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[Saint Seiya] Prisão das Asas - Parte 21, escrita por Nemui

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Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.



Shun entrou na cidade sob olhares desconfiados dos homofalcos. Observou os estragos com assombro e foi recebido por Myles e seus soldados logo à entrada.

“Seja bem-vindo, cavaleiro de Andrômeda.”

“Myles… O que aconteceu? Tudo isso foi por causa da avalanche?”

“Eu o chamei porque não tive alternativas. A neve comeu mais da metade da cidade. Alguns homofalcos morreram, e os prejuízos foram grandes. Nossas plantações foram devastadas.”

“E o Hyoga?”

“Ele tentou segurar a montanha, mas não funcionou. Ele se feriu quando tentava proteger a esposa.”

Surpreso, Shun subitamente mostrou mais interesse no fato de o amigo possuir uma esposa.

“Hyoga se casou?”

“Não foi um casamento normal. Ele fez a promessa errada e foi obrigado a isso. Acho melhor que ele mesmo conte a você. Mas… Parece estar mais preocupado com isso do que com o estado de saúde dele, cavaleiro.”

“É mais normal vê-lo ferido a casado. Ou é um ferimento sério?”

“Três fraturas. Duas costelas e a perna esquerda.”

Até então, Shun não achara que fosse algo grave a ponto de preocupar-se. Mas não imaginava o quão culpado Hyoga devia se sentir com aquele incidente.

“Eu posso vê-lo? Ele deve precisar de um amigo neste momento.”

“Com certeza. Vá em frente.”

A cabana de Hyoga felizmente localizava-se numa área que não fora atingida pela avalanche. No entanto, Shun ressentiu-se pela gravidade dos estragos à medida que caminhava entre a sujeira. Era estranho que Hyoga não tivesse conseguido deter um fenômeno da natureza e ainda acabasse ferido daquele jeito.

Myles bateu educadamente na porta.

“Hyoga, Lyris, sou eu. Trouxe o cavaleiro de Athena, conforme foi requisitado. Ele gostaria de conversar.”

A porta abriu-se, revelando o rosto de uma jovem, que Shun supôs ser a esposa. Sorriu e fez uma mesura comum no Santuário.

“Jovem senhora. É um prazer; sou Shun, companheiro de Hyoga.”

“Cavaleiro. Por favor, entrem.”

Hyoga estava sentado na cama, com a perna quebrada apoiada na cadeira. Quis levantar-se ao vê-lo, mas o peito doeu tanto que não pôde.

“Shun! Obrigado por ter vindo.”

“Fique aí. Você está quebrado, Hyoga, o que fez para chegar a esse ponto?”

“Nada que você não faria. Nós vivemos para proteger, não?”

“Para proteger o que nos é caro”, sorriu e olhou para Lyris. “Ela é…”

“Lyris, minha esposa.”

“E Charis não me contou nada… É uma honra conhecê-la, Lyris. Por favor, cuide de Hyoga. Já deve ter percebido que ele não se preocupa muito com a própria saúde. Posso contar com você para supervisioná-lo?”

“Não se preocupe. Ele está em boas mãos.”

“Obrigado.”

Depois de servir vinho, Lyris saiu da casa, carregando Adelphos nos braços. Shun sentou-se à mesa e ouviu o relato do amigo com paciência sobre todos os detalhes do acidente. Myles também o proveu com detalhes sobre o cosmos que sentiu. Intrigado, o cavaleiro olhava para o copo, tentando adivinhar quem era o inimigo.

“Concordo com Hyoga. A técnica de Camus só pode ser quebrada com uma arma divina, que recebeu a bênção de um deus. É o caso das armas da armadura de Libra. Somente uma arma com o sopro divino ou um guerreiro mais poderoso que um cavaleiro de ouro pode destruir a muralha de gelo. Isso agrava a situação dos homofalcos, principalmente porque Hyoga está em recuperação.”

“E o que sugere que façamos?”

“Precisamos de Athena.”

“De Athena?”

“Preciso trazê-la aqui, assim como os cavaleiros. E talvez… Este local vire um campo de batalha.”

A proposta de Shun era tão irreal que Myles agiu como se fosse Ájax a defender os interesses do povo.

“Eu nunca permitirei isso, Andrômeda! Está querendo atrair uma guerra em nossas terras!”

“Eu sei, mas que escolha tenho para protegê-los aqui? A segurança de vocês ainda é nossa responsabilidade! O procedimento que devo seguir, no caso, é evacuar a população e resolver este problema aqui o quanto antes com uma equipe de cavaleiros e Athena. Enquanto isso, o Santuário servirá de fortaleza para todos vocês.”

“Você só pode estar brincando!”

“Não, não estou. Vocês são protegidos de Athena, gostem ou não. Conseqüentemente, devem aceitar as decisões dos cavaleiros, para o seu próprio bem.”

“Eu não posso aceitar, Andrômeda. Precisam entender que estas são nossas terras milenares. Nunca, em nenhum momento da História, saímos daqui. Vamos defender o que restou de nossa cidade com as nossas próprias vidas!”

