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[Saint Seiya] Prisão das Asas - Parte 8, escrita por Nemui

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Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.


Era o final de mais um treino. Após assistir aos exercícios, em sua tarde livre, Ájax aproximou-se de Hyoga, que tinha as costas sangrando, marcadas com mais punição. O treino de Evan exigia a presença de cosmos, cada vez mais, mas Hyoga insistia em dedicar todo o seu poder ao treino de Charis para ensinar-lhe a congelar objetos. Ájax até oferecera-lhe liberar o cosmos por alguns instantes do treino para minimizar os estragos, mas fora recusado veementemente.

“Hyoga.”

“Eu estou bem”, disse ele, enquanto encolhia-se de dor. “Ainda posso mais.”

“Não acha que está chegando ao seu limite? Está coberto de ferimentos, qualquer um pode ver que esses ferimentos também prejudicam o treino de minha filha.”

“É uma falha que preciso superar. Charis não tem culpa nenhuma nisso.”

Hyoga ergueu-se, gemendo, e mais fios de sangue escorreram por suas costas e mancharam a calça. Aquele seria um dia agitado a ele, pois ainda precisava conversar com o prisioneiro e com Myles sobre Aure.

“Ela o está esperando na cabana para fazer os curativos. E está ficando mais e mais preocupada com você, Hyoga.”

“Ela não tem que se preocupar com o mestre. Precisa apenas concentrar-se nos exercícios que lhe passo.”

A frieza com que Hyoga falava do treino de Charis era tamanha que Ájax preferia não conversar muito a respeito. Em vez disso, olhou para a direção das prisões.

“Ele ainda está achando que queremos dinheiro ou algo do tipo. O que acha que pode fazer a respeito?”

“Ele não sabe que não sou corruptível. Quero ver o que ele fará em minha presença, Ájax. Vou agora até lá para conversar com ele. Não posso mentir, mas não preciso revelar todas as verdades. Deixe que ele tire suas próprias conclusões sobre a corrente de Prometeu e as chicotadas que tomo.”

Afastando-se do líder, Hyoga aproximou-se da prisão e sentou-se num banco, de frente ao prisioneiro. Desesperado, este correu até a grade.

“Por favor! Solte-me, eu não fiz nada de errado! Só quero voltar para casa.”

O olhar de Hyoga era neutro, cuidadoso. Pela personalidade daquele homem, sabia que poderia controlá-lo com poucas palavras.

“Eu não estou em posição para libertá-lo.”

“Essas correntes… Você também é um prisioneiro? Também é um humano, não é?”

“Está vendo asas em mim?”

“Que bom… Achava que estivesse sozinho aqui. Eles obrigaram-no a usar essas correntes, não é mesmo? E todo o sangue das costas… é chicote? Meu Deus, não farão isso comigo, farão?”

Hyoga sorriu de satisfação, pois confirmou o rumo do quase monólogo do prisioneiro. O homem interpretou-o como um sim à sua resposta, ficando ainda mais desesperado.

“Não, por favor não! Escute, precisamos fugir deles, precisamos sair deste lugar maluco!”

Olhando para o lado e para baixo, Hyoga não respondeu. Mesmo o sutil movimento provocava dor e tirava mais sangue dos cortes. Hyoga jamais imaginara sentir-se satisfeito por ter os fios vermelhos escorrerem dos cortes nos ombros para o peito. Assustado com os ferimentos, o homem ainda tentava conversar.

“Olhe, o meu nome é Lazar, sou só um comerciante. Por favor, você é o único russo daqui e ainda pode circular entre eles. Vamos fugir juntos!”

“Você quer fugir deles?”

“Mas é claro! Você não quer?”

“Não cabe a mim decidir ficar ou sair, como pode ver. Quando me afasto demais, sou reprimido. Se erro, sou punido.”

“Mas e a liberdade?”

“Esta é a minha liberdade máxima, Lazar. Não posso fazer nada para mudá-la.”

“Nada mesmo? Ou é apenas um covarde? Escute, se sairmos daqui, poderemos ganhar muito dinheiro, dinheiro vivo! Imagine que bomba seria divulgar sobre homens que voam como pássaros, imagine nossa fama! Você não precisa ficar parado, esperando ser morto, pode muito bem mudar de vida.”

Era o ponto ao qual Hyoga queria chegar naquela conversa. Mais um pouco e aquele homem estaria morto. Se cogitasse matar um homofalco, seria imediatamente sacrificado pelos homofalcos, segundo a lei.

“E como pretende fugir?”

“Só direi se concordar com a fuga. Vamos, precisa aceitar, amigo!”

Hyoga não tinha pressa para continuar com aquela conversa, provavelmente Ájax já estaria satisfeito apenas com a intenção da fuga de Lazar. Sorriu e levantou-se.

“Vou pensar a respeito.”

“Pense, amigo, pense com carinho. É a liberdade que nos espera, a liberdade!”

Um guarda homofalco aproximou-se, trazendo o jantar do prisioneiro. Sentindo o estômago roncar, Hyoga afastou-se e dirigiu-se para casa, onde Charis o esperava. No caminho, repetiu o diálogo a Ájax e tiveram uma breve conversa, da qual logo fugiu para retornar à cabana.

