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[Saint Seiya] Prisão das Asas - Parte 18, escrita por Nemui

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Autora: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Gênero: drama, aventura
Classificação: 16 anos
Status: Completa
Resumo: A vida de Hyoga se transforma quando entra em contato com um mundo completamente diferente do seu.



Em compensação ao castigo de Evan, Hyoga trabalhava nas estufas com as homofalcas, realizando serviços simples e que não forçavam o seu maltratado corpo. Particularmente, sentia prazer naquele tipo de trabalho, pois passava a maior parte do tempo conversando com as homofalcas do que trabalhando de fato.

Saindo mais cedo da estufa, pensou em ver o treinamento de Charis para saber como andava. Parou num dos pontos do percurso da discípula e esperou que passasse voando. Contudo, não havia sinal dela. Estranhando, Hyoga seguiu pelo percurso para encontrá-la e descobrir o que estava errado. No meio do caminho, encontrou a razão.

Charis estava caída no chão, gemendo, enquanto na base das asas escorria sangue. Nas costas, amplos hematomas indicavam que Charis forçara seus membros extras em demasia, atraindo sua preocupação. Aproximando-se, Hyoga verificou os ferimentos.

“Você está bem, Charis? Por que suas asas estão assim? Devia ter-me avisado se tinha algum problema.”

Sentindo dores, Charis tentou levantar-se e bater as asas, mas Hyoga a deteve.

“Pare, Charis. Estou com medo desse ferimento estranho. É melhor que você trate antes de continuar o treino. Afinal, o que aconteceu? Foi porque mandei que voasse por horas seguidas?”

Sem fitá-lo, Charis respondeu envergonhada:

“Não é isso… Não é isso, mestre.”

“Então o que foi?”

“Eu queria… aprender aquela técnica de vôo.”

Imediatamente, Hyoga esbravejou-se e surrou-a fortemente. Após dar-lhe alguns golpes, afastou-se, ainda irritado.

“Sua idiota!”

Ainda no chão, Charis fitou-o incrédula; era a primeira vez que ele a castigava.

“Eu disse para esquecer essa técnica, eu expliquei por quê! Aposto que você nem se importou em treinar mais de uma hora por dia! Irresponsável!”

“Mestre…”

“Você me desobedeceu, Charis, estou decepcionado. Vou dar-lhe a punição amanhã. Quero que pense no que fez e nas conseqüências que poderia ter causado. Mas que irresponsável!”

Virando-se, Hyoga voltou para casa, emburrado. Sua raiva não se devia tanto ao fato de Charis tê-lo desobedecido, mas por ter arriscado a saúde apenas por uma técnica que não era imprescindível.

Perguntando-se como podia ter sido tão estúpida, Charis permaneceu ali por mais algum tempo, remoendo-se. Sentindo as asas arderem, levantou-se e caminhou para casa, timidamente. Abriu a porta, e Hyoga fitou-a friamente.

“Mestre, eu fui uma idiota. Perdoe-me.”

Sentia-se inibida pela expressão fria do mestre; entrou e sentou-se em sua cama, silenciosamente. Hyoga cuidou de Adelphos e em seguida levou a caixa de remédios até Charis.

“Mostre as costas.”

Charis obedeceu em silêncio, enquanto Hyoga analisava suas costas, mexendo nas asas e nos hematomas. Apesar da dor, a discípula não se atreveu a mexer-se. Em seguida, Hyoga embebeu um pedaço de pano com água e passou a limpar os ferimentos nas bases das asas, ignorando os gemidos que ela emitia. Olhava para os ferimentos, tentando descobrir como foram abertos, quando sua expressão alterou-se de raiva à de preocupação.

“Por que fez isso, Charis…?”

A garota começou a chorar, sem saber como responder. Hyoga passou um ungüento nas feridas com cuidado e imobilizou as asas, para que ela não as forçasse mais.

“Eu disse que era perigoso… O que houve? Você nunca me desobedeceu antes. Deve ter tido um motivo muito forte para fazer isso.”

