Capítulo Anterior - Último Capítulo
Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.
A segunda porta era maior que a primeira: possuía o dobro de largura e de altura e carregava na frente uma espécie de brasão, onde havia o símbolo de uma chama. Provavelmente era referente ao fogo que Prometeu roubara dos deuses. Assim que desceram, as folhas da porta se abriram misteriosamente, como se os convidasse a entrar.
Os cavaleiros assumiram postura de batalha, e os soldados colocaram-se à frente para protegê-los.
“Eu vou na frente”, disse Anatole. “Assim, se formos atacados, meu sangue os protegerá.”
Assim que entrou, Anatole desviou habilmente de um ataque de cosmos. Segurou a espada com ambas as mãos e concentrou-se no inimigo que havia adiante. Entretanto, surpreendeu-se com a visão.
“Você!”
Os cavaleiros e Charis correram para dentro e viram que o inimigo era um rapaz homofalco, que trazia consigo grande quantidade de cosmos. Sua fisionomia lembrava Átias, mas era visivelmente mais jovem.
“Parece que finalmente chegaram… Eu estive esperando por vocês. Os traidores.”
“Quem é você?!”
“Meu nome é Vasilios, filho de Timeus e irmão de Átias. Por muito tempo esperei por vocês.”
“Não pode ser”, comentou Hyoga, ao vê-lo. “Achava que Átias fosse o último inimigo forte. Mas o cosmos dele não é normal!”
“Surpreso? Átias não era o único braço forte do senhor Prometeu, cavaleiro de Athena. Agora… Quem entre vocês é o líder dos homofalcos?”
“Sou eu”, disse Charis, sem medo. “Sou Charis, filha de Ájax.”
“Eu não acredito, uma criança. Então agora os homofalcos estão tão fracos a ponto de colocarem uma garotinha como líder? Que piada!”
“Meça as suas palavras, eu sou uma orgulhosa guerreira dos homofalcos, Vasilios!”
“Então vamos decidir isso agora, garota, pois eu tenho o direito de ser o líder! E eu vou dizer a todos os homofalcos a verdade, que todos deveriam morrer!”
“Isso é o que você pensa…”, murmurou a garota, queimando o cosmos.
“O meu povo cometeu suicídio coletivo, exatamente como manda o nosso orgulho. Vocês são os únicos que se recusam a manter a palavra. Eu vou mudar isso, tirando-a da liderança, pequena Charis.”
“Então todas aquelas pessoas…”
“Todas eram homofalcas orgulhosas de suas origens. Você também devia ser!”
“Vasilios”, interrompeu Saori. “Diga-me onde está Prometeu.”
“Por ser a minha deusa Athena que pergunta, toda resposta concederei. Meu senhor Prometeu encontra-se no fundo desta fortaleza, no canto mais escondido. Mas antes de avançar, terão de passar por mim. A passagem cedo apenas à deusa e aos seus seguidores, os cavaleiros. Aos homofalcos, a honra não me permite dar-lhes perdão.”
“Com um massacre daqueles, até parece que você tem alguma honra”, resmungou Hyoga. “Pois se deseja lutar, eu posso dar-lhe a mais difícil que já teve.”
“Não”, disse Charis, em resposta. “Você deve seguir com os cavaleiros, mestre. Eu resolvo isto.”
No mesmo instante, Hyoga perguntou-se se Charis estaria apta a tal oponente, mas a discípula não demonstrava qualquer traço de hesitação. Além disso, suas palavras vinham com autoridade, que ele prometera jamais questionar. No entanto, era inevitável o sentimento de preocupação com a discípula.
“Charis, você deve usar Luna na batalha.”
“Esta é uma observação muito bem lembrada, mestre. Pegue.”
Charis atirou Luna em suas mãos e sorriu.
“Nós temos cosmos de fogo, portanto não precisamos de Luna para nos manter aquecidos. Mas vocês, sim. Se por um acaso eu cair, vocês precisarão estar com Luna para voltar.”
“Charis, não foi isso que eu…”
“Eu sei. Mas mestre… Eu vou vencer Vasilios com minhas mãos nuas, à moda dos cavaleiros, exatamente como você me ensinou. Não… com tudo o que me ensinou. Vou mostrar a Vasilios o que é ser um verdadeiro líder.”