Era estranho pensar no quanto sua justiça voltara-se aos homofalcos nos últimos meses. A união daquelas criaturas aladas era tanta que ele começava a adquirir um espírito nacionalista, sob a influência do próprio Ájax. Talvez porque sua missão sagrada agora era proteger os homofalcos com a própria vida, até o último de seus dias. Talvez porque jurara fidelidade a eles. Ou talvez, simplesmente porque começava a aceitar que seu coração pertencia àquele lugar. Sinceramente, não se importava se Lazar morreria por sua causa. Se o prisioneiro queria qualquer dano aos homofalcos, era sua missão detê-lo e puni-lo com a morte. Não se importava com a sua morte, até desejava-a. Estaria ele se tornando, aos poucos, um homofalco?

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Charis recebeu-o calorosamente, já com sua refeição pronta e o remédio do lado, para limpar seus ferimentos. Por um momento, Hyoga pensou que Camus jamais lhe dera tanto trabalho, pois ele e Isaac apenas ocupavam-se de pequenas tarefas domésticas, como limpar a cabana. Não precisavam tratar os ferimentos do mestre todos os dias porque Camus raramente se feria. Ele, no entanto, voltava sempre sujo e coberto de ferimentos devido ao treinamento de Evan, não tinha tempo para cozinhar ou cuidar da casa. Em parte, sentia-se envergonhado por receber tanta ajuda de Charis.

“Bem vindo de volta, mestre. Posso tratar de seus ferimentos agora?”

Sentando-se no banco, comeu, enquanto ela limpava-lhe os rasgos do chicote. Apesar da dor, sempre tentava menosprezar seus ferimentos, colocando suas tarefas em primeiro lugar.

“Charis, fez tudo que mandei?”

“Sim, mestre. Mil voltas em torno da cidade e tantas flexões quanto o meu corpo agüentava. Com o cosmos, nem parece tão difícil quanto no começo.”

“Essa é a diferença entre um cavaleiro e um simples lutador. Amanhã quero que treine sua técnica de congelar.”

“Sim, como desejar.”

“Quando terminar de limpar os ferimentos, volte à sua casa. Deixe que cuido do resto por hoje. Amanhã será puxado.”

“Sim…”

A súbita tristeza da discípula o fez olhar para trás.

“Algum problema?”

Após um breve momento de silêncio, Charis jogou-se contra ele e abraçou-o, numa demonstração de afeto que o surpreendeu. Era o que ele mais desejava evitar em sua relação com a discípula, mesmo sabendo que era inevitável. Era o mesmo sentimento que Camus sempre tentara evitar e que ele precisava apagar, ainda mais depois de salvar-lhe a vida tão gentilmente há dois anos. Mostrando irritação, golpeou-a, derrubando-a ao chão.

“Mestre!”

“Nunca mais faça isso, Charis! Você não está em posição, entendeu?”

O olhar surpreso e confuso da discípula o fez levantar-se autoritariamente.

“Saia daqui. Agora!”

Assustada, Charis obedeceu e saiu da cabana. Hyoga voltou-se ao seu jantar, emburrado. Por mais que gostasse da pupila, precisava manter-se na posição de mestre e somente nela. Entre ele e Charis devia haver somente uma relação profissional e de respeito mútuo, que ela devia manter com todos os demais guerreiros. Sabia que as lembranças da viagem até ali o marcavam como uma pessoa gentil e de natureza pacífica, mas precisava destruir aquela imagem de qualquer forma pelo bem da educação de Charis.

Depois de comer, saiu de casa e dirigiu-se à residência de Myles, que o esperava para uma reunião sobre Aure. A primeira pessoa que surgiu à porta foi Tibalt, que dava os seus primeiros passos. Parou e ergueu os pequenos braços, pedindo colo. Hyoga combinara com os pais que só teria contato físico com seu futuro discípulo até os quatro anos de idade, quando as primeiras lembranças passariam a ser gravadas na criança. Como o bebê não guardaria qualquer lembrança daquele momento no futuro, sorriu e ergueu-o nos braços.

Myles aguardava-o na sala, tomando um chá. Eleni e Aure estavam no quarto, e a mãe apareceu à porta para pegar o bebê.

“Céus, ele sempre tenta fugir quando alguém abre a porta de casa. Desculpe, Hyoga.”

Hyoga devolveu-o aos braços da mãe e viu Aure encolhida no quarto de relance. Ignorou sua presença por ora.

“Em breve, tentará é fugir de mim.”

“Fique à vontade, rapaz. Sei que tem assuntos a resolver com Myles.”

Eleni fechou a porta e Hyoga sentou-se à mesa, no lado oposto a Myles.

“Hyoga, você está num estado lamentável.”

“Tive um pouco de azar no treino de hoje.”

“Parece que não foi só hoje.”

Hyoga detestava quando alguém tocava no assunto do treino, pois parecia que todos desejavam que ele desistisse de virar um soldado oficial. Desviou o olhar e decidiu ir direto ao assunto.

“Você verificou as asas de Aure?”

“Cada centímetro. Por mais que olhe e converse, Hyoga, é a minha irmã. Não entendo por que Ájax insiste tanto para questioná-la. É a minha irmã! Essas… fotos… não estão mostrando a realidade. Não é possível falsificá-las?”

“Possível é. Só que não acho que seja o caso. Não acredito que o Santuário e Shun mentiriam para mim, todos são meus amigos. Se Aure é uma homofalca genuína, não teremos escolha a não ser ceder às ordens de Ájax e dirigirmo-nos ao Santuário para verificar esse assunto.”

“Você sabe que isso não é tão simples. Tenho responsabilidades aqui. Além disso, como faremos para esconder minhas asas?”

