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Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.
À noite, a porta escancarou-se repentinamente e Evan jogou o inconsciente e ferido Hyoga no chão da casa, assustando Aure. Chocada, Charis, que também se encontrava ali, correu em seu auxílio.
“Mestre!!”
Evan sorria, ainda coberto do sangue dele e de Hyoga.
“Charis, seu mestre é uma vergonha. Com tanto cosmos, não foi capaz de vencer-me. Guerreiros não são nada sem a força do espírito. Seu mestre é uma piada, ele não possui nenhuma força aí dentro.”
“Cale-se, Evan! O que fez com ele?!”
“Só uma introdução. A partir de hoje, ele é o meu escravo. Cuide dele para que não morra.”
A porta fechou-se, enquanto Charis fitava-o furiosa. A humilhação à qual Hyoga fora submetido era transportada a ela mesma, deixando-a a ponto de chorar de raiva. Contudo, os ferimentos de Hyoga estavam acima de seus sentimentos. Tentou acordá-lo sacudindo-o levemente.
“Mestre! Mestre, por favor, acorde! Mestre…”
Mesmo assustada com a visão de Hyoga, coberto de sangue e de machucados por toda a parte, Aure imediatamente passou a preparar um banho para lavar-lhe os ferimentos. Em seguida, tirou um pouco de água quente para limpar-lhe o rosto primeiro, numa tentativa suave de acordá-lo. Hyoga não respondeu e continuou inconsciente.
Nervosa, Charis queria abraçá-lo de pena. Mas sabia que Hyoga detestaria se o fizesse. No lugar, preferiu ajudar Aure a preparar o banho e separou os remédios para cuidar dele. Despiu-o e, com a força do cosmos, colocou-o na tina d’água. Imediatamente a água adquiriu uma coloração marrom avermelhado, uma mistura da lama com o sangue grudado na pele. Com o coração pesado, Charis ajudou Aure a lavá-lo, chamando-o a toda a hora.
“Mestre… Por favor, abra os olhos, fale comigo…”
Seus constantes apelos mostraram resultado num determinado momento, quando ele debilmente abriu os olhos, fraco.
“Charis…?”
“Mestre! Estou aqui! Não se preocupe, nós vamos cuidar bem de você.”
Hyoga sentiu-se extremamente envergonhado naquele momento, após ter sido derrotado por Evan. Imaginava que Charis agora sentia vergonha dele e que apenas estava lá pela ligação mestre-discípulo que possuíam.
“Você deve estar decepcionada comigo… Eu disse que não era o mais indicado… para você…”
“Não é verdade, mestre! Você ainda é mais poderoso que Evan! Sei disso porque sinto o cosmos de vocês, sei a diferença.”
“Já lhe expliquei que não é apenas o poder que conta numa batalha…”
Sem ter como rebater a verdade de seu mestre, Charis olhou para baixo, entristecida, derramando as lágrimas que segurava desde que vira Evan.
“Eu sei… Mesmo assim… Você ainda é o melhor para mim…”
Hyoga respondeu com um silencioso sorriso e perdeu a consciência de novo.
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A dor espalhou-se por todo o corpo quando Hyoga acordou, no dia seguinte. O cheiro forte do ungüento indicava o quanto estava ferido e a sombra da janela na parede indicava que já era quase tarde. Charis estava deitada no chão, enrolada num cobertor, dormindo. Aure também dormia, numa cama que alguém trouxera no dia anterior. Provavelmente ambas permaneceram acordadas de noite para tratá-lo.
Os inúmeros rasgos de chicote nas costas que Evan lhe dera depois da batalha ardiam, todos os músculos sofriam com os golpes e chutes que levara. Só se lembrava de ter sido tão torturado quando fora preso pelos guerreiros de Blue Glad, numa batalha após as Doze Casas.
Percebendo que perdera uma manhã inteira de treino com Charis, sentiu-se ainda mais culpado. Evan era considerado um verdadeiro herói da supremacia dos homofalcos sobre os humanos, e ele perdera a chance de tornar-se oficialmente um soldado homofalco e conquistar a confiança dos colegas. Perguntou-se brevemente se sua atitude não teria gerado repercussões negativas na cidade dos homofalcos, mas logo se desviou de tal pensamento. Não adiantava nada torturar-se com indagações.
Tentou mover-se, sentiu dores e gemeu. Com isso, Charis acordou e levantou-se apressadamente.
“Mestre… espere, não se mexa. Tente descansar, por enquanto, está ferido demais. Vou preparar o seu café da manhã. Aure está cansada, deixe que eu cuido de tudo.”
Hyoga forçou-se para sentar na cama, lutando contra a dor. Charis corria de um lado ao outro, preparando sua refeição.
“Não é justo com você, Charis. Perdemos uma manhã inteira de treino.”
“Não se preocupe, mestre. Você precisa recuperar-se primeiro. Um dia a menos não fará diferença, não é? Agora que não precisa mais treinar com os homofalcos, teremos todo o tempo do mundo.”
“Infelizmente, não será assim.”
Charis tirava o pão quente do forno, e arrumava uma bandeja com cuidado.