Sem responder, ela continuou chorando. Hyoga então lhe pôs a mão sobre a cabeça, gentil.

“Já chega de chorar.”

“Desculpe, mestre… Desculpe… Não sei o que me passou pela cabeça. Fiquei com medo quando me disse para esquecer, como se eu não pudesse aprender tal técnica. Eu fiquei com medo…”

“Do que teve medo?”

“De não poder cumprir a minha palavra de alforriá-lo. Evan tem uma técnica poderosa. Eu queria ter também para derrotá-lo…”

“Era por isso que estava treinando a mesma técnica que ele… Ah, Charis, não tente imitar um louco para superá-lo. Além do mais, Evan não treina mais de dez minutos com essa técnica por dia. Você foi mais insana que ele. Escute, mais importante que melhorar sua técnica de vôo é treinar o seu cosmos. Ele será o elemento decisivo quando decidir lutar contra Evan, Charis.”

“Meu cosmos?”

“Sim. Quanto mais poderoso for o seu cosmos, mais chances você terá de derrotá-lo. Os cavaleiros são fortes porque treinaram seus cosmos ao máximo. Se você fizer o mesmo, nem precisará de asas para derrotar Evan. Esqueça essa técnica de vôo. Só porque cancelei esse treino, não quer dizer que não tenha uma carta na manga para melhorar a performance do seu vôo.”

“Isso é verdade, mestre?”

Assentindo, Hyoga sorriu.

“Não quero mais ver loucuras, entendeu, Charis? Confie em mim e verá que as coisas darão certo.”

Charis enxugou as lágrimas e tentou sorrir. Hyoga levantou-se da cama e pensou em procurar Shun, que ainda não voltara. Abriu a porta de casa e viu-o encostado à parede, com as mãos nos bolsos da calça, aguardando a conversa dele com Charis.

“Estava aí o tempo todo.”

“Não queria incomodar.”

Hyoga saiu e fechou a porta para que Charis não os escutasse.

“Você sabia que Charis estava treinando essa técnica?”

“Ela não me contou nada, mas bem que achei as asas estranhas hoje, mais cedo. Ela deve ter forçado demais esta tarde, tentando realizar o exercício que lhe passou. Ainda tem muito a aprender, mas determinação é o que não lhe falta, não concorda?”

“É, ela é tão determinada que não tenho dúvidas de seu progresso. Só lamento que não tenha decidido por uma armadura de Athena. Imagine a coragem e a paixão dela no Santuário.”

“Tem razão. Bem, se fosse pelo Santuário, ela não teria se empenhado dessa forma, não é? Mas se Charis virar a líder dos homofalcos, imagino que mudanças esta cidade terá.”

“Não sei. Ela aprendeu bastante do pai. Acho que será uma boa líder.”

“Então você terá mais sossego.”

“Não… Não quero que ela me favoreça apenas porque sou o mestre dela, Shun. Por mais que me preze, ela precisa julgar-me por minha posição, como o cavaleiro de Athena que a serve por ordem da deusa. É isso que ela precisa ver em mim ao final do treino.”

“Vai ser difícil.”

“É. Mas é o modo como funciona este mundo. Somos todos guerreiros, peões de um campo de xadrez. Ela é a rainha, deve aprender a portar-se como tal. As responsabilidades de um líder são de longe mais pesadas que a de um simples soldado. Charis deve aprender a comandar, a sacrificar e a salvar determinadas peças. Deve crescer para assumir o posto de Ájax. Que fardo mais pesado ela tem de suportar, Shun. É muito para uma garotinha.”

“Depois que a amazona esconde o rosto sob a máscara, vira um soldado. Lembro que June me disse isso na primeira noite em que dormimos juntos. Por estar tão condicionada a lutar e a ser uma guerreira de Athena, esquecia o próprio gênero. Talvez seja o mesmo com Charis.”

“Acho que sim. Não temos como mudar isso. Nada do que está acontecendo, sem luta.”

“Inclusive…”

“O quê?”