“Eleni pode tomar conta de tudo, você sabe disso melhor do que eu. Além disso, se amarrarmos suas asas nas costas, não será difícil fazê-lo passar como um corcunda durante a viagem. O próprio Santuário de Athena ajudará nisso, não se preocupe.”

“É que… Sejamos sinceros, não quero ir ao mundo dos humanos. Acredito que há homens bons como você, mas… Há outros que não têm escrúpulos. Seqüestraram a minha irmã, machucaram-na. Não gosto do mundo dos humanos.”

“Eu sei. Mas não há outro jeito, há? Enquanto estiver comigo, minha missão será protegê-lo junto com Aure e o contato dos homofalcos.”

“Eu confio em você. E é por isso que não quero partir ainda, acho que é uma decisão precipitada, rapaz.”

“E o que sugere que façamos?”

“Minha sugestão é de segundo plano, não sou líder, não sou nada. Mas rogo atenção à Aure que se encontra em minha casa, ainda acredito que ela seja a verdadeira. Ela é tão traumatizada que tem medo de tudo que não tenha asas, inclusive de você. Estou preocupado com o bem-estar dela durante a nossa jornada, Hyoga.”

“Nada irá acontecer a ela, pois a protegeremos.”

“Eu bem sei disso. Mas como pode proteger uma pessoa que o teme? Não acha que estamos pressionando-a demais? Poderíamos aguardar um pouco, deixar que ela se acostume a você pelo menos, para não ter tanto medo durante a viagem.”

O pedido de Myles era bastante pertinente à visão de Hyoga. De fato, não seria fácil proteger Aure se ela fugisse de sua proteção a toda a hora e algo ocorresse durante a viagem. No entanto, não podiam demorar naquela missão, pois precisavam resolvê-la em nome de Athena.

“Tem razão. Mas não sei se consigo conquistar a confiança dela, Myles, pode levar meses.”

“Mas… Ela precisa disso.”

Um silêncio em forma de interrogação pairou sobre ambos, enquanto solviam goles esparsos de vinho que Eleni servira. Myles enfim terminou o copo e procedeu a conversa.

“Por que não a leva para a sua casa?”

“O quê?”

“Não pense em loucuras, por favor. É só até que se acostume a você e perca o medo. Então poderemos viajar com maisr segurança, o que acha?”

Essa era mais uma situação à qual Hyoga desejava fugir a todo custo. Não queria criar um vínculo afetivo mais profundo com qualquer pessoa, temendo que ela viesse a ser prejudicada com o fato de ser um cavaleiro de Athena. Sua mente escaneou alternativas, inutilmente, não encontrando outra solução ao problema. Bebeu mais vinho, tentando arranjar mais tempo para pensar. Quando estava na metade do segundo copo, Myles interrompeu-o.

“E então?”

Não havia alternativa a não ser ceder. Suspirou, antes de responder:

“Está bem. Ela pode vir, se Ájax não se opor.”

“Já conversei com Ájax a respeito, ele concorda.”

“Vocês estão conspirando contra mim.”

“Garanto que não, Hyoga. Só estou preocupado com minha irmã, só isso. Ela sempre teve muito medo dos humanos e voltou ainda mais traumatizada do seqüestro. Tenho medo do que possa acontecer a ela nessa viagem. Por favor, entenda.”

“Tudo bem, sei que está preocupado.”

“Ela será útil a você, eu garanto. Espere aqui.”

Myles voltou-se para o quarto e trouxe Aure, receosa.

“Aure… Lembra-se de Hyoga, o cavaleiro de Athena que a socorreu dos guerreiros de Prometeu?”

Nervosa e tímida, Aure tentava visivelmente fugir daquele encontro.

“Eu lembro… Meus cumprimentos, cavaleiro.”

“São recíprocos”, respondeu ele, calmamente.

“Aure, Hyoga está passando por um momento difícil em seu treino como soldado dos homofalcos em virtude da corrente de Prometeu. Sabemos todos que ele é um bom homem e que está dando o melhor para servir-nos bem.”

“Eu tenho certeza de que conseguirá se dar bem, cavaleiro.”

“Eu também acredito nisso”, sorriu Myles. “Sempre procuramos ajudá-lo, desde que chegou. Mas com o pequeno Tibalt, temo que a situação piore muito para ele, Aure. Portanto eu peço, irmã: poderia permanecer uns tempos com ele para cuidar dos ferimentos que não temos tempo de tratar?”

“Posso ir à casa dele todos os dias para isso, irmão.”

“Eu sei. Mas não é apenas nisso que ele precisa de ajuda. Como sabe, além de soldado, Hyoga também é mestre de Charis e ocupa grande parte de seu tempo com as tarefas simples da casa. Por favor, irmã, como prova de agradecimento e amizade entre nós… Poderia permanecer com ele?”

‘Isso é sujeira’, pensou Hyoga, brevemente. ‘Está claro que ela morre de medo de mim’.

Aure hesitou um pouco, mas assentiu, obediente.

“Como queira, Myles, meu querido irmão. Assim o farei.”

“Obrigado… Muito obrigado, Aure.”

Ao sair da casa de Myles com Aure ao seu lado, Hyoga quase se desesperou. O que ele devia fazer para conquistar-lhe a confiança? Sentia-se inseguro morando com mais uma pessoa, ainda mais uma mulher. Qualquer um pensaria que teria segundas intenções com Aure daquela forma. Sorriu-lhe, tentando parecer simpático.

“Vamos?”