Temendo uma briga entre Myles e Shun, Hyoga interveio:

“Shun, sei que parece estranho para você, mas eu apóio a decisão de Myles.”

“Hyoga?”

“Eu confio minha vida aos cavaleiros de Athena, pois também sou um. Mas durante esse tempo, virei um homofalco de coração. Eu compreendo o sentimento que têm de ficar e defender suas casas. Creio que qualquer homem aqui; Myles, Otis, Tymon, Evan, está disposto a perder a vida lutando para defender suas casas. Os homofalcos são soldados e guerreiros, suas vidas não são responsabilidade de ninguém além deles mesmos. Contudo, também acho que você formulou um plano que não deve ser descartado.”

“Isso está confuso, Hyoga”, respondeu Myles. “De que lado está, afinal?”

“Estou sendo imparcial, Myles. Como um cavaleiro de Athena deve ser. A minha proposta é a seguinte: aqueles que não podem lutar devem ser enviados ao Santuário e protegidos lá. Na cidade, devem permanecer aqueles que estão dispostos a dar as vidas em batalhas. Isso é aceitável aos homofalcos, Myles?”

“Isso… É deixar que cada um escolha.”

“Sim.”

“Não dará certo, mas considero-o um plano aceitável.”

“O que quer dizer?”

“Acha que só os homens homofalcos são orgulhosos?”

“Elas precisam entender que isto virará um campo de batalha.”

“Elas sabem, Hyoga. Mas a terra é sagrada. Nunca aceitarão isso.”

“Mesmo assim”, disse Shun, “o Santuário estará de portas abertas aos homofalcos que fugirem da batalha. Nós faremos o possível para protegê-los. Mas… preciso que permita o trânsito de cavaleiros de Athena na cidade, Myles. Precisamos estar aqui para protegê-los.”

“Não. Você possui a permissão de Athena, mas não quero outros cavaleiros circulando por aqui sem uma corrente que limite seus movimentos, como a corrente de Prometeu. A única forma de seus amigos virem para cá é que sejam imobilizados da mesma forma que Hyoga. Não aceitarei de nenhuma outra forma.”

“Falarei com Athena sobre isso. Enquanto ela decide, permanecerei com vocês para protegê-los. Isso é aceitável?”

“Precisamos aceitar, porque a palavra de Athena é sagrada para nós. No entanto, você precisa respeitar as leis homofalcas enquanto estiver aqui, Andrômeda.”

“Não se preocupe. Eu manterei a minha promessa.”

“Muito bem. Você pode ficar. Hyoga, você sabe que deve ser imparcial ao seu amigo.”

“Eu compreendo, Myles.”

“Certo. O próximo passo é ficarmos preparados para qualquer perigo. Shun, você poderá nos ajudar?”

“Estou à disposição no que for preciso. Enquanto Hyoga estiver incapacitado, assumirei as responsabilidades dele como cavaleiro. Com o meu cosmos e os dos homofalcos, com certeza teremos bons resultados.”

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Apesar de Shun apresentar-se como substituto, Hyoga sabia que não era o mesmo. Os homofalcos não confiavam o suficiente em Shun e não lhe ouviam os conselhos. Apenas Myles podia comandar os homofalcos , repassando as instruções ou não. Dessa forma, o trabalho do cavaleiro fora fortemente restringido. Além disso, Shun também auxiliaria o treinamento de Charis enquanto Hyoga estivesse ferido.

Charis adquirira grande velocidade treinando com Shun, o que a ajudou no domínio da técnica de vôo. Por sua vez, Hyoga passava novas instruções fora do campo de treino, sentado sob uma árvore. Sentia-se tranqüilo com a ajuda do amigo.

Sua relação com Lyris melhorava aos poucos. A esposa aproximou-se trazendo um chá de ervas medicinais para dor, que ele tomava a cada seis horas, e sentou-se ao seu lado. Arrependida por tê-lo acusado de hipócrita, tentava desculpar-se sendo mais presente na vida de Hyoga.

“Como está o osso, meu marido?”

“Ele já esteve pior. Quase não sinto dores, graças ao chá. Mas isso não é tão importante quanto o fato de estar aqui, ao meu lado. Cada segundo assim vale um tesouro para mim, Lyris. Eu… Eu jamais teria me perdoado se algo tivesse acontecido com você naquele dia em que a cidade inteira ficou coberta de neve. Eu cavava desesperado, perguntando-me se não seria tarde demais…”

E segurou sua mão gentilmente, enquanto olhava para o chão.

“Adoro quando fica perto de mim desse jeito. Mesmo sabendo que não me ama.”

O silêncio de Lyris reforçava a suposição de Hyoga. Contudo, após alguns minutos observando o treino, Lyris aproximou-se e beijou-o demoradamente. Surpreso, o cavaleiro aceitou passivo e em silêncio, como se esperasse por uma explicação posterior.