“Por que não, mestre?”
“Porque Evan quer que eu lave o chão de sua casa hoje à tarde. Depois disso, terei de lavar a roupa, cozinhar, servi-lo, etc.”
Parando no ato, Charis fitou-o, horrorizada. Hyoga olhou para o lado, conformado.
“Ele está em seu direito. Prometi que aceitaria qualquer condição se perdesse. Agora sou escravo, o capacho dele. Evan pode até vender-me como uma mercadoria se quiser.”
“Mestre… Não pode aceitar isso, pode?”
“Eu devo. Esqueceu que honro a minha palavra?”
Em silêncio, Charis trouxe-lhe a bandeja, que Hyoga aceitou de bom grado. Inconformada, observava-o comer tranquilamente, como se nada tivesse acontecido. Imaginar seu mestre em tal situação era uma desonra tão grande que sentia vontade de esmagar Evan.
“Isto está ótimo, Charis. O chá também.”
Vendo que ela não respondia, Hyoga parou.
“Algum problema?”
“Eu vou libertá-lo… Eu prometo a você, mestre. Eu vou libertá-lo. Vou treinar, ficar mais forte. Minha vontade será ainda mais forte que a dele. Quando isso acontecer, eu prometo a você. Vou libertá-lo.”
Hyoga riu baixo e continuou a comer.
“Tome cuidado com promessas. Não perdi por acaso, Charis.”
“Eu sei. Mas mesmo assim, eu prometo a você. Se ele me vencer, continuarei a treinar, meu cosmos e meu coração. Eu juro que não desistirei.”
“Talvez você consiga”, respondeu, mais sério. “Mas não agora. Ainda há um longo caminho pela frente, Charis. Por enquanto, concentre-se na sua missão mais importante, que é tornar-se a melhor líder aos homofalcos.”
“Sim, mestre.”
“Hoje quero que você continue a treinar com rochas. Mais tarde, quando Ájax liberar o meu cosmos, prepararei mais exercícios. Desculpe por não poder lutar com você por enquanto.”
“Eu me sentiria mal se treinasse assim com você ferido.”
“Heh. Está bem. Mas depois tirarei toda a diferença. Vá, Charis.”
Relutante, a garota obedeceu e saiu para treinar. Hyoga fitou Aure, que dormia na outra cama, exausta. Ainda não conseguia sentir-se à vontade com ela.
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“Como está indo, cavaleiro?”
Evan cumprimentou-o com um forte tapa nas costas, justamente sobre o corte mais profundo de chicote. A dor refletiu-se no resto do corpo e Hyoga gemeu baixo, antes de continuar a cozinhar. Permaneceu quieto e trabalhou calmamente, enquanto Evan largava-se sobre a cama previamente arrumada, deliciando-se com a posição de superioridade.
“O treino vai a mil maravilhas desde que você saiu, sabia? Já faz quantos dias?”
“Quer mesmo que eu responda?”
“Esqueceu que você não indaga?”
“Catorze. O senhor pergunta isso todos os dias.”
“Pode-se dizer que é um hobby novo. Quem diria que você conseguiria destruir sua vida com uma luta tão estúpida?”
Hyoga caiu em silêncio. Preferia realizar tudo com poucas palavras e muita paciência. Desde que perdera a batalha, suas tardes tinham sido as mais patéticas possíveis, ocupando-se das tarefas domésticas de Evan e servindo-lhe de saco de pancadas quando menos esperava.
“Estou pensando em ampliar os seus serviços a todos os meus alunos, o que acha? Lavar as roupas de treino deles amanhã à tarde, aceita?”
“Se recuso, o senhor arrebenta as minhas costas.”
“Está aprendendo rápido. Não é tão idiota quanto pensei que fosse.”
Alguns minutos depois, Hyoga terminou de cozinhar e serviu o prato à mesa, com uma taça de vinho. Em seguida, encostou-se à parede da casa e cruzou os braços, aborrecido.
“Está pronto.”
Sorrindo, Evan saltou à mesa e passou a comer a grandes porções, não demonstrando quaisquer modos. Mesmo fazendo a contragosto, Hyoga não espelhava o rancor em seu serviço, que era sempre bem-feito e livre de críticas. Evan ainda tentava tocar-lhe na ferida sempre que o via emburrado com sua nova situação.
“Como você é medíocre como guerreiro. Perder para a vontade de ter um humano imbecil como escravo… É patético.”
“Se fosse esse mesmo o motivo, seria patético. Mas sei que não é bem assim. O senhor possuía um motivo forte para vencer-me.”
“Sim. De vê-lo ajoelhado no chão da minha casa, limpando a lama dos meus sapatos!”
“Não é apenas isso… Um motivo forte de verdade, algo acima, que realmente machuca-lhe a alma. Quem são ‘eles’?”
Irritado, Evan atirou em sua direção a faca, que se fincou na parede depois de Hyoga desviar-se com tranqüilidade. Em seguida, o rapaz forneceu-lhe outra faca e lavou a primeira.
“Já disse para não indagar, seu imbecil.”
“Peço perdão, senhor.”