Aure não respondeu, caminhou comportadamente como se fosse uma serva, o que lhe dava uma enorme aflição. Sabia que as mulheres homofalcas tinham sido criadas para ser submissas aos homens, mas em Kohotek era quase o contrário. Geralmente eram as mulheres que coordenavam todo o trabalho dos homens, numa convivência acirrada.

Mais complicado era porque não se tratava de uma mulher qualquer. Era da família dos homofalcos mais amigos seus e, ainda por cima, traumatizada com o tratamento dos humanos. Abriu a porta da cabana, deixando que ela entrasse primeiro, mas Aure recusou-se.

“Esse não é costume daqui, senhor.”

Sem graça, Hyoga entrou, mas continuou cortês a ela.

“Desculpe. Sou um humano desastrado nos costumes homofalcos. Mas não precisa ser tão formal. Gosto que me chamem apenas pelo primeiro nome.”

Logo ao entrar, Aure notou que sua cabana precisava de fato de uma limpeza. Imediatamente começou a arrumá-la, começando pela mesa. O peso na consciência em Hyoga era enorme com a desculpa de que ele precisava de uma empregada na casa. Por mais verdade que fosse, não sentia que era certo sujar, apenas.

“Eu ajudo.”

“Não se preocupe… Hyoga. Estou aqui para isto. Fique à vontade e descanse, por favor.”

Ainda não achava justo. Preparou sua cama com cuidado e em seguida mostrou-a para Aure.

“Não faça tudo hoje, já está tarde. Deixei a cama pronta, para quando quiser descansar. Aqui não é grande, espero que me perdoe pela falta de privacidade… Eu… Qualquer coisa que quiser, não tenha vergonha de pedir. Para dizer a verdade, não achei justo que Myles exigisse isso a você, pois sei que não se sente à vontade com humanos.”

“Não se preocupe… Não quero tirá-lo de sua cama, pois fica muito cansado após todos os seus compromissos.”

Aquela submissão exagerada irritava-o tanto que quase lhe disse para retornar para a casa de Myles. Porém, sorriu e voltou-se a um canto da sala, próximo à lareira.

“Não a está tirando, Aure. Estou simplesmente lhe oferecendo, pois não me sinto bem quando uma garota tem menos conforto que eu, só isso.”

Deitou-se no chão sobre o tapete e cobriu-se com um velho cobertor de pele. Não gostava do rumo ao qual a história o levava, mas sabia que não havia nada para atenuar sua situação.

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Quando Hyoga acordou, surpreendeu-se com a mudança do aspecto de sua casa. A desorganização típica de quarto de solteiro desaparecera como num passe de mágica. Sabia que não era trabalho para poucas horas. Provavelmente, Aure permanecera até tarde limpando sua casa e agora dormia encolhida. No chão.

Sem acreditar, ele levantou-se abismado e fitou-a. Dormia com a mesma roupa próxima à mesa, sem agasalho e encolhida de frio. Condoído, ele pegou-a nos braços para colocá-la na cama, mas Aure acordou, assustada. O momento era o pior possível. Ainda embalada com as lembranças do seqüestro, começou a gritar de desespero, enquanto ele tentava equilibrar-se na agitação.

“Espere, Aure! Calma!”

Desesperado, ele conseguiu colocá-la na cama e afastar-se, deixando-a acalmar-se. Enfim, gentilmente cobriu-a com um grosso cobertor.

“Desculpe, não quis assustá-la. Só queria que descansasse melhor na cama…”

Com a respiração rápida, Aure fitava-o amedrontada, como se tivesse sido atacada.

“Perdão. Juro a você, não tenho a menor intenção de prejudicá-la, Aure. Nem quero que fique desconfortável aqui. Por favor, use esta casa como se fosse sua, não tenha vergonha.”

Aure não parecia convencida. Hyoga repetia continuamente para si mesmo em seus pensamentos: ‘isso não vai dar certo’. Aquele era um dos momentos em que sentia a intuição mais forte. Sorriu, tentando acalmá-la.

“Fiquei maravilhado com a faxina que fez, deve ter dado um trabalho enorme. Muito obrigado mesmo.”

Os sons de batida na porta anunciavam o início do dia.

“Mestre, está aí? O que foi esse barulho?”

“Entre, Charis.”

Charis entrou e estranhou o novo aspecto da casa de Hyoga. Viu Aure na cama e engoliu seco, sentindo-se envergonhada. Ainda com a bronca de Hyoga do dia anterior na mente, não se atreveu a dizer mais nada.

Hyoga afastou-se dela e notou que passara da hora de iniciar o treino. Engolindo um pedaço de pão apressadamente, dirigiu-se à porta.

“Está na hora de começar o treino, não é? Vamos nos apressar. Aure, vejo-a mais tarde.”

Hyoga e Charis dirigiram-se à saída, e Charis parou no mesmo local, embora não demonstrasse ânimo para continuar. Sem esquecer-se do ocorrido no dia anterior, ele preferiu esclarecer-lhe a bronca.

“Charis, espero que não tenha esquecido que será uma poderosa líder dos homofalcos.”

“É claro que não, mestre.”

“E por isso deve saber que, como seu mestre, devo prepará-la para agir de acordo com as necessidades de seu povo e não embalada por meras emoções pessoais.”

“Eu já entendi, mestre. Estava errada ontem. Perdoe-me.”

“Tudo bem. Vou esquecer esse incidente e continuar. Sua tarefa hoje será congelar aquela pedra.”

Apontando para uma enorme rocha, Charis perguntou-se se seu cosmos estaria preparado para tal desafio. Seu pai aproximou-se voando, e Hyoga dirigiu-se a uma pedra do lado para dar uma demonstração.

