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[Spiral] Outono, escrita por Madam Spooky

Capítulo: único
Fandom: Spiral
Autora: Madam Spooky
Gênero: Drama, Universo Alternativo.
Classificação: Livre
Status: Completa
Resumo: Ayumu Narumi e Yuizaki Hiyono. Um encontro casual em um dia de outono.


Shortfic escrito para o desafio dos 140 temas do fórum Mundo dos Fics, com o tema "Outono".



Nenhuma outra estação fazia com que a propriedade da família Narumi parecesse tão grandiosa quanto o outono. Embora Narumi Ayumu, o membro mais jovem da outrora proeminente família estivesse sempre se perguntando o porquê da sensação, ele nunca obtivera de si mesmo uma resposta satisfatória. Talvez fosse o efeito causado pelas folhas amareladas que se desprendiam das enormes árvores em volta, seguindo o vento em perfeitos espirais; talvez fosse apenas porque o outono era sua estação favorita, nem brilhante nem cinzenta, nem escaldante nem gelada, um agradável meio terno entre o verão e o inverno.

O que mais o agradava, porém, era que a vizinhança se tornava praticamente deserta aquela época do ano. As pessoas costumavam inspecionar suas propriedades durante o verão, fugindo do calor opressivo da cidade grande, e igualmente durante o inverno, dessa vez para apreciar os montes cobertos de neve e o lago congelado perfeito para patinação. Ayumu nunca se sentira à vontade na companhia de muita gente, especialmente os jovens os quais considerava particularmente inconvenientes. Preferia caminhar sozinho por entre os cedros, tendo por companhia o canto dos pássaros e o farfalhar do vento penetrando as copas das árvores. Costumava dar longas caminhadas, perdido em pensamentos, retornando a época em que seus pais ainda viviam e a mansão costumava estar sempre cheia de conversas e risos, frequentemente abafados pelo piano de Kyotaka.

Aquele ano em especial, ele viera uma semana mais cedo. Seus negócios na cidade não pediam atenção imediata e, incapaz de relaxar estando em meio aos ruídos característicos e constantes, além dos inevitáveis convites para reuniões, acabou por decidir que não havia razão para não viajar o quanto antes. Enquanto caminhava, pensava sobre essa repentina mudança na rotina de todos os anos e se ela haveria de significar alguma coisa. Era um homem jovem, mas já passara por tantas adversidades, fora vítima de tantas decepções e perdas, que volta e meia se pegava questionando a razão das coisas acontecerem. Não acreditava em acaso ou destino, mas em uma combinação de ambas as coisas, o que o levava a estar sempre atento ao primeiro, temendo tornar-se vítima das próprias escolhas. Imerso em suas reflexões, só percebeu que saíra da proteção das árvores quando um sopro cortante de vento atingiu seu rosto repentinamente.

Além do pequeno bosque, havia o lago. Permanecia descongelado, mas as águas eram escuras como um aviso de perigo. Ayumu olhou para a margem com uma expressão saudosa que se desfez no instante em que percebeu que não estava sozinho. De pé, imóvel, quase perto o bastante para molhar as solas dos sapatos, uma jovem contemplava a paisagem fixamente. Vestia-se com elegância e apropriadamente para o clima severo da estação nas montanhas e seus cabelos estavam soltos e esvoaçantes. Foi esse detalhe que Ayumu notou primeiro. Os cabelos dela, diferente de qualquer mulher que ele conhecesse nas redondezas, eram da cor das folhas de outono.

- Com licença, essa é uma propriedade particular – ele ouviu sua voz soar rouca e hesitante, diferente do tom firme que lhe era habitual. Por um instante imaginou o rosto daquela mulher e não pode conter uma ponta de decepção quando ela se virou, visivelmente surpresa, por não possuir a beleza espetacular que ele previra. Sua pele era branca e seus traços comuns. Não haveria nada de especial em sua aparência se não fosse a cor alaranjada dos cabelos que continuavam a balançar na direção das montanhas.

- Sinto muito, estava apenas visitando a região – ela respondeu um instante depois, com um ligeiro sotaque ocidental. – Vivi perto daqui anos atrás, ainda havia pelo menos uma dúzia de famílias instaladas pelas redondezas... Sinto muito se estiver incomodando.

Franziu o cenho e o encarou, esperando uma resposta. Ayumu deu de ombros e colocou as mãos nos bolsos do sobretudo. O ar estava ficando rapidamente mais frio e ele negligenciara calçar um par de luvas antes de sair da casa.

- Não tem importância – respondeu. E antes mesmo que pudesse pensar a respeito, estava andando na direção do lago, parando há apenas um metro da desconhecida e perguntando como ela se chamava.

- Yuizaki Hiyono – ela disse de muito boa vontade. Estendeu a mão, mas, vendo as de Ayumu protegidas no interior da vestimenta, recolheu-a com um olhar de desculpa. – Minha família viveu aqui quinze anos atrás, tínhamos negócios com os Narumi antes... – fez uma pausa como se pensasse no que deveria dizer. – Mudamos para a Alemanha. Eu tinha muita vontade de ver esse lugar novamente. Me trás tantas lembranças.