“Descontarei mais tarde em sua carne, cavaleiro inconseqüente.”
“Está irritado porque digo a verdade.”
“É melhor que se cale, ou não errarei a próxima faca!”
Recuando, Hyoga aquietou-se e serviu-lhe mais vinho. Era verdade que seus diálogos tinham como base provocações e sarcasmos, mas sabia que tudo viria com um preço mais tarde, no chicote. Voltou a encostar-se na parede, já que não tinha permissão para sentar-se, e esperou pacientemente. Não sabia o que era pior: treinar sem o cosmos ou virar um escravo, mas começava a inclinar-se ao último. Quando Evan terminou, Hyoga retirou a louça e pôs-se a arrumar a cozinha, em silêncio.
“Eu suponho que Charis esteja morrendo de vergonha de você”, comentou Evan, tentando provocá-lo. “De início, ela tomou-o como mestre achando que você era o melhor guerreiro daqui.”
Talvez Charis sentisse vergonha, mas recusava-se a falar. Mesmo com a derrota do mestre pesando em seu treinamento, recusava-se com todas as forças a acreditar naquilo que todos comentavam: que um homofalco podia proteger sua família muito melhor que um cavaleiro de Athena. Hyoga decidiu não responder e continuou a trabalhar, como se não ouvisse nada.
“Ela seria uma líder muito melhor se tivesse como mestre um guerreiro cujo coração deseja proteger os homofalcos. De verdade. Diga-me, cavaleiro, o que Athena pretende conosco?”
Sabendo que seria punido se não respondesse, Hyoga foi obrigado a retomar a conversa.
“Ela não tem culpa de nada, senhor. Fui eu que invadi o território dos homofalcos por vontade própria. Minha punição foi permanecer e servir aos homofalcos pelo resto de meus dias.”
“Eu soube disso. Mas por que ela quis que você permanecesse? O que ela ganha com um cavaleiro de Athena entre nós? Porque para proteger-nos, definitivamente… Você é uma negação.”
“Isso não cabe a mim saber. Eu só cumpro ordens.”
“Cumpre ordens… É por isso que não me questiona, só obedece, já está acostumado. Vocês, cavaleiros de Athena, são escravos. Ainda mais você, cavaleiro. É escravo de Athena, de Ájax e agora meu. Esconde-se por trás da honra e da palavra.”
“Só admito ser escravo seu, pois assim foi combinado. De Athena e de Ájax, sou cavaleiro. É diferente. Ainda carrego minha honra e cumpro a minha palavra. São diretrizes da minha vida.”
“Pois vou dizer-lhe uma coisa, cavaleiro: honra de humano é corrente, como a que você está usando agora. É simplesmente uma forma de subjugar outro. Aqui, na terra dos homofalcos, Ájax é servo de todos, assim como nós o respeitamos. Aqui, honra é honra, e nenhuma palavra nasce para ser falsa. Você só está nesse estado porque não nos compreende, não sabe o que é ser um homofalco. Sua força de vontade para proteger-nos é risível. Tanto poder… tanto cosmos… mas um coração tão fraco.”
“Sabe que não tenho como defender-me desses ataques, depois de perder a batalha. Mas não tenho pressa. Um dia, provarei que cavaleiros de Athena possuem uma força de vontade infinita, juro.”
Evan gargalhou, desdenhoso.
“Viu? Já está usando a palavra novamente, achando que poderá cumpri-la. É isso que o prende, rapaz. Só usa a palavra quem tem força, quem tem coração pra isso. Desista, cavaleiro, é muito para você.”
Hyoga não respondeu. Terminou e colocou-se diante de seu senhor, disciplinado. Aborrecido com sua presença, Evan deitou-se na cama.
“Suma da minha frente, seu traste.”
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Sair da casa de Evan e entrar na sua sempre era o momento mais penoso do dia para Hyoga. Ao abrir a porta, via Aure aguardá-lo de pé na sala, com um olhar submisso. Se analisasse sua situação e a dela, qual era a diferença? O que ele fazia como escravo na casa de Evan, Aure fazia por pedido de Myles. Sorriu gentilmente e entrou, fechando a porta atrás.
“Aure, não precisa ficar todo o tempo de pé, é cansativo. Já disse que minha casa é sua.”
“Eu sei. Estou bem assim, Hyoga.”
Apesar de saber que a relação entre casais se configurava daquela forma na terra dos homofalcos, não conseguia acostumar-se. Sentou-se à mesa, onde o jantar já estava servido, e fitou-a.
“Não vem comer?”
Aure aproximou-se relutantemente e fez um prato para si, timidamente. Por mais que se esforçasse, não conseguia fazer com que ela se sentisse melhor à sua presença, deixando um clima pesado em sua residência. Não queria que ela se ocupasse de todas as tarefas domésticas para ele, mesmo que lhe poupasse um precioso tempo do dia. Como se tentasse consertar um erro, sempre dava um jeito de servir-lhe algo por gentileza, ainda que fosse insignificante.
Tirou mais um taça do armário e serviu-lhe vinho, deixando-a ainda mais recatada. Não sabia como alterar aquele quadro.