Diante do olhar confiante da discípula, Hyoga compreendeu. Aquela já não era mais sua batalha, mas da discípula; era um teste ao qual ela se submetia para provar que era digna de seus ensinamentos e de sua posição entre os homofalcos. Ele só atrapalharia se continuasse ali.
“Charis… Está bem. Mas não se esqueça das promessas que ainda precisa cumprir para mim.”
“Eu nunca esqueceria. Vá!”
Hyoga correu atrás dos amigos, carregando Luna em uma das mãos. Sem o mestre, Charis sentiu-se num território desconhecido, num campo sobre o qual jamais caminhara. Mas ela estava munida dos instrumentos necessários para aquela empreitada, todos fornecidos por seu mestre. Pensando nas vezes em que ele se sacrificara para que ela pudesse ter um treino decente, sentiu-se afortunada por tê-lo escolhido como mestre, quando seu pai lhe abriu a possibilidade da escolha. Ela queria o melhor. Ela teve o melhor.
“Soldados, esperem-me lá fora.”
“Mas Charis…”
“Isto é uma ordem!! Obedeçam-me!!”
Perturbados, os soldados obedeceram, e Charis viu-se sozinha com Vasilios. Vencer aquela batalha não era apenas mostrar que fora uma boa discípula, mas provar a excelência de Hyoga como guerreiro e professor. Ela não carregava somente a própria honra, mas a de todas as pessoas que a viram crescer. Precisava vencer, a qualquer custo.
“Meu mestre é um grande homem. Vou provar isto aqui, nesta batalha. Venha, Vasilios.”
O homofalco riu e assumiu postura de batalha; para ele, era como enfrentar um verme.
“Não vá chorar depois, garotinha. Não pense que vou brincar de luta com você!”
O cosmos do homofalco explodiu fortemente, mas Charis não se assustou. Quantas vezes ela vira o cosmos de Hyoga explodir à sua frente, com a força de um cavaleiro de ouro, expandindo-o a limites desconhecidos? Comparado ao seu mestre, Vasilios não era nada. Queimou o cosmos com calma, o suficiente para preparar uma boa defesa. ‘Não devo desperdiçar poder’, pensou. ‘Hyoga não quer que eu me desespere num momento destes.’
A rajada de cosmos veio rápida, num ataque direto que Vasilios acreditava ser o suficiente para uma menina. Charis, no entanto, não teve problemas para saltar e desviar-se no último instante, tal qual Hyoga ensinara. ‘Mudo de posição para ter mais campo de batalha, observo os movimentos do golpe para que ele não me atinja mais. Já vi esse golpe!’
Surpreso, Vasilios sorriu.
“Parece-me que você não é tão fraca como imaginei. Mas ainda assim é um rato assustado. Aposto que esta é a sua primeira batalha fora do campo de treino. Não está nervosa? A vida real é bem diferente de um treino, garota. Um escorregão e você morre!”
Naquele momento, palavras de Hyoga, nascidas da memória, invadiram a sua mente como se aquele fosse um treino. ‘Numa situação real, seu inimigo provavelmente tentará desconcentrá-la ou deixá-la nervosa, Charis. Um verdadeiro cavaleiro não pode deixar-se levar por meros insultos ou intimidações, porque ele é um profissional da guerra e da arte da luta. A isso e somente a isso ele deve ater-se.’
Não respondeu de volta. Seus olhos estavam concentrados nos movimentos de Vasilios; seus pensamentos estavam voltados às estratégias que poderia utilizar na batalha. Esperou pelo próximo ataque, não tinha pressa. ‘Sua melhor chance está no contra-ataque, Charis. Se o seu oponente estiver confiante demais, tome essa atitude como vantagem e surpreenda-o com um contra-ataque indefensável. Atinja-o num ponto vital para matá-lo.’
“Está com medo? Vamos ver como se sai na minha próxima investida!”
O cosmos queimou com mais força, e Charis notou que Vasilios estava para usar uma técnica especial. Aumentou o poder de seu cosmos, o máximo que pôde, a fim de enxergar o coração de seu truque e abraçar a chance de vitória como um leão à presa. O ataque era de fogo, a técnica envolvia os dois braços. Vasilios enunciou o seu golpe numa explosão de chamas.
“Flame Hazard!”