“Você é nobre e bom. É um humano que aprendeu a viver com os homofalcos e a agir como eles. Sempre se esforça para fazer-me feliz, sempre escuta minhas escassas palavras e atende aos meus pedidos. Além disso, é capaz de abandonar sua vida apenas para salvar-me do perigo. Que mulher não o amaria?”

“Nunca disse que me amava.”

“Eu amo você. Mas não posso me aproximar mais do que isto.”

“Por que não?”

“Você é um bom homem. Não quero que fique decepcionado.”

Lyris levantou-se e levou a xícara vazia para casa. Hyoga pensou em levantar-se e segui-la para tirar suas dúvidas, mas sabia que já era quase a hora de ela sair. Algumas horas antes do jantar, Lyris saía para trabalhar na cidade. Ele, por sua vez, passava as tardes a trabalhar para Evan e Myles. Por estar em recuperação, aproveitava aqueles dias para intensificar o treinamento de Charis.

Charis pousou, e Shun enxugou o suor da testa, exausto.

“Vamos fazer uma pausa, Charis. Preciso de um pouco de água.”

“Eu sirvo, Shun!”

“Obrigado.”

Shun sentou-se ao lado de Hyoga e recuperou o fôlego.

“O que achou?”

“Os reflexos dela têm melhorado muito desde que chegou, Shun. Como o seu estilo preza mais a agilidade, Charis tem se esforçado a mover-se mais rápido. Obrigado, Shun, tem me ajudado tanto… E ainda deixou June em Kohotek.”

“Ah… Ela disse que me esperaria. A June… decidiu que quer ficar comigo, independente dos riscos e do local. Isso é bom, mas… Ela tem estado muito chateada.”

“Por quê?”

“Ela acha que estamos vivendo um sonho irreal. Ela diz que tudo acabará no campo de batalha, com nossos cadáveres atirados aos abutres. Somos jurados de Athena, dificilmente viveremos para criar filhos ou ter uma vida normal.”

“Entendo…”

O silêncio deixava-os angustiados, mas felizmente Charis retornou com água para todos, sorrindo.

“Aqui está. Não está muito quente, mas este treino sem dúvida nos deixa com sede.”

“Obrigado, Charis, estava precisando.”

Como Shun estivera acompanhando o treino de Charis desde manhã e ainda precisava fazer uma ronda na região montanhosa, Hyoga decidiu que não podia mais abusar da boa vontade do amigo.

“Charis, vamos deixar que Shun descanse, pois ele tem afazeres pela frente. Depois do intervalo, quero que treine vôo por mais duas horas.”

A discípula sorriu e abriu as asas.

“Eu estou descansada, mestre, vou começar agora.”

A saída alegre da discípula fez Hyoga lembrar-se da primeira vez que a vira. A cidade dos homofalcos era quase um sonho, um mundo à parte. No começo sentia-se num livro de ficção ao observar pessoas batendo asas no céu siberiano. Entretanto, os dois anos transformaram surpresa em cotidiano. Agora, viver com os humanos era mais estranho.

“Este lugar é um sonho, Shun. É uma cultura tão diferente que às vezes sonho que morri e vim parar nele. Eu achava tudo estranho. A força da promessa dos homofalcos, o tabu da mentira, as asas cortantes. Quando fui acorrentado e depois virei um escravo, achei que estava condenado. Não disse isso a ninguém porque não queria assustar os meus amigos ou Charis. Mas a verdade é que achei que seria morto por Evan em um de seus castigos. Hoje… por mais estranho que lhe pareça, Shun… estou habituado. Amo Lyris e Adel; Charis é como uma irmãzinha. As pessoas daqui cuidam umas das outras. Eu me sinto afortunado.”

“Você sabe o que está dizendo? Suas costas estão forradas de cicatrizes.”

“Eu sei. Mas eu nunca disse que teria uma vida fácil aqui, sendo humano. Só quero dizer que June pode precisar de um tempo até se acostumar a Kohotek. O fato de sermos cavaleiros certamente nos inibe, mas isso não nos impede de encontrar certa satisfação em algum momento da jornada. Pode ser que ela só precise descobrir isso.”

“Acha mesmo?”

“Sim.”

O céu escurecera; alguns flocos de neve começaram a cair suavemente. Hyoga fechou os olhos com a dor ao levantar-se.

“O que vai fazer, Hyoga?”

“Já vi este tempo. Vai nevar forte, e Lyris não foi muito agasalhada. Vou levar um casaco a mais.”

“Deixe que eu faço. Vá para casa descansar, Hyoga.”

“Não, obrigado. Eu quero fazer isso, Shun. Quero que Lyris descubra alguma coisa em mim. Esse sentimento não surgirá sozinho.”

Apoiado numa bengala, Hyoga afastou-se lentamente. Shun sabia que o estado de saúde de Hyoga era decorrente do acidente, mas tinha a terrível impressão de que o amigo se encontrava cada vez pior.