“Sei que Myles pediu para servir-me, mas não consigo aceitar como algo certo. Deveria ser eu a servi-la, Aure. Afinal, foi o que Athena me obrigou, não? Servi-los como cavaleiro até a morte.”
“Eu fui educada assim, cavaleiro.”
“Eu sei… Desculpe.”
Por um momento, Hyoga pensou que chegava a dialogar mais com Evan do que com Aure naqueles momentos. Jantaram em silêncio, e Aure terminou antes. Freqüentemente Hyoga oferecia-se para limpar a cozinha, e por isso, Aure rapidamente cuidava de tudo antes. Incomodado com o silêncio, ele pensava desesperadamente num assunto para falar, mas temia contar histórias de humanos.
O momento que ela hesitava mais é quando precisava limpar-lhe os ferimentos. Embora Hyoga dissesse que podia virar-se com os curativos, Aure insistia, enfrentando o seu medo. Enquanto passava o pano úmido nos cortes das costas, Hyoga olhava para o chão, em silêncio. Não sabia como amenizar aquela situação.
“Nem todos os humanos são como os que a prenderam.”
Aure parou por alguns instantes, mas logo continuou. Hyoga não sabia se daria certo, só sabia que não podia deixar que Aure continuasse distante e amedrontada dele.
“Pode parecer presunção dizer que sou diferente dos outros. Se o dissesse, sei que não acreditaria. Mas não sei o que posso fazer para mudar essa idéia. Há algo que possa fazer para agradecer-lhe e mudá-la de idéia sobre os humanos?”
Após um breve silêncio, Aure respondeu em voz baixa:
“Não.”
“Que pena… Se tivesse problemas, confiaria em mim para resolvê-los?”
“Não.”
“Mesmo…? Mas se corresse perigo, colocaria minhas habilidades ao seu serviço para protegê-la, sabia?”
“Um humano… não pode proteger-me… Um homofalco… também não. Você é os dois, o que o torna mais perigoso.”
“Aure… queria que não pensasse dessa forma. Você não entende por que está morando comigo?”
“Eu sei que meu irmão não disse toda a verdade quando me mandou para cá.”
“Sim. Ele fez isso porque em breve, você terá que viajar conosco até o Santuário, que se situa na terra dos homens, na Grécia.”
Hyoga sentiu a mão de Aure tremer em suas costas e tentou acalmá-la.
“Não será tão ruim. Eu sei guiar-me por lá e prometo que nada de ruim acontecerá a você durante o trajeto.”
‘Só não posso prometer nada depois’, acrescentou mentalmente. Ainda não sabia se Aure era inimiga ou aliada, embora seu coração insistisse que aquela jovem tímida fosse a verdadeira. Em parte, sentia-se atraído pelos gestos suaves e sua beleza, mas não ousava aproximar-se mais do que devia.
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O dia da viagem era inevitável. Naquele período, Hyoga conversara com Shun, que também se oferecera para acompanhá-los. Para o seu desespero, Evan insistiu ir junto, embora não parecesse ser por causa do escravo. A atração que ele tinha por Aure era evidente, e nem Ájax pôde mudá-lo de idéia. Contudo, Hyoga sofria com as conseqüências, pois sabia que teria de servi-lo durante a viagem também.
Evan jogou sua bagagem sobre as costas de Hyoga, que no dia anterior ainda fora fustigado pelo chicote. Suportando a dor, o cavaleiro demonstrava clara revolta, mas sabia que jurara obedecê-lo, contanto que suas ordens não o forçassem a quebrar suas promessas.
“O senhor não vai se mudar para o Santuário.”
“Não”, respondeu Evan, sorrindo, “mas sou um homem de muitas necessidades.”
Irritado com a atitude do homofalco, Ájax deu um comando de cosmos, libertando Hyoga da corrente de Prometeu. O cosmos de Cisne queimou livremente e o rapaz viu-se livre para utilizar seus poderes, tornando o fardo mais leve. Charis aproximou-se correndo, numa afobação que indicava o seu desejo.
“Mestre!”
“Charis. Comporte-se e treine todos os dias até que eu volte, entendeu?”
“Por favor, mestre, não posso ir junto? Queria tanto conhecer o Santuário!”
“Não… Estou indo numa importante missão, não é um mero passeio.”
“Mas mestre…”
Ájax sorriu, vendo o desespero no rosto da filha.
“Hyoga, Charis só tem falado sobre isso. Há algum entrave levá-la junto?”
“Por favor, mestre! Se quiser, posso carregar a bagagem do Evan! Mas deixe-me ir! Quero conhecer a terra dos cavaleiros de Athena!”
Distraído com o incômodo do peso da bagagem, Hyoga tentava encontrar uma posição confortável para segurar sua mochila e a enorme mala de Evan ao mesmo tempo. Não estava disposto a perder mais tempo na insistência de Charis. Na verdade, pouco ligava se ela devia ir ou não, pois achava que apresentá-la aos amigos seria bem interessante, tanto para ele como à discípula.
“Bem, se seu pai concordar…”
“Que ótimo! Obrigada, mestre! Por favor, deixe-me ajudá-lo!”
