o assunto.

“Não ligo pra isso. Vamos começar o treino, Charis. Está pronta?”

“Estou. Prometo que irei empenhar-me, mestre!”

“Vocês ouviram, amigos. Ela é de vocês.”

Os cavaleiros imediatamente cercaram Charis, que se sentia como na roda de apedrejamento. Ataques viriam de todos os lados, e ela precisava rebater todos, sem se esquecer de contra-atacar.

Shun iniciou, atacando-a de modo que não fosse difícil defender-se. Apesar de ter dificuldades para acompanhar seus movimentos leves e ágeis, conseguiu se esquivar. Notou que era como quando treinava com Hyoga, iniciando com golpes lentos e fáceis e aumentando a dificuldade gradualmente.

Aioria veio em seguida, lançando outro golpe ao qual ela pôde revidar. Mas Mu acendeu o cosmos e Charis sentiu um enorme peso no corpo, que a impediu de mover-se. Nervosa, ela lutou contra aquela sensação de imobilidade.

“Isso é telecinese, poder da mente. Vamos ver como se sai.”

Os golpes seguintes, Charis não pôde defender. Shiryu aplicou-lhe alguns, seguidos de Milo, que a fizeram cair no chão. Mesmo assim, Charis não podia fazer feio na frente de tantos cavaleiros de Athena. Não era apenas a sua honra que estava em jogo, como a de seu mestre. Levantou-se, a despeito da pressão do poder de Mu, voltando à posição de luta.

Mesmo os ataques seguintes não conseguiu bloquear. Tentava vasculhar na memória alguma lição de Hyoga que se encaixasse naquela situação. De repente, lembrou-se de que Mu utilizara o cosmos para criar aquela contenção sobre ela. Não sabia se acertava na escolha, mas concentrou seu cosmos e tentou elevá-lo ao máximo, enquanto recebia contínuos ataques, arrancando sangue de novas feridas.

O cosmos aumentava mais e mais, assim como a dificuldade das investidas. Num determinado momento, quando Charis achou que chegava ao seu limite, estourou todo o seu poder e conseguiu quebrar o bloqueio de Mu. Os cavaleiros não pararam de atacar, mas Charis enfrentou-os sem medo, defendendo-se e mantendo-se de pé.

Com o aumento da velocidade, viu-se obrigada a utilizar o cosmos. Desta forma, achou que seria uma boa idéia utilizar as técnicas básicas de gelo que Hyoga lhe ensinara, com o objetivo de congelar seus inimigos aos poucos. Congelou o chão, criando uma superfície lisa, à qual sabia que eles não estavam acostumados, com a exceção de Shun.

Sua situação melhorou relativamente com a superfície gelada, pois notou que os cavaleiros tinham dificuldade de locomoverem-se no gelo. Contudo, Seiya sorriu e atirou diversos golpes contra o chão, destruindo o seu improvisado campo de defesa. Acuada, Charis lembrou-se de um truque particular que treinava nas tardes livres. Nem mesmo Hyoga conhecia sua nova técnica, mas achou que era a saída para enfrentá-los.

Quando os cavaleiros voltaram a atacar, Charis deu preferência à esquiva, passando lateralmente por seus inimigos e jogando pequenas rajadas de ar congelado contra os seus pescoços. Aos poucos, eles notaram a diferença e acautelaram-se. Surpreso, Hyoga perguntou-se quando Charis aprendera tal técnica, ou se ela mesma a tinha desenvolvido.

Aioria sorriu e queimou o cosmos, preparando-se para mais uma investida.

“Você está pedindo mais velocidade, pequena.”

A nova leva de ataques era tão rápida que Charis não pôde mais utilizar o ar congelado para atacá-los diretamente. Tentando acompanhar os rápidos movimentos dos cavaleiros, mal podia desviar-se dos socos e chutes. Recebendo diversos ataques, foi atirada para trás e caiu, ferida. Sentiu o sangue escorrer pela face e tateou a testa, onde havia um profundo corte.

Enxugou o sangue com o braço e reassumiu a postura de batalha. Estava cansada, o corpo já estava mais ferido do que o normal, mas sabia que Hyoga não a perdoaria se descansasse. Queimou o cosmos e ficou surpresa ao notar que conseguia extrair menos poder de sua alma. Agora começava a compreender por que Hyoga lhe instruíra a economizar cosmos durante as batalhas.

Ofegava, precisava arranjar um tempo. Mesmo estando no Santuário, não podia revelar suas asas, impedindo-a de lutar voando. Continuou a queimar o cosmos, fitando os cavaleiros que se encontravam à sua frente. Certamente não era capaz de derrotá-los. Mas queria deixar ao menos uma marca neles.

Naquele momento, ocorreu-lhe outra lição de Hyoga. Se estava cercada, não bastava defender-se, apenas. Era preciso movimentar-se para buscar posições menos desvantajosas. Passou a movimentar-se na arena, atacando e recebendo mais golpes. Apesar de seus esforços, os cavaleiros acompanhavam seus movimentos e a mantinham sob controle.

Para conseguir alguma vantagem, Charis pensou em combinar os truques que conhecia. Tentou com Seiya, congelando o chão sob os pés, desequilibrando-o. Imediatamente, saltou sobre ele e aplicou um golpe, que ele defendeu com o cosmos. Surpreendida, Charis levou um soco pelas costas de Milo, caindo ao lado do cavaleiro de Pégaso.

Por um momento, achou que não se levantaria depois de tão violento choque. Contudo, Hyoga ensinara-lhe que a luta só terminava quando o coração parava de bater. O seu contraía-se rapidamente com o exercício e o nervosismo da ocasião. Reunindo toda a força do corpo, Charis levantou-se mais uma vez.

Por mais força de vontade que tinha, Charis não teve como defender-se quando os cavaleiros aumentaram a velocidade mais ainda, tornando a batalha uma sessão de tortura para ela. Sempre que se levantava, mais golpes vinham. Pensava e pensava, mas não havia alternativas. Tentava queimar o cosmos ao máximo, mas ainda não era o suficiente.

Charis pensou em pedir que parassem, pois aquilo nem podia mais ser considerada uma luta. Recebendo o olhar sério dos cavaleiros, no entanto, apenas suportava os golpes, tentando inutilmente detê-los.

Não demorou muito para que sua visão ficasse turva. Ela estava caída sobre a arena, coberta de ferimentos, sem mais forças para levantar-se. Queimou o resto do cosmos que tinha e o utilizou para tentar ficar de pé. No meio do processo, faltou-lhe cosmos. Não havia mais para extrair, não havia mais forças físicas. Zonza, Charis caiu novamente, desta vez perdendo a consciência.

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