Charis pôde ver dos punhos unidos de Vasilios sair um jato de fogo que avançava de forma helicoidal. À distância era possível desviar, mas não de perto. ‘Se for um ataque conciso como o Aurora Thunder Attack, por exemplo, as únicas defesas são a esquiva seguindo de contra-ataque ou o rebate com uma técnica semelhante. Se o contra-ataque for corporal, seu cosmos deve estar ao máximo para realizá-lo. Não é a técnica mais indicada ao final da batalha, pois sua condição física não será tão perfeita quanto no começo. Entretanto, a chance de um golpe direto e mortal é possível no começo da batalha e pode dar-lhe um final rápido à mesma.’
E ela tinha a técnica perfeita para aquele contra-ataque. Explodiu o cosmos e conseguiu desviar do Flame Hazard, correndo rapidamente na direção do inimigo. No último momento saltou mais rápido que o golpe, foi atingida de raspão, mas suportou a dor para aproximar-se perigosamente de Vasilios. O cosmos de gelo cobriu sua mão como uma luva, e uma pequena, mas resistente farpa de gelo formou-se dele.
O braço girou rapidamente sobre o pescoço de Vasilios; o sangue espirrou sobre ambos, e o homofalco desviou-se por reflexo para evitar novos ataques. Conseguira por milímetros evitar a morte certa. Charis também se distanciou, prudente, sem perder a calma. ‘Se o ataque não der certo, não fique desesperada. Continue a trabalhar na chance de um ataque que será definidor da vitória. Tome distância, refaça a sua estratégia.’
Irritado com o sangue que escorria do pescoço, Vasilios mostrava-se claramente ultrajado pelo golpe.
“Sua pequena mandíbula… Estou vendo que não posso me descuidar. Está na hora de mostrar o meu verdadeiro poder.”
O cosmos de Vasilios cresceu mais, mais do que Evan. Era mais forte que o dela, e Charis tentou queimar o seu o máximo que pôde. ‘Toda luta difícil é decidida pelo nível de cosmos do combatente, Charis. Você precisa treinar mais o seu, torná-lo o mais alto possível. Porque, se não conseguir ver o ataque do seu inimigo, de nada adiantará todas essas técnicas que ensinei. E você é capaz de elevar ainda mais o seu cosmos. Ele nasce de seu espírito.’
Ainda não era suficiente. Vasilios sorriu e atirou seu segundo ataque, mais forte que o primeiro:
“Blaze Darts!”
Inúmeros golpes de fogo atravessaram o espaço da sala com tal velocidade que Charis não foi capaz de ver o ataque. A única defesa possível era concentrar o cosmos disponível nos braços e tentar bloquear causando menos danos ao corpo dentro do possível. Foi atirada contra a parede de ferro sentiu o corpo inteiro arder nos pontos em que fora atingida.
“Arde, não é? Você vai morrer de febre com esse ataque, seu sangue vai ferver até fritar sua própria carne, garota!”
Charis não perdeu tempo com o golpe recebido: levantou-se com agilidade e conseguiu evitar um chute de Vasilios. ‘Seu inimigo nunca esperará que se recupere dos machucados e se levante, Charis. Mesmo que doa, continue a mover-se para não ser morta num segundo ataque.’
Entretanto, o calor era insuportável. Charis queimou o cosmos e utilizou-o para esfriar o próprio corpo e atenuar os efeitos do Blaze Darts. Aos poucos, sentiu-se melhor, mas um novo problema surgira: se ela já não tinha cosmos suficiente para vencê-lo, como o faria agora, que precisava do poder para resfriar o corpo? Seu mestre já lhe dissera algo a respeito?
‘Administrar o cosmos é uma questão de autopreservação, Charis. Deve buscar a harmonia entre suas condições físicas na batalha e o quanto de cosmos você precisa para vencer seu oponente. Lembre-se: se não conseguir vencê-lo, sua morte é inevitável.’ Lembrando-se disso, Charis parou de utilizar o cosmos para o corpo. Precisava daquele poder para derrotar Vasilios e só devia utilizar o cosmos quando o seu corpo não agüentasse mais.
‘Para elevar o cosmos, não posso ensinar-lhe passo a passo como fazer, Charis. O cosmos é a essência da sua alma, é aquilo que nutre a chama da sua vida. A busca de um cosmos mais elevado é uma busca ao seu próprio espírito. Por ser íntima, é um trajeto que só pode aprender sozinha.’
Naquele instante, Charis lembrou-se imediatamente do primeiro momento em que encontrara Hyoga. Ainda não sabia o quão importante ele seria em sua vida, nem que ele era um renomado guerreiro. Acolheu-a em casa como se fosse um irmão mais velho, sorriu-lhe e protegeu-a com a honra de um homofalco, apesar de ser um humano. E submeteu-se às piores humilhações apenas para manter a promessa que fizera a ela.