Finalmente encontrando o modo mais fácil de lidar com todo aquele peso, desviou-se da discípula, recusando a ajuda, e viu Myles e Aure aproximarem-se.
“Estão prontos? Já estamos de partida.”
“Sim. Evan, não tem vergonha? Seja razoável pelo menos uma vez na vida e deixe o Hyoga em paz! Carregue sua própria bagagem, ele não pode descer as montanhas assim.”
Hyoga deu alguns passos em direção à saída, cortando a conversa.
“Eu estou bem, posso agüentar. Não diga a um cavaleiro de Athena que ele não é capaz de fazer algo, Myles. Charis, já estamos saindo.”
Alçando vôo, Charis sorriu.
“Vão na frente! Só vou pegar minha mochila e os alcanço!”
Tomando a dianteira do grupo, Hyoga saiu dos limites da cidade, mostrando-lhes o menor caminho para chegar à Kohotek, a aldeia mais próxima. Ali, encontrariam Shun e o homofalco que era o contato de Ájax. Permanecendo atrás, o líder voou, observando-os afastarem-se da terra dos homofalcos para encontrarem a sua deusa criadora.
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Shun serviu vinho ao seu novo hóspede, tentando ser um bom anfitrião. Mesmo assim, o suposto contato dos homofalcos mostrava-se extremamente frio e avesso a conversas.
“Espero que goste. Não há muito a oferecer aqui.”
De todos os pontos de vista, o homem à sua frente parecia humano. Apesar de chamar a atenção por sua postura calma e reservada em excesso, não parecia alguém de natureza violenta.
“Hyoga e os outros devem chegar hoje. Então poderemos partir à Grécia. Tenho certeza de que o meu amigo não faltará com sua palavra, Arsen. Hyoga sempre foi um guerreiro nobre.”
O homofalco sem asas bebeu o vinho, sem responder. Continuou sentado à mesa, como se Shun não existisse. O cavaleiro suspirou e preparou um copo para si.
“Logo estarão aqui.”
A ausência de diálogo era tão sufocante que logo depois de terminar de beber, Shun levantou-se.
“Fique à vontade, por favor. Pode usar minha cama, se quiser descansar. Vou dormir um pouco até que cheguem.”
Deitando num velho colchão, Shun olhou para a parede, preocupado. Pelo que Hyoga lhe dissera, na última carta, a Aure que se encontrava com os homofalcos não inspirava qualquer suspeita, da mesma forma que a do Santuário. Entretanto, uma era definitivamente falsa.
Outro fato que o preocupava era ter sentido um desânimo do amigo na última carta, dizendo que sua situação alterara-se sensivelmente desde que se encontraram para falar do problema da Aure. Imaginando que a viagem ao Santuário poderia animá-lo ao menos um pouco, fechou os olhos e tirou um breve cochilo.
Acordou com o barulho da porta, que Arsen abrira para receber as visitas. Hyoga surgiu à frente, acompanhado de mais dois homens, uma criança e uma mulher, que Shun reconheceu sendo Aure. Protegidos com capas e com as asas recolhidas, pareciam simples humanos. Levantou-se e sorriu ao amigo, que aparentava ter pressa.
“Ei, Hyoga, chegaram na hora.”
“Pegue suas coisas, Shun, já vamos partir.”
“Não quer passar a noite aqui? Devem estar cansados.”
“Não, não quero perder tempo. Quero chegar ao aeroporto o quanto antes… Ou enlouquecerei. Vamos.”
E olhando para Arsen, cumprimentou-o apenas com o olhar.
“Você deve ser o contato de Ájax.”
“Sou Arsen.”
“Sou Hyoga, cavaleiro de Cisne. Já deve conhecê-los. Shun, este é Evan, o líder do exército dos homofalcos. Myles, irmão de Aure, Aure e a minha discípula, Charis. Ela é filha de Ájax, o líder. Este é Shun, cavaleiro de Andrômeda e meu amigo de confiança.”
Arsen já estava preparado para viajar, restando a Shun pegar suas coisas. Sentindo-se culpado, o cavaleiro de Andrômeda apressou-se e logo estava pronto para iniciar a viagem. Hyoga já saía da cabana, querendo apressar o passo. Sem compreender, Shun resolveu melhor acalmá-lo com o gelo siberiano e obedecer em silêncio; Hyoga ainda era o que melhor conhecia aquela região.
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À noite não demorou a chegar, obrigando-os a parar ao pé de uma montanha. Com o cosmos, Hyoga criou várias paredes de gelo, bloqueando o vento e proporcionando-lhes um local ideal para montarem as barracas. Mais calmo, não teve pressa para acender uma fogueira, resultando em suspiros de alívio dos companheiros.
Evan, que até então não demonstrara qualquer desgaste físico, sorriu e deu-lhe um forte soco no rosto, atirando-o contra a neve. Chocado, Shun imediatamente colocou-se entre os dois, apartando aquilo que pensava ser uma briga.
“Parem com isso, vocês dois! Mal começamos a viajar e já estão brigando?”