“Veja como eu faço.”

Ájax não perdeu tempo: liberou o cosmos de Hyoga e pousou do lado, ficando a observar o treino. O cosmos de Cisne elevou-se aos céus e envolveu a pedra. Lentamente, o cosmos agia sobre cada átomo, congelando-o com facilidade. Hyoga procurava mostrar devagar para que Charis pudesse acompanhá-lo no modo como coordenava o seu poder. Por fim, a pedra rachou-se, desfazendo-se em inúmeros pedaços. Em seguida, Hyoga fez um sinal a Ájax, que lhe bloqueou novamente o cosmos. Naquele dia, combinaram controlar melhor o tempo que teria para usar o cosmos, para que pudesse utilizá-lo no treino, embora de forma limitada.

Abismada com o poder do mestre, Charis tentou imitá-lo, sem sucesso. Conseguia congelar a água, mas não era capaz de diminuir a temperatura de uma pedra a ponto de quebrá-la ao meio. Continuou tentando, sem parar. Ájax aproximou-se de Hyoga, enquanto a observava.

“Espero que não esteja chateado por não usar muito cosmos com Charis hoje.”

“Eu estou. Mas concordo com você. Terei de resolver meu impasse com Evan hoje. Já estou chegando ao meu limite, Ájax, sei disso. Talvez… nos próximos dias seja obrigado a desistir do treino de soldado.”

“Todos já confiam em você. Na taverna, já ouvi muitos dizerem que o respeitam, esteja ou não no exército.”

“É com esse apoio que conto. Hoje… Vou desafiar Evan para uma luta, um combate a dois.”

“Mas mesmo que vença, não será um soldado.”

“Eu sei. Mas quero deixar a marca de minha força nos homens e provar que estou num nível acima, bem acima. Isso definiria a minha autoridade como cavaleiro de Athena.”

“Mais ou menos. Significa que você não será um soldado, ou seja, continuará a ser um simples morador. A qualquer ordem sua, nenhum soldado será obrigado a obedecer. Se fosse um soldado, eles o respeitariam mais.”

“Sim. Não vou desistir por enquanto. Como disse antes, quero ir até onde o meu corpo suporta, até onde a dor me arranque a consciência. Só então desistirei.”

“Espero que vença hoje, ou terá sérios problemas.”

“Se não vencer… Nem quero pensar no que vai acontecer…”

“Geralmente quando alguém desafia Evan para uma batalha… sempre há apostas.”

“Entre os soldados?”

“Não, na luta. Caso perca, ele provavelmente exigirá algo de você. Se não for assim, muito ele tem a perder nessa luta.”

“Não posso perdê-la, então. Charis?”

A discípula ofegava, queimando o seu cosmos. Atirava suas pequenas rajadas de ar congelado, tentando cumprir sua tarefa do dia. Infelizmente, todos os seus golpes mostravam-se inúteis, conseguindo apenas uma fina camada de gelo.

“Não vou desistir, mestre! Juro que vou conseguir!”

“Você parece desconcentrada. Algo a aborrece?”

“Não, mestre, nada. Eu vou conseguir, vou treinar até que consiga.”

“Posso mostrar-lhe mais uma vez.”

Subitamente, ela fitou-o, nervosa.

“Não! Não precisa, mestre, consegui ver cada passo seu. Sou eu que preciso imitá-lo agora, e juro que vou conseguir! Você só precisa guardar o seu cosmos pra quando lutar contra Evan!”

“Então é isso que a preocupa?”

Sem responder, Charis voltou-se ao exercício. Esforçava-se mais para poupá-lo de qualquer demonstração de poder, pois sabia que Evan não seria um adversário tão fácil quanto Hyoga pensava. Queria ajudá-lo em algo, demonstrar – nem que fosse por um minuto – que se preocupava por ele. Queimou o cosmos o máximo que pôde e atirou uma rajada que causou uma enorme rachadura na pedra. Hyoga assentiu com satisfação.

“Conseguiu antes do que esperava. Muito bem. Agora…”

“Agora eu devo ir até as montanhas e treinar mais duzentas vezes, não é, mestre?”

“Isso é à tarde, Charis. Já que conseguiu tão rápido, quero testá-la na luta. Ájax, pode me fazer o favor? Não levará mais que alguns minutos.”

O desespero de Charis era tão grande que ela levantou vôo subitamente.

“Não, mestre! Não faça isso, por favor! Eu gostaria de treinar mais o meu cosmos para congelar qualquer coisa além das pedras. Vou agora às montanhas, e você… Boa sorte na luta.”

“Charis, não precisa se preocupar, esqueça que tenho uma luta com Evan.”

“Boa sorte na luta, mestre.”

“Já chega, Charis, você deve obedecer-me!”

“Não posso! Não posso ser um peso, e quero que você derrote Evan. Quero que tenha sorte na luta.”

Embora não estivesse em posição para interferir naquela discussão, Ájax concordou com Charis.

“Hyoga… Não quero intrometer demais no treino de Charis… Mas acho que ela tem razão em preocupar-se com você. Seja mais razoável, tenho certeza de que ela deseja que a treine usando o seu cosmos, mas tem fortes motivos para desobedecê-lo. Jurei que só poderia deixá-lo usar o cosmos durante uma hora. Se esse tempo acabar, e Evan ainda estiver de pé… Não poderei fazer nada.”

Considerando os sentimentos de Charis e o comentário de Ájax, Hyoga cedeu e sorriu.