Toda aquela bondade e nobreza residentes em seu mestre eram ideais que devia buscar no caminho como líder dos homofalcos. Hyoga suportara todas as surras, chicotadas e humilhações para proteger valores que para os homofalcos eram inestimáveis. Se Vasilios vencesse, todo o sacrifício de seu mestre estaria perdido. Charis buscava um ideal como guerreira e como líder que Hyoga propusera formar, mas que já existia desde o início dentro dele. Ela precisava lutar com a mesma intensidade para agradecer-lhe, precisava elevar o cosmos além do infinito, numa proporção à veneração que tinha por ele.
‘Mestre… Você está presente em mim, o tempo todo enquanto luto. Está sempre me aconselhando, me repreendendo, mesmo que não perceba. Sua voz, tranqüila e discreta, quase um eco, ensina-me a viver… Por você eu queimarei o cosmos.’
Queimou o cosmos com os pensamentos fixos em seu interior, na importância que aquela luta tinha para ela e para Hyoga. Ele tinha a família ameaçada e desejava com todas as forças protegê-la de Prometeu. A responsabilidade estava em suas mãos, como líder. Um renovado vigor nasceu de seu espírito e transferiu-se ao seu cosmos, aumentando-o além dos limites. Compreendeu porque Hyoga lhe dissera que a busca era íntima: porque os motivos de sua luta só ela conhecia.
Assustado com o seu poder, Vasilios desesperou-se.
“Sua garota estúpida! Não vou deixar que passe por mim, garotinha! Blaze Darts!”
Entretanto, Charis conseguiu ver os ataques. A defesa era como desviar dos meteoros de Seiya, uma tarefa possível se o cosmos estivesse elevado; movimentou-se graciosamente, como Hyoga lhe ensinara, obedecendo ao ritmo da luta e atentando a qualquer movimento atípico do oponente. Quando se aproximou o suficiente, atirou rapidamente um Diamond Dust, congelando o braço direito de Vasilios, e, quatro passos adiante, socou o membro congelado, quebrando-o como se fosse de vidro.
Vasilios gritou, mas Charis não lhe deu tempo para recuperar-se do ferimento. Se ele não lhe dera tempo, por que ela o faria? Afastou-se três metros, a distância perfeita para um ataque, uniu as mãos entrelaçadas no alto e desceu-as com o poder máximo que aprendera de Hyoga: o Aurora Thunder Attack. Imediatamente, Vasilios transformou-se numa estátua que retratava um homofalco agonizante, condenado a registrar pela eternidade o feito notável de Charis. Estava marcada ali a sua primeira vitória num duelo.
A garota enfim pôde utilizar o cosmos para esfriar o corpo e anular por completo o efeito do Blaze Darts, que a afligia além dos sentidos. Voltou-se para fora e chamou os soldados; precisava apressar-se e alcançar o mestre.
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Hyoga sentia o cosmos da pupila queimar intensamente, de acordo com a dificuldade do embate. O coração batia rápido, mas não por causa do encontro iminente com Prometeu. Charis tinha a base para enfrentar Vasilios, carregava seus ensinamentos, contudo, ele não tinha como ajudá-la mais do que aquilo, não podia lutar por ela.
“Hyoga.”
Olhou para Shun, que lhe sorriu.
“Ela vai vencer.”
“É…”
Sentia-se culpado por não ter certeza da vitória da discípula, como se não confiasse nas ótimas habilidades que Charis desenvolvera. Mas era uma preocupação própria de parente íntimo, de um irmão mais velho que precisava cuidar a irmãzinha e protegê-la de todos os perigos. Segurou Luna com força e não parou; precisava ser tão profissional quanto a discípula estava sendo.
O esconderijo de Prometeu assemelhava-se ao labirinto do Minotauro de tão confuso e cheio de reentrâncias. Guiavam-se somente pelo cosmos do deus, constante e convidativo, como se os chamasse para a batalha. ‘Se quer decidir tudo rápido’, pensou Hyoga, ‘vou dar-lhe a morte mais rápida da história dos cavaleiros’.
Atravessaram corredores e alcançaram uma enorme sala com pé-direito superior a vinte metros que não dava acesso e a nenhuma saída mais. Seiya circulou por todo o cômodo, antes de irritar-se.