Hyoga achava que teria de andar mais para encontrar Lyris. No entanto, enquanto caminhava entre duas casas que cortavam o caminho ao centro da cidade, deparou-se com Lyris, agachada próxima a uma parede. Soluçava entre as lágrimas, chorando como se fosse uma criança.

“Lyris?”

A homofalca não respondeu. Seu choro aumentou, e ela escondeu o rosto nas mãos. Surpreso, Hyoga não imaginava que sua esposa passava por tamanha aflição sem que soubesse. Aproximou-se, agachou-se ao seu lado e tentou acalmá-la, massageando-lhe as costas gentilmente.

“Lyris… O que aconteceu?”

Ela não quis responder. Hyoga passou a um abraço protetor, achando que talvez diminuísse os soluços.

“Vamos… Fique calma. Seja lá qual for o problema, estou aqui para ajudá-la. Sabe disso.”

Levaram alguns minutos até que Lyris criou coragem para falar. Tremia, fitando os olhos preocupados do marido.

“Você… Você não pode me ajudar… Ninguém pode, Hyoga…”

“Por que não…?”

“Eu sou tão suja… Sou suja, Hyoga. Eu…”

Olhou para baixo, esperando pelo pior.

“Eu quebrei a promessa sagrada do casamento…”

Estarrecido, Hyoga não imaginava que aquilo podia estar acontecendo a ele.

“Como… assim? Não pode ser… Você… com outro…?”

Lyris assentiu com a cabeça e pôs-se a chorar com mais intensidade. No entanto, Hyoga não sentiu pena dela naquele momento. Sentiu raiva, desilusão, sentia-se como se tivesse sido jogado no lixo, depois de toda a atenção que dispensou à esposa. Levantou-se subitamente. Lyris mentira para ele e traíra sua fidelidade. Segundo a lei homofalca, ela devia ser morta por ele ou pelo líder. Sentia-se enojado pela mentira.

“Você… Myles!”

A homofalca não o deteve; sabia que não tinha esse direito. Hyoga viu Myles por perto, coordenando o trabalho de limpeza do centro da cidade. Seu trabalho era aproximar-se e contar sobre a traição da esposa, sem delongas, sem hesitação.

“Myles!”

“Algum problema, Hyoga?”

“A Lyris, ela…”

Hyoga parou. Uma vez dita a verdade, não haveria volta. Já conhecia a lei homofalca, já sabia de sua importância. Os homofalcos eram seres nobres, verdadeiros, fortes porque só diziam a verdade. Conseqüentemente, a traição era o pior dos crimes. Lyris traíra-o, enquanto Hyoga tentava desesperadamente conquistar o seu amor. Ele dera-lhe a alma e só recebera mágoas como resposta.

“O que ela tem?”

Dizer a verdade era assinar o atestado de óbito. No entanto, mentir era assinar o próprio. Era fácil dizer que a escolha certa era dizer a verdade e punir Lyris, era fácil manter sua promessa de sempre dizer a verdade; mas era difícil perdoar-se por causar a morte da esposa que aprendera a amar. Por mais raiva que sentisse, matá-la era punição demais.

“Ela… Está chorando. Tentei acalmá-la, mas não consegui. Poderia me ajudar?”

“Mas por que ela está assim?”

“Eu não sei.”

Aquelas três palavras foram as mais difíceis que ele dissera na terra dos homofalcos até então. Acabava de quebrar a promessa de nunca mentir apenas para salvar a vida de uma esposa que não lhe fora fiel. Valia à pena? A raiva que sentia por ter sido traído ainda refletia-se por todo o corpo, arrepiava-lhe os pêlos e tirava-lhe o ar do pulmão. Hyoga viu Myles correr na direção ao vão estreito, onde Lyris estava, com o coração tão desesperado que as batidas eram o único som audível no momento.

“Lyris!”

“Myles…”

“Você está bem? Aconteceu alguma coisa?”

A homofalca compreendeu através do olhar de Hyoga que Myles de nada soubera; apenas viera para ajudá-la, preocupado e cumprindo seu dever como líder. Hyoga não a dedurara.

“Eu… eu preciso contar uma coisa para você…”

“E o que é?”

“Conte mais tarde”, interferiu Hyoga. “Lyris, você devia se acalmar primeiro antes de tudo. Independente do motivo de tamanha aflição, devia me ouvir e voltar para casa comigo.”

“Acho que Hyoga tem razão. Volte para casa, Lyris; descanse, respire, reflita sobre o que houve antes de relatar para nós. Venha, eu a levo para casa.”

A ignorância de Myles sobre a quebra da promessa permitiu que este fosse gentil e atencioso à traidora e carregasse-a nas costas até a casa. Hyoga não queria olhar à esposa; mas sabia que, se não o fizesse, Myles poderia desconfiar de seu comportamento. Por conseguinte, agiu como se não soubesse de nada, como se o que afligia Lyris fosse alguma injustiça a ela.

Ao chegarem a casa, Myles colocou-a na cama e ofereceu-lhe um copo de água. Em seguida, fitou Hyoga.