“Nada. Esqueça…”

Permaneceram em silêncio por algum tempo, até que Shun olhou à abóbada celeste e perguntou-lhe:

“E como é que anda você e o seu orgulho?”

Hyoga sentou-se no chão; sentia o peso da corrente convidá-lo ao repouso. Os elos, mesmos sujos devido ao uso, não perdiam o tênue brilho que indicava sua origem divina. A despeito do valor material que carregava, para Hyoga, era apenas um das formas de repressão às quais fora sujeitado para morar com os homofalcos. Quantas vezes não vira do pescoço o sangue escorrer misturado ao pus depois de um dia de esforço?

“Estou treinando, Shun. Meu orgulho como cavaleiro deve permanecer inalterado enquanto porto o título de cavaleiro.”

“Mas você é também um escravo. Isso deve ferir o seu orgulho.”

“Um escravo não tem orgulho, não pensa, não discute. É simplesmente uma ferramenta que deve funcionar até… Até o dia que quebre. Já aprendi as conseqüências de ser um escravo orgulhoso. Nas costas.”

“Preferiria trocar de lugar com você para aliviar-lhe esse peso.”

A resposta foi um sorriso bondoso, um agradecimento à amizade de anos e a reação a uma mudança impossível. Era como desejar ter asas sem ser pássaro.

“Você tem uma mulher tão bonita esperando-o em Kohotek, Shun. Não se importe comigo e vá ser feliz com ela. Eu… Não quero arrastar ninguém comigo. Não quero que chorem por mim, não quero que ninguém venha ao meu túmulo para lamentar por minha morte. Não desejo a ninguém esse mesmo destino. Depois de todas essas batalhas, dores, loucuras… Aprendi qual é o meu lugar. E é este. Sou guerreiro e escravo, sou um peão. Fui feito para morrer.”

Shun sentou-se ao seu lado, ressentido.

“Não diga isso. Sou seu irmão também. Todos somos. Se morrer antes, irei ao seu túmulo para lamentar, mesmo que precise invadir a terra dos homofalcos para isso.”

—————————————————————-

Havia tempos que Hyoga não acompanhava o cultivo das estufas. Muitas das antigas companheiras de trabalho hesitaram diante de seus ferimentos quando se apresentou para ajudá-las, mas ele insistiu na ajuda. Carregar sacos de terra não era nada comparado aos castigos de Evan e aos machucados dos grilhões. Para evitar mais conflitos com o Santuário de Athena e os cavaleiros, Myles mandara-o trabalhar nas estufas em seu dia de servidão. Shun acompanhava-o a toda parte, como uma sombra, ou como um fiscal, prestes a soltar uma multa sobre uma obra mal feita.

“Não precisam ter medo”, anunciou, quando as homofalcas pararam diante de Shun. “Ele não irá fazer nada de mal. Shun é meu amigo, um grande homem.”

Shun preferia permanecer sem armadura enquanto estivesse na terra dos homofalcos para não assustá-los. Entretanto, o simples fato de não possuir asas transformava-o num monstro à população. Sorriu.

“Eu também quero ajudar. Será que posso?”

Por Hyoga ser considerado um morador confiável após o episódio dos jogos homofalcos, muitas não quiseram falar que desconfiavam de Shun. Subentendendo, Hyoga não as forçou; lembrou-se de uma estufa nova que construíam próxima ao centro da cidade e onde precisavam de força bruta para trabalhar.

“Não posso obrigá-las. Vou até a estufa nova, que precisa de mais terra, com o Shun. Qualquer coisa, podem me chamar, pois estou disposto a ajudá-las no que quiserem. Vamos, Shun.”

Enquanto caminhavam, Shun notava como todos tentavam desviar de seu caminho. De Hyoga, no entanto, ninguém tinha medo.

“Eles já estão bem acostumados com você, não?”

“Até que sim. Como não faço nada a eles há três anos, sabem que não os machucarei. Além disso, esta corrente de Prometeu capta qualquer movimento agressivo que eu faça. Se machuco alguém, Myles logo nota e repreende-me. Se me afasto muito, ele puxa a corrente tão forte que quase me asfixio. Mesmo à distância, ele tem o total controle sobre o meu comportamento.”