“Mas o que significa isto? Será que precisamos voltar e tentar por outro caminho? Isto é um labirinto!”
“Pode ser um uma armadilha”, comentou Ikki. “Prometeu guiou-nos até aqui, talvez tivesse alguma intenção. Senti o cosmos dele muito claramente o caminho todo.”
Shiryu olhou em volta e apontou para janelas no alto da parede, com cerca de um metro de abertura.
“Pode ser que tenha alguma relação com essas aberturas.”
Shun atiçou suas correntes e lançou uma para o alto. A ponta de metal enrolou-se numa viga , dando-lhe um suporte seguro para a escalada.
“Eu vou verificar.”
A corrente de Andrômeda puxou-o agilmente até o alto, e Shun espiou por uma das aberturas. Assim que seus olhos encontraram o negro do fundo misterioso, foi atingido por um veloz golpe, que não pudera ver a tempo para defender-se. Caiu do alto, mas Ikki o segurou antes que atingisse o solo.
“Shun!”
“Niisan! Há um inimigo aqui! Tomem cuidado!”
“Onde?”
“Ele voou”, comentou Shiryu. “Ele atingiu Shun tão rápido que não pude ver o que era, mas, seja o que for, escondeu-se em outra abertura.”
“Vamos sair daqui”, disse Seiya. “Devemos seguir por outro caminho!”
“Não”, respondeu Saori com firmeza. “Estão vendo um alçapão no alto? Prometeu está logo depois daquela laje.”
Olhando para o alto, os cavaleiros viram um alçapão fechado, cujo acesso só era possível para os que podiam voar. Era impossível acessarem sem acabar com os misteriosos inimigos. Shun sentiu o sangue chegar à boca, com a hemorragia causada pelo profundo corte no peito. Não teve tempo para recuperar-se, pois novos e rápidos ataques cortantes foram dados, em rasantes que iam de uma abertura à outra. Havia dezenas de velozes e mortais inimigos.
“Não pode ser”, disse Hyoga, quando se desviou de mais um ataque. Estavam em volta de Saori e protegiam-na devolvendo golpes que resultavam em cortes nas mãos, semelhantes aos causados por espada.
“O que foi, Hyoga?”
“Essas criaturas… Pela velocidade e o poder cortante das asas, tão semelhante aos homofalcos… Eu acho que elas são estinfálidas!”
“Estinfálidas?”
“Originalmente eram criaturas que moravam no lago Estinfalo. Em um dos 12 trabalhos, Heracles espantou-as do lago, tarefa que nem mesmo os cavaleiros de Athena conseguiram concretizar! Elas são uma das origens dos homofalcos.”
Errando um golpe numa das aves, Seiya mostrou-se cansado da explicação de Hyoga.
“Eu não quero saber se elas são aves, répteis ou vasos. Eu só quero me livrar delas! Diga logo, Hyoga, o que podemos fazer para abatê-las?”
“Heracles abateu-as com flechas envenenadas na mitologia”, comentou Shiryu.
“Que ótimo”, respondeu Seiya, em tom irônico. “Veja como estou bem armado agora.”
“Mesmo que as tivéssemos, seria impossível acertá-las nessa velocidade”, observou Hyoga. “Além disso, não somos Heracles, mas cavaleiros de Athena! Deve haver outro modo.”
Naquele momento, veio-lhe à mente a lembrança da última reunião que tivera quando decidiram vir para o desfiladeiro de Adliden. As asas dos homofalcos congelariam se não houvesse qualquer proteção ao frio. Sendo as asas das estinfálidas iguais às dos homofalcos, Hyoga achou que seria uma boa idéia tentar. Puxou Luna e utilizou o poder de fogo armazenado na arma, que os aqueceu e os protegeu do golpe que daria a seguir.
“Aurora Thunder Attack!”
Os punhos foram dirigidos ao alto, e o gelo espalhou-se pelas paredes, transformando a sala num palácio de gelo. Seiya irritou-se com o amigo, pois achava que só desperdiçava cosmos.
“Hyoga, concentre o seu ataque nos nossos inimigos! Você só está desperdiçando o poder de Luna!”
Mas Hyoga não parou. Quando se certificou de que a temperatura era semelhante à exterior, aguardou o ataque das estinfálidas com bastante ansiedade. As aves saíram de seus esconderijos, com velocidade, mas não tanto quanto antes. Agora, com as asas congeladas, eles podiam ler seus movimentos e contra-atacar como desejassem.