Irritado com a intervenção de Shun, Evan empurrou-o para o lado e quis voltar a bater em Hyoga, sendo novamente detido pelo cavaleiro.
“Já chega! O que Hyoga fez para agir assim, Evan?”
“Fique quieto, humano imbecil! Eu faço o que quiser com o meu escravo!”
A expressão de surpresa de Shun trouxe uma gigantesca sensação de prazer no homofalco, que se voltou ao siberiano e ordenou, rindo.
“Escravo, ajoelhe-se.”
Sem escolha, Hyoga obedeceu e sentou-se de joelhos na neve, em silêncio, trazendo mais aflição a Shun. Para mostrar sua superioridade, Evan segurou-lhe a gola da túnica e passou a golpeá-lo nas costas, arrancando gemidos do rapaz. Para finalizar agarrou sua cabeça e mergulhou-a na neve.
“Este é o orgulhoso cavaleiro que Athena queria que nos protegesse. Uma piada! É um traste, é um inútil!”
Shun, que geralmente não perdia a calma, sentiu o sangue subir à face e invocou o seu próprio cosmos.
“Não fale assim do meu amigo!”
Mantendo a calma, Evan não demonstrou medo com a atitude de Shun.
“Digo a verdade, garoto. Hyoga, faça o que tem de fazer logo. Depois disso, sua cama será a base daquela rocha, que está desprotegida do vento. Quero vê-lo acordar com hipotermia amanhã.”
Hyoga levantou-se, submisso, e pôs-se a armar a tenda de Evan, sob os olhares surpresos dos presentes. Charis ainda tentou ajudá-lo, mas ele recusou ajuda, trabalhando sozinho. Irritado, Shun ajudou-o, demonstrando uma teimosia ainda maior.
“Estava com pressa para passar menos noites assim?”
“Sim… Vou enlouquecer se Evan continuar agindo assim.”
“Afinal, o que aconteceu, Hyoga?”
Ele não respondeu. Myles ocupou-se com o jantar, auxiliado por Aure e Charis, enquanto Evan nada fazia, dizendo que Hyoga deveria se ocupar de todos os deveres. Para o desespero de Shun, Hyoga aceitava todas as ofensas e ordens com submissão, sem reclamar ou recusar. De vez em quando Evan chutava-o, sem motivo algum. Myles ainda voltou a reclamar.
“Evan, já chega! Hyoga está tão cansado da viagem quanto nós, não pode agir como se ainda estivesse na cidade. Se tratá-lo como escravo na frente da deusa, atrairemos a sua ira!”
“Esqueceu que ele é o meu escravo? Ainda não estamos lá. Quando chegarmos, terá uma pequena folga de mim”, respondeu o presunçoso homofalco.
Ignorando as reclamações e comentários, Hyoga afastou-se e sentou-se encostado a parede, encolhendo-se de frio. Condoído, Shun juntou-se a ele e ficou a observar o negro da noite.
“O que aconteceu de fato, Hyoga?”
Desta vez, o amigo respondeu:
“Eu o desafiei para uma luta e perdi. Prometi que acataria um desejo seu se isso acontecesse. Ele quis que me convertesse em seu escravo e desse a minha palavra de que sempre o obedeceria. Sou um idiota, não?”
“Por que fez isso?”
“Preciso do apoio militar dos homofalcos para protegê-los. Achei que isso seria mais fácil se também fosse um soldado. Mas o treino é pesado demais para um homem sem cosmos. Como posso usar meus poderes uma hora por dia, desafiei Evan para uma batalha para conquistar uma posição de respeito entre eles.”
“E perdeu… Como?”
“Ele é um Seiya da vida. Cai, levanta, cai, levanta… Depois de uma hora, fiquei completamente indefeso. Evan agüentou até a Aurora Execution.”
“Até isso? Mas o cosmos dele não é tão forte!”
“Pois é… Inacreditável, não é? Depois dessa, estaria mentindo ao dizer que não perdi. Eu fui derrotado pela força de vontade que esse guerreiro possui. Sei que ele teve um motivo muito forte, mas não sei qual. Gostaria de saber. Desde então, minha vida está dividida entre o treino de Charis e as situações mais estapafúrdias e humilhantes a um cavaleiro. Como a de agora.”
Shun olhou para o chão, perguntando-se se não haveria alguma forma de recuperar a honra e a liberdade de Hyoga.
“E se eu o desafiasse em seu lugar? Sem limite de tempo, com certeza o venceria.”
“Ele não é idiota, Shun, sabe que não poderá vencê-lo. Ah… O idiota sou eu…”
Neste momento, Charis aproximou-se, trazendo cobertores. Sorriu para o mestre, tentando animá-lo.
“Por favor, mestre, não desanime. Eu acredito em você.”
“Obrigado. Vá descansar, Charis.”
Vendo-a entrar na barraca, Shun sorriu.
“Ela parece ser uma boa pupila.”
“Ela é. Acho que era até melhor do que eu, quando tinha a sua idade. Charis terá um grande futuro pela frente, tenho certeza disso. Espero que utilize bem os ensinamentos de Camus.”