“A corrente de Andrômeda também funciona de forma semelhante. Mas dizem que nada se compara ao poder divino da de Prometeu. Ela é capaz de rasgar o corpo de qualquer mortal com um só golpe, além de bloquear-lhe o cosmos… Hyoga… Como podem brincar com sua vida dessa forma…?”

“Faz parte da cultura e do medo deles. Não posso fazer nada a não ser obedecer, pois prometi a Charis que não trairia a minha palavra e não prejudicaria os homofalcos. Preciso manter a minha promessa, pelo bem do futuro dela. Além do mais… Compreendo o culto à verdade que os homofalcos têm. Acho-o nobre. Mesmo que me machuque… Para mim, é importante provar que um humano pode ser como eles. Nobre e verdadeiro da mesma forma…”

“Um povo único, que mora numa terra severa e gelada como esta. Exilados, orgulhosos, firmes em suas crenças. É impossível um verdadeiro cavaleiro não admirá-los e não respeitar sua cultura. Torna-se uma questão de honra, não é?”

“Exatamente. Se devo viver com eles, devo ser como eles. Aqui, sou um humano, um ser sujo, inferior. E eu não posso… Não tenho o direito de mostrar-me superior.”

Shun parou, atônito.

“Como assim, Hyoga? O que quer dizer com isso?”

Hyoga também parou; não podia esconder tão importante relato do amigo.

“Eu li os arquivos dos homofalcos. Conheci as histórias dos líderes, de suas lutas… Assim como as grandes tragédias. Shun, por que os homofalcos vieram à Sibéria?”

“Eu pesquisei a respeito no Santuário, mas não achei nada relacionado.”

“Pois saiba que o mestre jamais registraria tal fato nos arquivos. Shun, os homofalcos não foram exilados a esta terra por causa de Prometeu. Tudo foi feito pelo Santuário. Athena possui o dever de protegê-los porque desaprovou os atos de um antigo mestre, anterior a Shion. Tudo ocorreu com sangue e massacres. O que levou os homofalcos a tão reduzido número… Foi uma guerra… contra os próprios cavaleiros de Athena.”

Shun não escondeu a surpresa. Tudo aquilo era nebuloso demais.

“Isso é verdade?”

“Sim, pois acredito no homofalco que escreveu essa história. Há muitos séculos, o Santuário foi dominado por um mestre corrupto que controlava os cavaleiros em proveito próprio. Na época, a reencarnação de Athena ainda não tinha despertado sua consciência divina. Era como quando Saga era o mestre. Não… Era pior. Os cavaleiros não lutavam pela justiça. Eram seres abomináveis. Tudo ocorreu nas terras dos homofalcos, que antigamente se situavam próximas ao Santuário. Pressionados pela crueldade existente na época, os homofalcos moveram-se contra o Santuário, mas foram massacrados. Por muito tempo, pensou-se que eles tinham sido aniquilados, mas não era verdade. Eles continuaram vivendo… nas terras dos homens. Torturados, vendidos como escravos, foram perseguidos e oprimidos pelos próprios cavaleiros de Athena, que deveriam zelar pela paz na Terra.”

“Não pode ser, Hyoga… Athena não os impediu?”

“Ela interferiu, mas tarde demais. Poucos eram os sobreviventes, traumatizados e completamente xenófobos aos humanos. Eles tinham sido enviados a esta terra, longe de tudo, para morrer de frio. No entanto, perseveraram. Athena devolveu-lhes a terra grega, mas… Os homofalcos recusaram. Eles compreenderam que não podiam viver entre os humanos. Compreenderam que, a eles, não havia lar a não ser o pior dos lares. Não havia paz, a não ser no exílio. Não havia humanos verdadeiros, mesmo entre cavaleiros de Athena. Esse pensamento perdura até hoje.”