“Ela é sua responsabilidade, amigo. Amanhã eu passo para ouvir o que Lyris quis me contar. Boa sorte.”

Hyoga sentou-se no banco ao lado da cama, sério, com um semblante que não deixava brechas à interpretação. A raiva e a pena misturavam-se numa confusa sensação, deixando-o impotente. Não sabia como agir. Devia atacá-la e atirar mil culpas ao seu rosto triste? Devia rejeitar sua situação? Devia ser gentil e perdoá-la? O que fazer diante de tantos questionamentos e possíveis escolhas, que podiam determinar o resto de seu futuro e o de Lyris?

“Não posso ficar bravo”, disse, enfim. “A raiva confunde a mente de um guerreiro, faz com que ele tome decisões equivocadas, convida a morte com atos impensados. Nem você, nem eu, estamos em condições de resolver este problema agora. Como o meu mestre Camus dizia, os sentimentos não devem influenciar o bom julgamento de um cavaleiro de Athena diante das adversidades inerentes do campo de batalha. Creio que esse raciocínio também se aplica a agora.”

E passando-lhe um lenço para que enxugasse as lágrimas, finalizou, sem sorrir.

“Descanse. Reflita; não tenha pressa. Eu farei o mesmo.”

De todas as opções, decidira ser racional. Não era o momento de flutuar em sentimentos e permitir que a correnteza o levasse para qualquer lugar; era hora de sentar e pensar, levar em conta fatos e conseqüências a fim de tomar uma decisão da qual não se arrependeria depois.

Saiu de casa e procurou a árvore mais firme da terra dos homofalcos. Pulou pedras e raízes, a despeito de sua condição física, para encontrar um atípico cedro, cujo perímetro não podia ser abraçado nem por cinco homens juntos. Sentou-se e encostou-se à solidez do tronco para buscar no espírito uma conclusão firme, pautada em certezas.

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Viu Lyris na cama, sentada e com o olhar perdido em algum lugar da mente. Assim como ele, também meditara sobre relação e a melhor maneira de resolverem aquele impasse. Notou que havia um jantar para ele, já frio. Sentou-se e comeu em silêncio, enquanto o olhar de Lyris acompanhava-o com inexpressão. Hyoga terminou e sentou-se ao seu lado na cama.

“Amanhã”, disse ela, “quero que venha comigo para uma reunião.”

“Com quem?”

“Com Tarasios.”

Uma oscilação nos sentimentos fez Hyoga permanecer em silêncio por algum tempo; não podia perder o controle. Manteve a calma, precisava manter-se firme em sua decisão.

“Muito bem. Podemos ir de manhã, antes de encontrarmos Myles.”

“Era o que planejava.”

Após um tempo, deitaram-se para dormir. Agiram exatamente como sempre faziam, nem um gesto a mais ou a menos; precisavam dormir bem para o dia seguinte, mas sabiam que a ansiedade tornaria a noite longa.

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No dia seguinte, Hyoga apenas pediu ao Shun que prosseguisse o treinamento de Charis como favor, pois tinha assuntos importantes a resolver com Lyris. Não disse nada a respeito, pois não havia necessidade de preocupar o amigo com um problema tão sério. Caminhou com Lyris na rua, cumprimentou os vizinhos, agiu normalmente. Ao chegarem à casa de Tarasios, Lyris afastou-se e bateu na porta.

“Tarasios. Sou eu. Abra a porta.”

O olhar arregalado do homofalco que abriu a porta revelou o seu terror, ao perceber que Hyoga estava ali para resolver o caso entre eles. Naquele momento, Hyoga quase demonstrou o ódio que sentia por aquele homem, mas conteve-se.

“Precisamos conversar a respeito da traição. Eu quero dialogar, Tarasios.”

Eles entraram, e Tarasios ofereceu-lhes vinho. Ambos recusaram, pois precisavam descartar qualquer possibilidade de fuga naquela reunião. Beberam, portanto, apenas água.

“Então… você contou”, disse Tarasios para Lyris.

“Antes”, interrompeu Hyoga, “eu quero que me expliquem. Vocês têm sorte de eu me controlar e permitir que me expliquem. Portanto, não quero mentiras, por pior que seja a realidade. Sejam homofalcos e honrem suas palavras.”

Os amantes se entreolharam, e Tarasios começou.

“Minha namorada, como você deve saber, Hyoga, faleceu por doença há alguns meses. Foi um pouco antes de vocês se casarem. Passei por momentos difíceis, achava que o mundo estava sendo destruído com a ameaça dos guerreiros de Prometeu. Lyris deu-me muita força naquela época. Eu sei… Isso não justifica os meus atos.”

“Não”, respondeu Hyoga, secamente.