“Não é justo, também quero um discípulo. Preciso passar as lições de Daidaros, ele já não está mais aqui. Não basta honrar seus ensinamentos, é preciso mantê-los vivos para as gerações futuras.”
“Não se afobe. Vai encontrar bons discípulos.”
Hyoga estremeceu e queimou o cosmos, aquecendo-se. Shun fez o mesmo.
“Não deve ficar aqui, Shun. Só eu preciso dormir fora.”
“Se tentar me expulsar, teremos de lutar.”
Rindo baixo, Hyoga fechou os olhos e tentou dormir. O cansaço acumulado do dia logo o dominou, tragando-o ao mundo do sono. Com o ânimo baixo, Shun não conseguia deixar de pensar que Hyoga necessitava desesperadamente de um amigo que pudesse apoiá-lo diante das imposições de Evan. Talvez permanecer ao seu lado fosse suficiente para trazer-lhe alguma paz no espírito, qualquer coisa que ajudasse a cicatrizar o orgulho ferido.
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Com um balde, Evan jogou água fria em Hyoga, acordando ele e Shun repentinamente. Assustado, Shun levantou-se, mas Hyoga não parecia tão surpreso.
“Já está na hora de continuar, seu inútil. Desfaça a barraca, pegue as minhas coisas e não demore, se não quiser levar mais surra.”
Hyoga não discutiu. Levantou-se e saiu para obedecê-lo, mesmo enregelado. Cada vez mais, Shun sentia vontade de surrar aquele homofalco pelo tratamento a Hyoga, mas sabia que cada ato impensado seu seria descontado na carne do amigo.
“Você devia dar um tempo. Hyoga está tremendo de frio.”
“E eu com isso? Se ele é um cavaleiro, deveria agüentar muito mais. Está com pena? Por que não vai ajudá-lo também? Posso dar-lhe uns golpes inteiramente de graça.”
“Só se me vencer numa batalha.”
“Não tenho motivos para isso, já estou satisfeito com o trabalho do Hyoga. Sabia que ele até serve de apoio aos meus pés?”
“Você não quer lutar, pois sabe que não poderá vencer.”
“Posso vencer qualquer um, se tiver os motivos certos. Exatamente agora, não tenho. Portanto, não é inteligente desafiá-lo para uma luta. Ao invés do seu amigo, eu tenho cérebro, Andrômeda.”
Quando desfizeram o acampamento, Shun apressou-se para pegar a bagagem de Hyoga antes do amigo, livrando-o de parte do peso. Sorriu-lhe em silêncio e continuou a caminhar. Hyoga não queria que os outros se envolvessem em seu problema com Evan, mas todos pareciam desejar ajudá-lo. Podia facilmente recusar a ajuda dos homofalcos, mas era impossível convencer Shun quando este enfiava uma idéia na cabeça.
A viagem até o aeroporto prosseguiu com relativa tranqüilidade, excluindo os regulares ataques de Evan a Hyoga, atacando-o com socos e chutes no final da noite, antes de mandá-lo dormir na neve. Shun ficava freqüentemente irritado com a atitude do homofalco, soltando reclamações a toda hora. De resto, não houve problemas.
Aure, acostumada à presença de Hyoga, somente tinha medo de Shun. Mas este lhe sorria com gentileza e agia naturalmente com seu espírito pacífico. Desta forma, logo se aproximou da homofalca e conseguiu andar ao seu lado.
Arsen era uma figura sombria. Evan conhecia-o, mas poucas palavras eram trocadas entre os dois. Myles tentava ser simpático, mas o homofalco sem asas insistia em manter-se distante de todos, falando apenas o que fosse estritamente necessário. Hyoga não imaginava como aquela figura podia ser confiável, mas sabia que Ájax nunca mentia.
Charis era a mais agitada, por ser criança e por estar empolgada para conhecer o Santuário dos Cavaleiros. Mesmo assim, comportava-se como devia e obedecia a tudo que Hyoga lhe ordenava. De vez em quando, aproximava-se de Shun, querendo tirar curiosidades sobre as batalhas dos cavaleiros.
“Não era um cosmos impuro”, comentou ele, quando Charis lhe perguntara como era o cosmos do deus Hades. “Era puro, como de todo deus. Mas era uma força pesada, extremamente negativa. Assim que ele entrou em meu corpo, senti meu espírito ser tragado até o fundo.”
“E como conseguiu repeli-lo?”
Hyoga não demonstrava chateação, pois sabia que Shun era gentil demais para importar-se, mas precisava manter o comportamento de Charis na linha enquanto estivesse sob a sua responsabilidade.
“Charis, não quero que o faça lembrar-se de momentos desagradáveis.”
“Desculpe, mestre… Desculpe, Shun.”
“Está tudo bem”, sorriu Shun. “Consegui repeli-lo com a ajuda do cosmos de Athena. É difícil explicar. Digamos que antes da intervenção dela, o cosmos de Hades era uma vasta neblina. Porém, depois que foi iluminado pelo poder da deusa, ganhou forma. O que fiz foi envolver aquele cosmos e empurrá-lo para fora. Essa foi a parte mais difícil”
“Incrível! Tudo isso aconteceu mesmo?”