“Hyoga, agora entendi! Bom trabalho, amigo!”
Em adição ao seu esforço, Seiya atirou os Pegasus Ryuseiken a fim de matá-las todas de uma só vez. Entretanto, nenhum de seus golpes fez efeito sobre as aves mitológicas.
“Não pode ser! Por acaso elas são feitas de diamante?”
As rasantes continuaram, e eles distribuíram golpes certeiros que para elas eram completamente ineficazes. Confusos, os cavaleiros não sabiam o que fazer. Foi quando Ikki saltou sobre uma das inimigas e atingiu um soco sob a base de sua asa, impedindo-a de voar. A estinfálida caiu no chão e agonizou. Não estava morta, mas também não mais atrapalharia.
“Não é nenhuma flecha envenenada, mas…”
“É ao estilo dos cavaleiros de Athena”, complementou Seiya, sorrindo. “Gostei.”
Seiya saltou e fez o mesmo com outra estinfálida. Ainda havia mais de cinqüenta para abaterem, mas Shun não quis perder tempo. Atirou a corrente no alçapão e quebrou-o brutalmente. Em seguida, a ponta de metal da corrente circular enrolou-se na viga, e ele ofereceu a mão à Saori.
“Vamos agora para lá, Athena. Seiya e os outros nos darão cobertura.”
“Vão logo!”, gritou Shiryu, enquanto saltava sobre as asas de uma estinfálida para destruí-la por cima. “Nós vamos protegê-los daqui.”
“Vamos, Shun”, decidiu Saori. Se pudesse acabar com Prometeu antes que eles chegassem, seria perfeito.
As estinfálidas começaram a dar rasantes para atacar a corrente de Shun, mas os cavaleiros passaram a cobrir o caminho até o alçapão, determinados a protegerem-nos. Decidido, Shun agarrou a mão de Saori e ordenou que a corrente os puxasse. No ar, com a corrente triangular, distribuía ataques e protegia Saori, embora o corte em seu peito sangrasse cada vez mais. Sentiu-se tonto com a perda do sangue, mas não desistiu; continuou a carregá-la por todo o percurso.
Ao subirem, deram-se com um corredor que os levava a uma porta semelhante à da entrada. Antes de prosseguirem, Shun olhou para o embate logo abaixo, onde Seiya, Shiryu, Ikki e Hyoga combatiam ferozmente cada uma das aves, atingindo-as nas asas para imobilizá-las.
“Não vamos a lugar algum desse jeito. São muitas!” reclamou Seiya.
“Não reclame”, replicou Hyoga, “precisamos deixar o caminho livre para quando Charis vier com os soldados.
Ikki, que combatia em silêncio, golpeou uma estinfálida na cabeça e atravessou o seu cérebro com punho. A massa espatifou-se no chão misturada ao sangue, e o cavaleiro partiu para derrotar mais um pássaro. Porém, quando faltavam dez para matar, a ave que Ikki abatera renasceu e cresceu, triplicando de tamanho e de poder. Ergueu-se com asas assassinas tão rapidamente que conseguiu cortar o braço de Ikki.
“Mas o que é isso?!”
“Deve ser por isso que as flechas eram envenenadas”, observou Hyoga, surpreso. Riu baixo e queimou o cosmos, pronto para o embate.
“É impressão minha ou você está contente, Hyoga?”, indagou Shiryu, abismado.
Hyoga sorriu-lhe. Estava contente, por mais estranho que parecesse. Há quantos anos não lutava ao lado dos companheiros daquele jeito, apoiando-se mutuamente no campo de batalha? Há quanto tempo não sentia aquela intensidade da luta, provocada unicamente pela harmonia entre seus movimentos, numa naturalidade que só podia nascer do convívio e da amizade de uma vida inteira? Lutar com seus companheiros era como caminhar por suas casas e passar uma tarde divertida com eles. Aquele momento de liberdade, nostálgico, em que seus espíritos eram transparentes e suas combinações de luta, perfeitas, era mágico para ele, que talvez nunca mais sentisse após aquela batalha. Precisava aproveitar, o máximo possível.
“Estou”, respondeu. “Porque vocês estão comigo.”