Yuizaki, Ayumu pensou. Ele lembrava-se do nome. Seus pais tinham planos de casar seu irmão mais velho com a filha mais jovem deles. Olhou mais atentamente para a garota. Naquela época vivia em um colégio interno no exterior, por isso nunca a conhecera. Quando Kyotaka contrariara a família e fugira com uma jovem de classe inferior, apenas para morrer em um acidente estúpido um ano depois, Ayumu vez ou outra se pegara pensando no que poderia ter acontecido com ela. Teria odiado seu irmão ou sentira alívio pelo fim do compromisso? Kyotaka nunca falara muito sobre ela e os anos trataram de enterrar sua curiosidade.

- Eu amo essas montanhas – Hiyono estava dizendo. – Houve uma época em que pensei que seria feliz aqui para sempre. Você tem sorte de viver na região, senhor...

Ela o olhou interrogativamente, mas ele não lhe deu um nome. Pensou em dizer que aquele não era, absolutamente, um reino encantado de contos de fadas. Ali, como em qualquer outro lugar no mundo, não havia ‘feliz para sempre’. Ele era a prova viva deste fato.

- Quem nunca foi feliz? – disse mais para si mesmo que para ela. – Mas é uma bobagem pensar que vai durar para sempre. - Suspirou, lembrando as muitas vezes em que o sofrimento o fez pensar se realmente valia à pena experimentar a felicidade quando a sensação era tão efêmera.

Olhou para a jovem ao seu lado e percebeu que ela o fitava com um sorriso secreto. Sentiu-se incômodo, mas estranhamente atraído. Pegou-se desejando saber o que se passava pela cabeça dela.

Desviou os olhos para o lago. As mãos, ainda nos bolsos, estavam ficando rijas pelo frio e ele pensou que seria melhor voltar para a casa. Abriu a boca para perguntar, por mera educação, se Hiyono ficaria bem, mas ela falou antes dele:

- Anos atrás meus pais planejavam me casar com um jovem herdeiro de uma propriedade próxima. – Ela sorriu. – Eu não sabia o que pensar. Tinha uma porção de sonhos infantis sobre príncipes encantados e reinos de contos de fadas. – Lançou um breve olhar para Ayumu que o fez imaginar se ela sabia o que estivera pensando um pouco antes. – Quando o conheci, porém, me conformei. Não o amei, mas pensei que havia coisas muito piores do que me casar com ele. Ao contrário do que costumam pensar, uma menina que sonha em viver feliz para sempre nem sempre acredita que isso será um fato.

- Você não o amava? – Ayumu surpreendeu-se. Kyotaka era tão perfeito em todos os sentidos, sempre tão reverenciado, que lhe era difícil acreditar que falavam dele. Como alguém podia conhecê-lo e permanecer indiferente?

- Ele era tão perfeito – Hiyono fez eco de seus pensamentos. – Mas estava errado. Ele às vezes falava em seu irmão mais jovem, Ayumu. Nunca o conheci. Ayumu Narumi partiu muito jovem para um colégio interno na Europa. Kyotaka o descrevia como uma criança que não estava interessada em ser mais do que realmente era. Talvez não fosse o bastante para os pais deles, mas era a maneira certa de se viver. – Sua voz tornou-se quase inaudível quando ela acrescentou: – Eu costumava desejar que Kyotaka fosse mais como aquele irmão...

Hiyono contemplou a paisagem, da qual os distintos sons destacavam-se no silêncio, indiferente ao impacto que suas palavras causaram no homem a seu lado. Por fim, abriu um largo sorriso para o céu e rodopiou uma vez, correndo para o atalho do bosque de onde provavelmente viera.

- Eu vou para casa agora – disse enquanto se afastava. – A casa do outro lado do bosque, se você um dia quiser me dizer como se chama.

Ayumu balançou a cabeça e a observou desaparecer. Os cabelos, flutuando atrás, causavam um maravilhoso efeito ao passarem pelas árvores, cujas folhas amareladas continuariam a se soltar até o final da estação.

Pensou em sua casa, como fora um dia, quente e convidativa. Feliz. Pensou em seu não tão perfeito irmão mais velho e nas coisas que ele confidenciara a uma menina enquanto, no íntimo, planejava sua libertação. Por fim, pensou nas paredes de pedra da mansão, no bosque de cedros altos e no porquê de tudo parecer tão diferente no outono, tão melhor. As folhas estavam caindo, partindo, mudando. Ele que sempre pensara tanto nunca entendera.

Havia um sorriso triste em seu rosto quando partiu para casa. Teria sido aquele encontra obra do acaso ou destino? Deu de ombros. Ambos, talvez. Simplesmente algo a se esperar do outono.


FIM

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