“A idéia de vingança também? Eles têm o direito de escravizá-lo só por isso?”

“Não… Mas eles são oprimidos até hoje. Saori mandou-me para desculpar-se com eles, para dar-lhes algum respaldo… Eu quero viver como eles, Shun. Quero ser forte como eles. Ou melhor… Eu quero ser forte com eles. Mesmo que me desprezem.”

Shun desviou o olhar, pesaroso.

“Se estivesse em seu lugar… Também me sentiria responsável por isso.”

“Não. Não me sinto responsável. Não fui eu que os torturei. No entanto… Como cavaleiro de Athena, não tenho o direito de oprimi-los como fizeram os nossos antecessores, nem de desrespeitar a cultura homofalca. Não posso culpá-los, se me odeiam. Não posso, portanto, reclamar de nada.”

“Eu não sabia dessa história. Devo contá-la a Saori?”

“Ela deve saber. É por isso que respeita tanto as leis homofalcas.”

“Você… está muito ligado à cultura deles, Hyoga.”

“Depois de três anos, sim. Isso é ruim?”

“Eu só pensei agora… Se houvesse um conflito entre Athena e os homofalcos, de que lado ficaria?”

“Eu jurei… que defenderia os homofalcos de qualquer coisa. Athena deixou-me com essa missão. Se um dia houvesse uma guerra assim… Eu obedeceria a Athena, ou seja: defenderia os homofalcos até a morte.”

“Mas e se os homofalcos atacassem a humanidade? E se dirigissem os cosmos a Kohotek, onde eu sou o responsável? O que faria?”

Shun atingira-o num ponto vital. Hyoga refletiu e respondeu:

“Eu não sei. Mas de uma coisa eu tenho certeza: jamais atacaria meus amigos de Kohotek. Talvez… precise sacrificar-me… Eu daria minha vida com todo o prazer, Shun.”

“Entendo. Não há resposta fácil, não é? Passei noites pensando se isso viesse a acontecer.”

“Não quero que aconteça. Seria um desperdício de sangue inocente. De ambos os lados. Vamos, vamos andando.”

O amigo sorriu, na tentativa de animá-lo.

“Provavelmente nunca ocorrerá. Além do mais, sabe que formamos um grande time. Vamos, estou ansioso para ajudá-lo, Hyoga.”

Quando entraram na estufa, encontraram mais homofalcas que traziam sacos e sacos de terra. Era um trabalho pesado, mas elas se encarregavam dele com paciência. Muitas sorriram ao vê-lo, mas evitavam Shun.

“Hyoga, você voltou!”, exclamou uma amiga, “veio nos ajudar?”

“Sim, Melanie”, sorriu ele, “e trouxe mais um braço forte para isso. Ele é um grande amigo meu, não precisam ter medo. Seu nome é Shun, e é um cavaleiro como eu.”

Shun aproximou-se gentilmente e tirou o saco de terra das mãos de uma homofalca, que se mostrou amedrontada. Hyoga, no entanto, tranqüilizou-a.

“Calma, Lyris. Se ele fizer qualquer besteira, eu mesmo me encarregarei de puni-lo.”

“Onde devo colocar esta terra?”, perguntou Shun, sorrindo.

“É… naquele canteiro do fundo…”

“Você é que manda. Vamos.”

Hyoga sempre invejara a gentileza irrecusável de Shun. Em qualquer lugar, o cavaleiro de Andrômeda conquistava os corações das garotas com seu jeito simples e educado de ser. Bastava sorrir e falar algo sem importância. Naquele momento, sentiu-se contente por ver que logo Shun não seria mais temido, ao menos às garotas da estufa. Pegou ele mesmo alguns sacos de terra e pôs-se a trabalhar animado.

Quando aquela estufa estivesse pronta, os homofalcos diziam que aumentariam a população até o número antigo. Não aceitavam que a população fosse reduzida facilmente; cresceriam o quanto precisassem, com novos e corajosos guerreiros para lutar pela espécie. Hyoga sabia que a luta dos homofalcos era a luta dele também; por isso, trabalhava com boa vontade.