‘Queria sentir isso com os homofalcos um dia’, disse para si mesmo. ‘Não, isso não é algo que posso partilhar com eles. É algo que só sinto quando estamos todos reunidos… Seiya, Shiryu, Ikki e… Shun.’ Olhou para cima e notou que Shun queimava o cosmos ao lado de Saori, olhando para eles. A técnica de Shun seria perfeita naquela situação, em que eles precisavam imobilizar as asas gigantescas da estinfálida. A Nebula Stream, com o controle do ar, podia facilmente imobilizar aquele ser.
“Shun!”, gritou. Mas não precisava dizer mais nada, nem uma palavra. Seus pensamentos se encontraram no subjetivo, num treino do passado, numa comunicação perfeita. A Nebula Stream espalhou-se pelo recinto e envolveu a gigantesca estinfálida no ar. Ela continuava a bater as asas, mas agora não contava com a mesma agilidade de antes.
“Não podemos matá-la”, comentou Ikki. “Se aparecer outra maior, não sairemos nunca daqui.”
“Então vamos fazer com que ela não voe nunca mais!”, respondeu Seiya, cheio de vigor. Imediatamente, os quatro lançaram-se contra as bases das asas e deixaram ali, cada qual com sua técnica, um ferimento que a impedia de voar. A estinfálida caiu no centro da sala, e finalmente eles puderam seguir em frente.
Shun desceu as correntes para que os amigos pudessem subir, suportando seus pesos e a dor do ferimento em silêncio. Hyoga e Seiya foram os primeiros a subir. Quando Ikki e Shiryu faziam sua escalada, porém, as primeiras estinfálidas que abateram bateram as asas, já curadas, e voaram numa violenta algazarra. Apesar de surpresos, os cavaleiros não hesitaram: largaram as correntes de Shun e saltaram sobre as asas mitológicas, distribuindo mais ataques.
“Deixe-as!”, gritou Seiya, com pressa. “Vamos seguir em frente enquanto ainda temos chance.”
“Mas Seiya”, observou Shun, “Charis e os outros virão atrás de nós. Mesmo que sejam dotados das mesmas asas, não são tão velozes quanto elas. É evidente que o poder delas é superior ao deles.”
Shiryu lançou um Rozan Shouryuha que derrubou três de uma só vez.
“Nós vamos segurar as aves aqui enquanto vocês seguem! Logo os alcançaremos com Charis e os demais!”
“Tsc”, sonorizou Seiya. “Não sei por que vieram. Vamos em frente!”
Hyoga sentiu-se irritado pelo comentário de Seiya, já que Charis e os demais vieram dispostos a morrer em luta, mas preferiu não iniciar discussões naquele momento. Tomou as palavras de Shiryu e prosseguiu pelo longo corredor. De forma a amenizar as palavras do amigo, sorriu para Hyoga.
“Charis venceu, Hyoga.”
Há pouco sentiram o cosmos de Charis explodir e sobrepujar o poder de Vasilios num momento crítico da batalha. Hyoga encheu-se de orgulho e sorriu.
“É. Ela se soltou para o mundo.”
E notando o ferimento no peito de Shun, tirou um rolo de gaze do bolso de trás.
“Use-o. Trouxe para o caso de precisarmos.”
“Obrigado.”
Depois de cobrir devidamente o corte, seguiram até a porta, e Saori parou diante deles, com o báculo da deusa Nike na mão direita como se fosse uma lança.
“Eu posso sentir o poder divino desta porta. Sinto o poder Hefestos vindo dela.”
Uma sensação de incerteza passou pelos cavaleiros, e Hyoga caminhou até o seu lado, tenso.
“Significa que ela não abrirá, não importa o quanto tentemos?”
“Talvez…”
Antes mesmo de terminar a fala, a porta abriu-se sozinha, exatamente como a primeira. Ela revelou, do outro lado, um amplo salão, cômodo de Prometeu. O deus estava sentado numa poltrona de ouro ricamente ornada. Levava um escudo negro na mão esquerda e tinha uma espada de dois gumes escondida na bainha à cintura. O corpo era jovem e musculoso, os cabelos, longos e castanhos. O olhar era assassino.
“Eu estava ansioso pela chegada de Athena e seus cavaleiros. Há muito tempo queria decidir esse impasse, essa disputa que me deixa intrigado.”
Saori tomou a frente do grupo, fazendo um sinal para que não interviessem. Os cavaleiros obedeceram, mas mantiveram suas posturas de batalha, prontos para qualquer surpresa.