“Mas é claro. Acha que estou mentindo?”
“Não! Mas… é impressionante. Toda vez que ouço essas histórias, tenho vontade de usar uma máscara e lutar por Athena.”
Evan riu, zombeteiro.
“Por que não faz isso, Charis? A discípula de um homem fraco não merece ser a líder dos homofalcos.”
Ofendida, Charis respondeu:
“Cale-se, Evan!”
“Hyoga é um fracasso como cavaleiro, pois não demonstrou força de vontade. Até um simples soldado homofalco faz mais do que ele, bem mais. É bem provável que seu treinamento seja tão ruim quanto à luta dele. Aliás… Deve ser uma péssima discípula, já que ele a considera boa.”
“Evan!”
Desta vez, a irritação de Hyoga foi tanta que ele não pôde conter-se. Avançou furiosamente contra o homofalco, aplicando-lhe um forte soco e agarrando-o pela gola. Sem se importar com as conseqüências de seus atos, esbravejou-se.
“Meça as suas palavras, Evan!! Charis é minha discípula e protegida, não vou admitir qualquer ofensa à sua pessoa! Você pode ofender-me, pode machucar-me, mas não vou admitir que suje a honra de um discípulo meu! Retire o que disse!”
“Só disse a verdade, você é que não admite!”
“Não existe verdade ou respeito em suas palavras! Você precisa respeitá-la, independente de quem for o mestre dela! Meu dever é protegê-la. Por isso não aceitarei que a ofenda! Peça desculpas!”
“Esqueça, imbecil!”
O cosmos de Hyoga explodiu violentamente sobre ele, congelando tudo à volta. O poder era tão grande que Evan não conseguiu libertar-se com o cosmos de fogo. Myles, Shun e Arsen não fizeram nada para impedir, assim como Aure, que ficou assustada demais. Foi Charis que agarrou a túnica de Hyoga, desesperada.
“Espere, mestre, está tudo bem! Se continuar, Evan irá massacrá-lo! Por favor, deixe-o…”
“Não, até que ele admita que errou.”
Vendo que o gelo cobria-lhe a face, Evan sentiu que não havia escolha a não ser ceder.
“Está bem, seu imbecil! Desculpe, não devia ter insultado sua discípula, devia é ter arrancado a cabeça do mestre dela!”
Satisfeito, Hyoga soltou-o, ainda emburrado. O gelo quebrou-se, libertando o homofalco, que se levantou igualmente irritado.
“Isto terá volta, seu traste! Imbecil, como ousa desafiar-me?! Verá quando voltarmos à cidade, viverá o seu pior pesadelo!”
Hyoga acalmou-se enfim e respondeu, dando-lhe as costas e fazendo Charis prosseguir a viagem.
“Se quer me punir, puna-me. Mesmo achando injusto, não recusarei, pois lhe jurei obediência. Só não aceito que fira a integridade de minha discípula.”
“Desgraçado, miserável!”
Ignorando os xingamentos de Evan, Hyoga continuou a caminhar, mantendo Charis junto de si. Shun alcançou-os e notou que a face da pequena homofalca estava corada, não sabia se era de vergonha ou de lisonjeio.
“Mestre, não precisava fazer tudo isso… Evan vai matá-lo…”
“Ele estava errado, Charis. Ele não tem posição para ofendê-la.”
“Mas… Não precisava…”
Notando que Hyoga não estava com ânimo para explicar-lhe, Shun entrou no diálogo.
“Charis, Hyoga tem razão. É dever de um mestre proteger o discípulo, enquanto este treina sob a sua instrução. Qualquer ofensa, corporal ou moral, deve ser rebatida pelo seu protetor, que é o Hyoga. Não lhe peça para deixar tudo como está; aceitar que Evan a machuque é sujar a honra de Hyoga também.”
“Mas assim, Evan irá torturar o meu mestre ainda mais… Não quero que isso aconteça. Além disso, Evan disse que devo ser uma péssima discípula. Talvez eu seja…”
A mão de Hyoga pousou-lhe sobre a cabeça, gentil. Ele não a fitava, mas Charis notou que não falava sem emoção.
“Você não é. Não escute o que Evan diz.”
Charis sorriu e olhou para baixo, ainda mais corada. Sabia que Hyoga fora gentil para compensar a ofensa que recebera de Evan, mas sentiu-se afortunada. Mesmo a tratando diferente por agora terem uma relação de mestre e discípulo, Charis sentia que a afeição de Hyoga por ela era maior do que a de dois anos atrás, quando se conheceram.
“Obrigada, mestre… Prometo que continuarei a esforçar-me.”
Hyoga não respondeu; continuou a caminhar como se não tivesse acontecido nada. Charis já aprendera que ele era simplesmente daquele jeito e que o seu silêncio podia ser uma manifestação de diversos sentimentos que precisava enjaular na posição de mestre. Com o espírito leve, andou ao seu lado comportadamente, logo voltando a matar curiosidades com Shun, que era um guerreiro bem mais propenso a longas conversas.
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