“Está bem. Obrigado por sua preocupação, Charis. Desculpe por atrapalhar o seu treinamento com os meus problemas.”

Charis sorriu-lhe de volta e partiu voando. Embora não tivesse mais aquela relação gentil de antes do treino, sabia que Hyoga ainda a estimava de uma maneira diferente. Sentia-se de certa forma afortunada por tê-lo como mestre. Até o dia anterior, perguntava-se se fizera a escolha certa. Suas dúvidas desapareceram quando ele correspondeu à sua preocupação. ‘Ele não me odeia, afinal’, pensou.

—————————————————————–
Seu coração batia mais forte naquela tarde, quando todos se reuniram para treinar. Hyoga colocava-se na frente de todos, já preparado para lançar seu desafio. Evan entrou encarando-o seriamente, sentindo o pesado clima. Desde que Hyoga demonstrara o forte cosmos, Evan sentia-se ameaçado e impunha-lhe exercícios cada vez mais pesados.

“Vocês vão treinar duro hoje, seus imbecis. Exercício forte, com muito cosmos!”

Hyoga já esperava por aquilo. Se deixasse, sairia com as costas ainda mais marcadas. Adiantou-se, elevando a voz para que todos pudessem escutar.

“Espere, senhor!”

A tensão entre os homofalcos cresceu. Evan encarou-o e parou à sua frente, sem medo.

“O que foi, seu inútil? Finalmente criou juízo e resolveu desistir do meu treinamento?”

“Eu quero desafiá-lo num combate a dois! Quero provar que sou melhor guerreiro que você, Evan, líder do exército dos homofalcos!”

“E se você vencer, provará que está apto a ser soldado sem passar pelo resto do treino… Só porque demonstrou seu cosmos outro dia, acha que poderá me vencer?”

“Eu acho, senhor.”

Irritado, Evan olhou em volta e notou que todos tinham sua atenção à sua resposta. Se recusasse, seria considerado um covarde. Se aceitasse, poderia ser massacrado. Contudo, sabia que Hyoga não podia controlar o cosmos por mais de uma hora.

“Seu cosmos só pode ser utilizado por uma hora, estou errado?”

“É isso mesmo. E nessa uma hora, tentarei vencê-lo e provar minha superioridade como lutador.”

Hyoga achava que Evan detestaria tal desafio, mas o homofalco simplesmente sorriu sadicamente.

“E o que fará, se perder? Não posso entrar nessa sem ganhar uma recompensa. Fará o que eu impor, independente do que for?”

Deixar o pedido aberto certamente trazia uma insegurança enorme ao espírito do cavaleiro. Não podia aceitar qualquer situação.

“O que desejará, se vencer?”

“Eu decidirei na hora. Ou está com medo de perder? Espero que não esteja entrando nessa para ser massacrado, rapaz.”

“Eu tenho promessas a cumprir aos homofalcos.”

“Não se preocupe, prometo que não impedirei que cumpra seus deveres e suas promessas.”

Aquele era o ponto final do acordo. Hyoga sabia que não havia mais como recuar.

“Está bem, você tem a minha palavra.”

Imediatamente, os homofalcos se afastaram e abriram espaço para a luta. Ájax, que também viera para acompanhá-los, colocou-se entre ambos como o juiz.

“Esta batalha não terminará enquanto um dos dois não cair inconsciente ou se declarar perdedor. Caso Hyoga vença, será oficializado imediatamente como soldado dos homofalcos. Caso perca, deverá submeter-se à imposição de Evan.”

Mais homofalcos de fora se reuniam para ver a batalha. Logo, até as mulheres abandonavam as estufas para ver a luta que seria assunto por dias na cidade. Hyoga e Evan tomaram distâncias um do outro, preparando-se. Ájax queimou o cosmos, deixando-o em sintonia com a corrente de Prometeu. Precisava dar o sinal no mesmo instante em que soltaria o cosmos de Hyoga. Trouxera consigo uma ampulheta de forma a não ser imparcial no tempo de liberdade do cavaleiro.

No mesmo instante em que deu o sinal do início da batalha, liberou o cosmos de Hyoga, que se lançou furiosamente sobre Evan. Precisava, acima de tudo, acabar o mais depressa possível com aquele combate. Não hesitou; queimou o cosmos e atirou um magnífico Aurora Thunder Attack de forma a terminar tudo com um só golpe.

A velocidade e a força eram incomparavelmente superiores às de Evan, derrubando-o no chão com força. Interjeições de espanto foram ouvidas entre os homofalcos, enquanto Hyoga continuava a atacar impiedosamente. Logo em seguida atirou um Diamond Dust, que Evan conseguiu desviar rolando no chão. Aproveitando a velocidade de suas asas, o homofalco lançou-se no ar e queimou o seu cosmos de fogo, que caiu desastrosamente no solo. Logo um círculo de fogo havia se formado em torno de Hyoga, que respondeu com um sorriso.

“Não espera que eu vá ficar parado com isso.”

O ar congelado que Hyoga espalhou foi tão intenso que congelou as chamas, transformando-as em pó. Em seguida, provocou uma nevasca, atingindo toda a região. A neve tocava aos poucos o corpo de Evan, congelando-o à distância. Sem outra opção, o homofalco foi obrigado a descer, queimando todos os flocos de neve que surgiam em seu caminho.

“Você não pode lutar à distância, Evan. Por um acaso não é conhecido como o guerreiro mais corajoso dos homofalcos?”