“Perdoe-me, por favor. Quanto mais Lyris confortava-me mais eu a identificava com Dionne. Enquanto uma parte de mim dizia que não podia por ela ter se casado com você, inconscientemente gritava por Lyris em meus sonhos. Eu comecei a sentir culpa e…”

“E ele tentou tirar a própria vida”, respondeu Lyris. “Um dia, quando fui visitá-lo, encontrei o chão coberto de sangue. Fiquei alarmada, desesperada, achei que devia fazer qualquer coisa para impedi-lo de tentar suicídio uma segunda vez; até dormir com ele. Tarasios estava sofrendo muito; se eu o abandonasse para ficar com você, ele não suportaria, Hyoga.”

Hyoga permaneceu em silêncio, com os olhos frios e inflexíveis sobre os dois. A compreensão que pediam era impossível de conceder naquele momento.

“Eu estava desesperado. Se não pudesse ficar com Lyris, achava que não haveria outro suporte para mim neste mundo, que todo o resto do mundo não era importante. Forcei-a ficar perto, pedi-lhe para que não lhe contasse, pois tinha medo de perdê-la. Ela vinha me ver às tardes, sempre me consolava.”

“Até então eu não acreditava que me amasse de verdade, Hyoga. Achava que só o fazia por responsabilidade, por ser formalmente o meu marido. Mas… Tudo mudou quando você se colocou como parede entre mim e aquelas gigantescas pedras de gelo, sem se importar com a própria vida. Naquele momento, eu percebi… Você provou que seus sentimentos jamais foram uma mentira, e que tudo o que me dissera era verdade. Eu me senti pressionada, tentei fugir da realidade, magoei-o… Mas naquela época eu já sabia a verdade. Que a pessoa falsa era eu.”

“Lyris também estava sofrendo com essa traição, Hyoga. Ontem ela veio, contou-me sobre suas aflições e em como desejava terminar tudo para que pudesse ter a consciência limpa. Mas isso significava perder a vida por ter quebrado a promessa de fidelidade realizada no casamento. Lyris tinha medo, mas acontece que o amor que transmitiu a ela foi correspondido, Hyoga; ela aprendeu a amá-lo mais do que a mim. E quando não pôde mais suportar, resolveu contar para mim que tudo acabaria. Ela não revelaria o meu nome, mas contaria tudo a você. Eu resolvi que, se ela fosse executada por traição, eu também deveria morrer junto.”

“Estamos prontos para dar nossas vidas para você, Hyoga.”

Hyoga digeria as informações tentando controlar os sentimentos. Não podia perder a calma. Pegou o copo e bebeu toda a água. Em seguida, pediu licença para ir ao banheiro e demorou-se lá, pensando em como deveria reagir. Devia perdoá-los? Odiá-los? Retornou, fitou-os friamente.

“Vocês podiam ter me contado antes de terem o caso. Achava que eu não entenderia, Lyris?”

“Eu nunca imaginei que viraria um caso. Quando ele me pediu para não contar, fiquei com medo. E se ele tentasse outro suicídio?”

“Tarasios, eu devia é atravessar a sua garganta com uma espada e realizar o seu desejo estúpido de morte.”

“Pode fazê-lo, Hyoga.”

“Ainda não. Lyris, ainda quero perguntar-lhe. Se me ama, por que nunca me sorri de verdade?”

“Eu não consigo. Não é porque não o amo, mas porque assim me sinto ainda mais culpada.”

Inúmeros sentimentos circulavam numa tempestade em Hyoga. Ele apoiou a cabeça nas mãos e pôs-se a olhar para o chão, desapontado, tentando controlar a onda de raiva e de loucura que o assolava. Não podia tomar uma decisão impensada. Tomou coragem para prosseguir com suas conclusões do dia anterior.

“Lyris, Tarasios… Que atitude vocês tomarão diante desse problema? Eu preciso saber. Porque a atitude não deve partir de mim; eu jamais fui infiel a Lyris.”

“Juro, nós vamos contar a Myles”, respondeu Lyris, com determinação. “Nós vamos contar, pedir perdão e morrer por nossos pecados, Hyoga. Eu sei que não tenho o direito de ser perdoada por você; sei que o magoei sem que merecesse. E é exatamente por isso que, logo após esta reunião, vamos até Myles, explicaremos toda a situação e deixaremos que você nos execute conforme a lei homofalca.”

E lançando-lhe o primeiro sorriso desde que o conhecera, acrescentou.

“Eu quero que o homem que mais amo me execute. Gostaria que fosse por você, Hyoga, por favor.”

“Não está mentindo desta vez.”

“Não.”

“Muito bem”, respondeu Hyoga, tomando sua decisão. “Eu ainda não perdoei vocês.”

“Eu não espero perdão, meu marido. Só quero que seja a pessoa a executar-me.”

“Lyris, você acha que depois de quebrar-me todo e de mentir para Myles, vou matá-la? Acha mesmo que vale à pena? Você só está querendo livrar-se do sentimento de culpa da maneira mais fácil, está abstendo-se da responsabilidade de pagar-me um preço justo por sua traição. Eu nunca irei matá-la porque você não merece ser morta por mim.”

As palavras eram duras, mas Lyris escutou-as com resignação.