“Prometeu. Você e eu jamais deveríamos ter sido transformados em inimigos. Ambos protegemos os humanos, por que precisamos lutar aqui por causa dos homofalcos?”
“Porque eu previ, Athena. Sabe que tenho o poder de prever o futuro, o destino dos homens e dos deuses. Eu previ que os homens seriam destruídos pelos homofalcos numa guerra futura. O que estou fazendo nada mais é que proteger os mesmos que você. Meu interesse é pelo bem da humanidade, Athena.”
“E isso significa exterminar todos os homofalcos, como se eles não fossem humanos?”
“Eles não são humanos. Eles mesmos destacam isso, Athena. Os homofalcos recusam a existência humana, apesar de serem imitações dos mesmos. E eles mesmos querem morrer, como Átias disse.”
“Você está errado”, interveio Hyoga. “Os homofalcos só quiseram morrer por causa de uma antiga promessa não cumprida. Mas eles querem viver, eles querem a paz!”
“Você”, sorriu o deus. “Você é o cavaleiro que foi aprisionado pelos homofalcos com as minhas correntes. Por que os defende, rapaz? Veja suas costas, marcadas por anos de repressão. Sob o controle dos homofalcos, quantas vezes você gritou de dor, cavaleiro? E os ferimentos causados pelos grilhões da corrente, que infeccionam o tempo todo e nunca saram? Você sabe do que estou falando. Essas correntes são uma maldição. Por que protege aquele que o humilha?”
Hyoga não se deixou intimidar. Se ele usava as correntes de Prometeu, era porque decidira fazê-lo. Manter sua promessa aos homofalcos era vital à sua honra pessoal. Prometeu não podia compreender algo assim.
“Não me interessa o que diga, Prometeu. Eu escolhi usar a corrente porque prometi aos homofalcos que respeitaria às suas leis. Um deus como você jamais poderia compreender a honra que carreguei esses anos, a honra de ter sido um homofalco sem asas, de ter servido à minha deusa mesmo que isso me machucasse. Você não pode compreender isso.”
“Tem razão. Os guerreiros da mitologia… eram muito diferentes de vocês. Eles sim eram verdadeiros heróis. Mas você, rapaz… Não passa de um escravo!”
Hyoga queimou o cosmos, já pensando em qual ataque usaria contra Prometeu, quando Saori o deteve.
“Espere, Hyoga. Prometeu, sou eu que deveria perguntar o que é honra para você. Uma vez, na mitologia, eu também pertenci aos deuses do Olimpo com a mesma mentalidade, com os mesmos princípios. Mas ao longo dessas reencarnações, compreendi com os cavaleiros, cresci com eles e descobri o verdadeiro significado de honra. O sacrifício que Hyoga faz não é por si mesmo, mas pelos outros. Ele se deixou humilhar pelos homofalcos porque não queria ferir seus valores e leis. Mesmo que isso ferisse seu orgulho de cavaleiro… Ele não desistiu. Mesmo que seus ferimentos nunca sarassem, ele não reclamou. Não vou permitir que você maldiga um cavaleiro de Athena tão nobre. Vamos lutar!”
O cosmos de Athena floresceu de seu corpo, e Prometeu riu.
“Vai tentar me derrotar, Athena? Talvez devesse prestar mais atenção ao seu oponente. Assim como as portas de meu esconderijo, estas armas, o escudo, a espada e a armadura, foram especialmente forjadas por Hefestos para mim. Penoso do sofrimento ao qual fui submetido, tendo sido obrigado a obedecer à fúria de Zeus, Hefestos prendeu-me às rochas com a corrente. Entretanto, como desculpa e sinal de respeito por minha tortura e minha fabulosa criação, o homem, concedeu-me seus serviços. Este escudo, em especial, é tão forte que nenhum deus, nem mesmo Zeus com seus raios, é capaz de destruí-lo. Nem mesmo a deusa Nike que leva em sua mão direita é capaz de perfurar minha defesa divina.”
“Talvez não seja possível, mas… Eu preciso tentar.”
O báculo inundou a sala do esplendor do cosmos da deusa, ofuscando os cavaleiros. Prometeu riu e ergueu o escudo para proteger-se do ataque.
“Vamos, experimente, Athena. Quero ver a derrota da filha de Zeus bem na minha frente.”
Saori não se intimidou, ergueu Nike no alto, explodiu o cosmos e atacou o escudo.
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