No final do dia, Shun enxugou a testa e bebeu um pouco de água que Melanie ofereceu-lhe.

“Obrigado. Todo esse trabalho deixou-me com sede. Não acredito que iam carregar tudo sozinhas.”

“Nós somos fortes, rapaz, temos o nosso orgulho. Apesar de gostarmos da ajuda de rapazes bonitos como vocês.”

O cavaleiro sorriu sem jeito. June com certeza o mataria se visse aquilo. Afastou-se, pedindo licença. Hyoga ainda permaneceu mais um pouco para limpar os instrumentos de jardinagem.

“O seu amigo é bem tímido, não?”
“Shun? Ele sempre foi assim.”

E notando que Lyris ia embora, chamou-lhe a atenção.

“Lyris.”

“O que foi?”

“Obrigado por ter trabalhado com Shun. Ele temia ser rejeitado por todos. Sei que teve medo, mas fez tudo sem demonstrá-lo. Fico devendo um favor a você.”

“Entendo. Ainda bem que pude ser útil.”

“Obrigado mesmo.”

A homofalca saiu da estufa sem sorrir, mesmo com a expressão gentil do cavaleiro. Melanie suspirou.

“Aquela garota mudou depois do massacre. Nunca mais sorriu.”

“Ela era a melhor amiga de Seema, não era? Eu sinto por ela. Se pudesse fazer algo…”

“Acho que só o tempo poderá curar as cicatrizes. Não só dela, mas de todos nós.”

“Você tem razão.”

———————————————————-

Mesmo tendo perdoado Charis pelo treino secreto de vôo, como mestre, Hyoga não pôde deixá-la sem punição. No lugar do treino, espancara-a e deixara-a acorrentada dentro da água próxima a zero. Aquele era o mesmo castigo que recebia de Camus, caso lhe desobedecesse. Hyoga tirou-a da água após quarenta minutos. Charis tremia com hipotermia; seus lábios já azuis.

“Aprendeu agora, Charis?”

“S-sim… m…”

O frio impedia-a de falar. Hyoga libertou-a das correntes e levantou-se.

“Espero que não se repita mais. Treino encerrado. Volte para casa agora, antes que morra congelada.”

Tremendo, Charis tentou levantar-se. Entretanto, como Hyoga suspeitara, não conseguiu. Quando ele recebera o mesmo castigo de Camus, fora Isaac que o carregara até em casa. Como não precisava mais ser tão rígido, agachou-se de costas a ela.

“Suba.”

“M… Mestre…?”

“Vamos, vou levá-la.”

Charis agarrou sua túnica e apoiou-se até abraçar o pescoço de Hyoga. Em seguida, ele levantou-se e ajeitou-a nas costas. Ela estava tão gelada que era como se batesse uma brisa siberiana por trás. Condoído, apressou-se.

Shun trouxe um cobertor extra para aquecê-la naquela noite. Hyoga arrastou a cama da discípula para perto da lareira e colocou mais lenha. Em seguida, esquentou água e molhou-lhe o rosto com um pano. Charis levou uma hora para recuperar o rosado da face.

“Mestre?”

“Charis. Ainda está com frio?”

“Sim…”

“Vou dar-lhe mais um cobertor.”

Hyoga cobriu-a com o seu cobertor. Sabia que Camus jamais faria aquilo por ele, mas Charis não ia virar uma amazona. Além do mais, ela sabia que precisava diferenciar treino de sentimentos pessoais.

“Mestre… Obrigada…”

“Precisa descansar. Amanhã teremos treino normal.”

“Sim… Boa noite.”

Ela não se importara da rigidez do treino. Simplesmente aceitava os castigos, as imposições, os exercícios. Se morresse no processo, era apenas a sua fraqueza, nunca falha de Hyoga. Não. Era impossível que o mestre falhasse com ela. Hyoga era um cavaleiro de Athena, afinal, tinha renome. Tranqüila, encolheu-se sob os cobertores e adormeceu, exausta.

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