“Estou com raiva, estou completamente louco com o que me fizeram. Estou me esforçando para manter o bom senso e escutá-los, mas à beira de um colapso nervoso. Você não merece livrar-se do peso com a morte, Lyris; nem você, Tarasios. Vocês não merecem.”

Naquele momento, teve vontade de chorar. Apesar de tudo, o sentimento de amor por Lyris não desaparecera. Talvez, nunca desapareceria. O que era melhor para ambos? Tirou um papel dobrado do bolso da calça, com os olhos marejados.

“Eu não quero que você morra, Lyris, mesmo tendo me traído. Jamais viveria em paz se isso acontecesse. Portanto… Pensei muito sobre que decisão vocês tomariam. Considerei a possibilidade de confessarem-se a Myles e aceitarem a execução como forma de redenção. Portanto, concluí que o único jeito de salvá-los era este.”

Pôs o papel nas mãos de Lyris, que o abriu e o leu, chocada.

“Isto é…”

“É um consentimento por escrito, assinado com o meu sangue. Ájax me contou que é possível a um casal homofalco a existência de amantes, contanto que o parceiro aceite por documento. Eu consinto a existência de Tarasios como seu amante, Lyris. Prometa-me que apresentará esse documento quando for se confessar. Mesmo que tenha sido escrito depois, de acordo com lei, não pegarão a morte como pena.”

“Hyoga…”

“Depois disso, se quiserem continuar se encontrando… façam-no. Entretanto, Lyris, não serei capaz de aceitá-la ao meu lado na cama. Dormiremos separados, como dois solteiros que apenas vivem sob o mesmo teto, sem qualquer vínculo emocional. Você pode continuar sendo mãe do Adel, foi a promessa que fiz e que não vou quebrar. E eu posso perdoá-la, Lyris… Se estiver disposta a ser uma homofalca de verdade e honrar sua palavra. Se o fizer… Se nunca mais mentir para mim… Se me sorrir de verdade e aceitar o casamento como algo real e tangível… Se nunca mais se envolver com outro… Considerarei este um infeliz incidente do passado e o esquecerei para sempre.”

Hyoga levantou-se. O que tinha para dizer já fora dito.

“Promete que mostrará o consentimento?”

“Eu… Não posso.”

“Então eu mesmo terei de mostrar? Não faça isso comigo.”

Lyris olhou para baixo, pesarosa.

“Es-está bem, Hyoga. Eu prometo.”

O olhar do cavaleiro abrandou-se.

“Que bom.”

Dirigiu-se para a porta, mas parou antes de sair. Ainda tremia de raiva, ainda estava enfurecido e guardava aquele sentimento com todas as suas forças. Lembrou-se do conselho que Ájax lhe dera em seu primeiro castigo na terra dos homofalcos; de externar os sentimentos na hora certa. Tarasios era culpado pelo que fez; Hyoga tinha o direito de matá-lo. Se externasse sua raiva, naquele momento, não seria punido. Voltou-se.

“Tarasios. Levante-se.”

O homofalco obedeceu, e Hyoga sentiu uma enorme satisfação por tê-lo tão vulnerável. Avançou rapidamente e socou-o com toda a força que tinha, nos limites do corpo e dos poderes da corrente de Prometeu. Tarasios desabou no chão, com o rosto coberto de sangue. Vê-lo daquele jeito era um alívio ao cavaleiro. Imediatamente, sentiu-se mais calmo; seus músculos relaxaram, e ele finamente pôde pensar com calma: estava satisfeito com a desforra.

Saiu e retornou para casa, mais tranqüilo. Livrara-se de um enorme peso, já que conhecia toda a verdade da traição. Viu Charis e Shun treinando e aproximou-se. Observar o treino de Charis era gratificante; em pouco tempo, ela descobrira o cosmos que estava adormecido dentro do espírito e aprendera a controlá-lo numa velocidade de dar inveja a qualquer pupilo.

Quando Shun ordenou que Charis treinasse o vôo, Hyoga pediu-lhe que cuidasse de Adelphos aquele dia, levantou-se e saiu de lá, com a desculpa de que precisava de um tempo só. Caminhou até a árvore onde meditara e fixou-se ali, sob os vastos galhos e o espesso tronco. Aquela era a sua forma silenciosa de agradecer à segurança daquele ser centenário, que superara adversidades da terra siberiana.

Myles não demorou a chegar; e ele aguardava a sua consulta. Olhou para a árvore e comentou:

“O nome dela é Kedreatis, a senhora do cedro. É estranho imaginar que um cedro poderia nascer em terras tão geladas, não é? Dizem as lendas que essa árvore foi presente de nossa deusa Athena; portanto, é sagrada aos homofalcos. Ela é o nosso centro, a fonte do poder de nossa terra. Quando eu era pequeno, já tinha esse tamanho.”

“Ela me ajudou a tomar a decisão certa, ontem à noite.”

“Eu respeito a sua decisão. Lyris receberá duzentas chicotadas; Tarasios, cento e oitenta. Descontei vinte porque você o desfigurou com aquele soco.”