Evan fitou-o com tanta raiva que seu cosmos explodiu por todos os cantos. Mesmo o público precisou afastar-se mais para não acabar queimado.

“Você logo irá descobrir por que sou chamado assim, miserável.”

De repente, o cosmos de Evan em torno de seu corpo converteu-se em fogo, tornando-o uma tocha viva. As asas o ergueram novamente do solo e ele partiu loucamente para cima do adversário, derretendo toda a neve no trajeto.

Surpreso com o ataque, Hyoga só teve tempo para desviar-se. Seu peito queimou-se levemente, apesar de não ter sido tocado. Evan deu meia-volta e desceu novamente em seu ataque suicida, em grande velocidade. Desta vez, Hyoga estava preparado. Desviou-se com maior segurança e contra-atacou de leve, com uma farpa de gelo que, apesar de ter sido logo derretida, foi suficiente para ferir seu oponente.

Evan não desistiu; continuava a voar e a atacar continuamente, enquanto Hyoga atacava aos poucos. O tempo passava e o homofalco mostrava-se persistente demais. Querendo acabar logo com a batalha, Hyoga decidiu não mais esquivar-se. Queimando o cosmos de gelo para proteger-se do fogo, chocou-se contra a pesada investida de Evan, bloqueando-o.

Foi necessária toda a força de seu corpo para deter o avanço de Evan, mas Hyoga pôde fixar-se no mesmo local. Com o cosmos, congelou-o com tanta força que anulou o fogo em volta e aplicou seu Kholodnyi Smerch, soco que se chocou no queixo e o atirou longe.

Os ferimentos de Evan, depois do ataque suicida e do golpe de Hyoga, eram visíveis de longe. Hyoga achava que a batalha já tinha chegado ao fim, mas Evan não tinha perdido a consciência. Levantou-se com dificuldades e assumiu postura de batalha. Sua atitude lembrava Seiya ao levantar-se, sem desistir. Sabia que precisava quebrar aquele espírito.

“Agora entendo por que é tão elogiado. Você conquistou o meu respeito, Evan.”

“Eu ainda não mostrei nada, cavaleiro de Athena.”

O cosmos de Evan queimou vigorosamente, ainda com vontade de lutar. Hyoga não quis esperar para ver o truque. Queimou o seu cosmos e preparou-se para aplicar outro Aurora Thunder Attack. Elevou-o até o sétimo sentido, como aprendera com o seu mestre, não querendo subestimar o inimigo à sua frente.

“Magma Flood!”

O cosmos de fogo expandiu-se de forma tão aterradora que muitos homofalcos saíram de perto, temendo serem atingidos no meio. Hyoga não teve medo. Sabia que nenhum fogo o alcançaria se o ar congelado fosse frio o suficiente. Lançou seu ataque, que claramente mostrou-se superior e atingiu Evan diretamente, congelando-o. Gritando de dor, Evan caiu, e todos pensaram que era o final da batalha, mesmo Ájax.

Quando o líder dos homofalcos estava prestes a declarar Hyoga o vencedor, Evan ergueu-se novamente. Seu corpo estava parcialmente congelado, mesmo sob a camada de fogo que ele criara sobre si para descongelar-se. Quanto mais tempo decorria, mas preocupação ambos os lutadores acumulavam. Se Hyoga não o vencesse em breve, com certeza perderia. Por outro lado, Evan não tinha como derrotar o Hyoga em sua plena forma.

Hyoga não queria mais perder tempo e avançou com pressa contra Evan. Se desse mais um Kholodnyi Smerch, as chances de Evan perder a consciência eram grandes. Contudo, no último momento, Evan conseguiu desviar-se, caindo no chão e em seguida alçando vôo. Ainda queimando o cosmos, começava a livrar-se do gelo do Aurora Thunder Attack.

Novamente, Hyoga não desistiu. Explodiu o seu cosmos e envolveu Evan de gelo no ar, como um caçador a lançar uma rede. Quando o oponente desceu um pouco, atirou outro Aurora Thunder Attack, derrubando-o no chão.

Nesse ponto, quase não existia mais força em Evan. Os homofalcos assistiam em silêncio, presenciando a derrota vergonhosa de seu líder militar. Mas Hyoga não o via assim. A persistência que Evan demonstrava na batalha devia possuir motivos profundos, ou já teria caído derrotado. Tinha ele tanta raiva dos humanos a ponto de recusar-se perder para um?

Para o seu desespero, Evan voltou a levantar-se, num estado tão lamentável que muitos lhe disseram para desistir. Irritado, gritou:

“Calem a boca! Eu vou vencer este traste, nem que morra tentando!”

Hyoga reassumiu a postura de batalha, lembrando-se de Seiya, e decidiu que não podia mais lutar para deixá-lo inconsciente. Elevou seu cosmos ao máximo e ergueu os braços para o alto, na posição da Aurora Execution.

“Você não liga se eu matá-lo, Evan?”

“Eu não vou morrer, cavaleiro, juro que não. Eu vou provar que posso. Por eles…”

“Por quem?”

“Não é da sua conta. Vamos, pode atacar-me!!”

Naquele momento, ele sentiu que seria injusto não premiá-lo com sua técnica mais poderosa. Seu cosmos era tão imenso que congelou todo o chão que Evan queimara em seus ataques.

“Se sobreviver a este ataque, Evan, orgulhe-se. É o golpe mais poderoso de um cavaleiro de gelo.”

“Pois venha! Verá por que não pode vencer-me, cavaleiro estúpido!”