“Tudo bem. Eu precisava descontar de alguma forma.”

“Sinto pelo que houve. Você gostaria de aplicar a pena? Pode dar apenas a Tarasios, se desejar.”

“Não. Deixe-os por conta de outro homofalco, Myles. Ficarei aqui para pensar.”

“Você vai perdoá-los?”

“Depende do que Lyris decidirá. Kedreatis me disse para perdoá-la, se Lyris ainda estiver disposta a aceitar-me e a valorizar sua palavra como uma verdadeira homofalca. Você disse que esta árvore foi plantada por Athena. Athena perdoou Kanon, que derramou o sangue inocente de muita gente.”

“Eu admiro sua atitude, Hyoga. Você tem o meu respeito. Vou aplicar a pena, mas você é que decidirá quando soltá-los, pois terei de amarrar-lhes as mãos; o crime foi grave.”

Myles distanciou-se e deixou-o. Hyoga esperou pelo entardecer, calmamente. Em seguida levantou-se e voltou ao centro da cidade. Lá estavam os amantes, cada um ajoelhado e com as mãos atadas a um pilar de madeira. Havia uma adaga fincada no chão, que Myles lhe deixara para soltá-los.

Ao segurar aquela arma, imaginou como seria prazeroso matar Tarasios daquela forma. Sim, queria que ele morresse. Contudo, não fora o combinado, e a quebra de uma promessa era algo que ele nunca mais gostaria de repetir, nem que fosse para ajudar a esposa. Atirou a lâmina à distância e acertou a corda que amarrava as mãos de Tarasios com precisão. Ao menos o assustaria.

Em seguida, aproximou-se de Lyris. A esposa não o olhou, apenas permaneceu calada, enquanto ele desamarrava a corda. Ele agachou-se, com as costas voltadas para ela.

“Suba.”

“Não, suas fraturas…”

“Não discuta, eu estou mandando.”

Lyris obedeceu, e Hyoga tomou o caminho de casa, apesar da dor nas costelas e na perna fraturadas. Já estava relativamente recuperado, mas esforços daquela natureza ainda lhe eram proibidos.

“Decidi que nunca mais encontrarei com Tarasios ou com qualquer outro, Hyoga. Sei que você não acredita mais nas minhas palavras, mas eu prometo para você. Assim como você foi fiel e nobre desde o início, prometo que corresponderei à sua nobreza como devo.”

“Se decidiu isso, não tocaremos mais neste assunto. Eu perdôo você. Vamos para casa.”

De imediato, Lyris chorou e abraçou-o com o sentimento de culpa. Hyoga continuou em silêncio, como se a única tarefa importante no momento fosse voltar para casa; e não consolá-la. Colocou-a sentada na cama e preparou um banho para lavar as chicotadas. Fazia tudo com a calma que ganhara da árvore mitológica.

Gentilmente, lavou-a e secou-a. Depois de Lyris comer um pouco, ele sentou-se na cama com o ungüento sobre a cômoda e o lenço úmido numa das mãos. Limpou cada corte com delicadeza e, quando terminou, observou a silenciosa figura, de costas para ele. O que devia fazer em seguida? Discutir? Continuar quieto? Agir como se nada tivesse acontecido?

Abraçou-a por trás, tomando o cuidado de não relar nos ferimentos. Lyris não tomaria qualquer atitude por sentir-se culpada. Restava ele, mesmo que contra a vontade, reiniciar a comunicação.

“Sabe… Quando eu tinha sete anos de idade, um pouco antes do naufrágio que matou a minha mãe, houve um incidente numa pequena vila por onde passávamos. A vida era dura para ela, porque precisava criar-me sem a ajuda de ninguém. Ela trabalhou para um homem que não era nada gentil. No último dia, eu lembro como se fosse ontem, minha mãe foi agredida após uma discussão sobre dinheiro. Lembro que saiu sangue, e eu fiquei furioso. Queria matar aquele homem que a machucara. Mas ela me segurou, pediu perdão a ele e acabou com uma mixaria no bolso. Eu continuei com raiva, mas ela sorriu gentilmente e meneou com a cabeça.”

Ao resgatar aquelas lembranças de sua mãe, Hyoga sentiu-se mais calmo. Envolveu Lyris com ternura e os olhos perdidos no passado.

“Ela me disse que já o perdoara. Eu não compreendi, ainda quis ir atrás dele. Então ela me disse que, se eu o perdoasse, algum dia ele me perdoaria por algum erro que cometesse; que, se eu não o perdoasse, ninguém me perdoaria. Eu me encolhi nos braços dela e chorei. Naquela época, era muito novo para compreender o significado da palavra redenção. Mas aquele abraço me ensinou o que era o certo. E ainda me ensina. Eu perdôo você, Lyris.”

Aliviado, sorriu. Talvez Lyris demorasse a libertar-se da culpa que sentia, mas ele já se livrara da raiva que o consumia. Beijou-a e acariciou-a. Aos poucos, Lyris entregou-se a ele, refazendo a promessa do casamento.

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