O ataque era rápido demais para defender-se. O cosmos era tão frio quanto o zero absoluto. Era impossível perder. Hyoga desceu os punhos com tudo que tinha, sabendo que lidava com um guerreiro tão teimoso quanto o Seiya. A formidável Aurora Execution arrastou Evan por mais de cinqüenta metros, congelando tudo à volta. Era o último golpe que aquela hora permitia. Era o seu último recurso.

A estátua de gelo indicava o fim do combate. O boneco congelado de Evan trouxe exclamações entre os homofalcos e Ájax ergueu o braço anunciando o final do combate. No mesmo instante em que o último grão da ampulheta caía sobre o pequeno monte no fundo do marcador, seu cosmos era bloqueado pela corrente de Prometeu.

Contudo, o cosmos de fogo ainda explodiu da estátua. De uma rachadura da estátua, escorreu um magma que comia o chão e derretia toda a neve, enchendo o local de vapor. Em seguida, Evan conseguiu quebrar o gelo parcialmente e erguer-se no ar com as asas feridas.

“Eu não perdi a consciência, Ájax, a luta ainda não terminou. O vencedor disso… O verdadeiro protetor dos homofalcos… Sou eu!”

Os homofalcos alçaram vôo, evitando serem queimados pelo magma, que inundava todo o campo. Mas Hyoga, sem asas ou cosmos, estava indefeso. O cosmos de Evan queimou fortemente, lançando sobre o cavaleiro um jorro violento de magma.

Sabendo que não sairia vivo daquilo, Hyoga não teve outra escolha. Ergueu o braço e gritou em desespero:

“Espere!!”

Evan deteve o ataque a pouco centímetros do oponente e sorriu. Hyoga olhou para baixo e admitiu o que não pensara que fosse ocorrer:

“Eu perdi.”

Imediatamente, inúmeros gritos de vitória surgiram, comemorando a vitória de Evan. Mesmo que doesse admitir, Hyoga sabia que perdera, não por seu poder, mas pela persistência de Evan. Desfazendo o magma em volta, o homofalco desceu sorridente, apesar dos ferimentos.

“Agora sabe que não deve subestimar um guerreiro homofalco, cavaleiro imbecil. Ou melhor… escravo. Essa é a minha exigência. A partir de hoje, jure que sempre me servirá nessa condição.”

Imediatamente, Evan iniciou aquilo que sempre desejou fazer em Hyoga. Socou-o com tanta força que o cavaleiro caiu no chão, atordoado e sem poder defender-se. Chocado, Ájax aproximou-se, tentando amenizar a situação.

“Espere, Evan. Hyoga provou ser superior a você na batalha, não deve cantar tanta vitória.”

Hyoga no entanto, sabia que não era verdade. Era como quando Seiya erguia-se determinado a vencer uma batalha, quando vidas estavam em jogo. Sabia que Evan possuía algum motivo forte para vencê-lo naquela batalha, mesmo que tivesse se aproveitado dos limites do cosmos e das asas. Conseguira sobreviver a uma Aurora Execution no zero absoluto.

“Não, Ájax, ele tem razão. Eu perdi esta luta. Desculpe.”

Rindo, Evan pisou a cabeça de Hyoga e anunciou:

“Muito bem, é o final do show! Voltem às suas casas, não há mais nada a ver aqui! Soldados, estão dispensados por hoje!”

Aos poucos, os homofalcos saíram voando, comentando o resultado da luta. Ájax permaneceu com o olhar hostil, desafiando Evan.

“O que vai fazer com ele, Evan? Não pretende matá-lo, não é?”

“Você sabe que não sou esse tipo de homofalco. O que está esperando, Ájax? Ele irá voltar vivo para casa direitinho hoje… Depois de descontar nele todo o meu rancor. Saia daqui, dê o fora.”

Sabendo que Evan não sossegaria enquanto não comemorasse o resultado da batalha, Ájax abriu as asas, relutante, e partiu. Evan sorriu para Hyoga.

“Você me subestimou, cavaleiro.”

Subestimara-o? Se tivesse usado a Aurora Execution desde o início, talvez tivesse ganhado. Talvez. Se aprendera algo com Seiya, era que se levantar infinitamente após os golpes independia de quão poderosos eles eram. Não. De fato perdera pelos motivos. Ele só queria arrebatar a confiança do exército dos homofalcos. Evan devia ter um motivo muito mais forte. E mais nobre.

“Eu não hesitei… no combate.”

“Ouvi dizer que os cavaleiros de Athena eram os guerreiros mais fortes do mundo. Mas isso não é suficiente para dobrar um coração homofalco, não é?”

Aquela conversa irritava-o mais do que a surra que levaria à tarde e o fato de ter virado um escravo de Evan. Hyoga queria pular aquele diálogo o quanto antes e ir aos próximos passos.

“Já chega. Admito que perdi, Evan. Quer parar de tagarelar? Ou da próxima vez arrancarei a sua cabeça com uma estaca de gelo.”

O homofalco riu e chutou-o nas costas. Hyoga suportou a dor sem reclamar.

“Controle suas palavras, escravo. Ou quer ser punido?”

“Já disse para parar de tagarelar. Eu sei que vai me espancar de qualquer jeito, faça-o logo de uma vez.”

Evan riu e chutou-o diversas vezes, utilizando o cosmos. Hyoga vomitou sangue logo depois e gemeu de dor.

“Está sofrendo? Você ainda não viu nada.”

Hyoga fechou os olhos com pesar. Definitivamente, desafiar Evan fora a pior idéia que tivera desde que chegara à cidade.

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