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[Saint Seiya] Culpado, escrita por Felipe Poseidon

Capítulos: único
Autor: Felipe Poseidon
Fandom: Saint Seiya
Classificação: 12 anos
Gênero: Drama
Status: completa
Resumo: Guilty, Jango. Icer é um valoroso aspirante a cavaleiro. Seu senso de justiça é confrontado com a opinião oposta de seu colega Jango, e com sua própria ambição.


Avisos: O autor preferiu não fornecer avisos.
Disclaimer: Saint Seiya não pertence a mim, e esse texto não tem fim lucrativo algum.
Notas: Embora isso vá um pouco contra o pedido, achei melhor levar em consideração a mitologia do mangá a respeito da Ilha da Rainha da Morte. Com isso, quero dizer:

- Esmeralda não é filha de Guilty, mas uma escrava que ele comprou de uma ilha vizinha;

- Jango defende a armadura de Fênix, e Ikki precisa matá-lo para obtê-la;

- A morte de Guilty liberta os Cavaleiros Negros de sua prisão na Ilha da Rainha da Morte.

Também desconsiderei tudo que possa dizer respeito a esse tema que esteja fora da saga original em mangá/anime. Portanto, ignore o cânone da Gigantomanchia, Episódio G, Lost Canvas, Next Dimension, e o que mais houver.

Esta fic é dedicada à Érika, que me inspirou com seu pedido. Espero que você goste! Sei que prefere fics pós-Hades, mas eu sou viciado em prequels. Por isso, tentei ao menos ser o mais canônico possível, e usei muito poucos personagens próprios. Desculpe se fui muito breve, sempre fico com essa impressão ao revisar meus textos... de qualquer forma, boa leitura!




Culpado



O gosto de sangue brotando da gengiva já não incomodava mais o jovem pupilo. Talvez fosse, na verdade, um alento, uma vez que a boca estava seca de calor e cheia de areia. Os olhos mal abriam em meio à luminosidade excessiva: luz bruta que refletia do chão claro, como se o próprio Sol penetrasse a retina.

- A Ilha da Rainha da Morte – a cada soco, ecoavam-lhe no cérebro as palavras do pai, anos atrás – é um inferno na Terra. Quando quis que você se tornasse cavaleiro, não queria que fosse parar em um lugar tão inóspito...

- Eu aguento... – respondeu o menino, sorrindo com a ingenuidade das crianças, sem os dentes da frente – Vou fazer de tudo para um dia ser como o senhor!

Eu aguento... Caiu no chão. As mãos e os pés já estavam vermelhos pelo contato com o solo, que, a essa hora do dia, beirava os 45 graus. O mestre era severo e exigia lutas ininterruptas das seis da manhã até o anoitecer.

Sete anos se passaram desde o dia em que o menino pisou na ilha infernal, e a criança de rosto alegre que admirava o pai acima de todas as coisas havia desaparecido gradativamente. Agora lá estava um homem quase maduro, de pele queimada e músculos desenvolvidos. Cicatrizes cobriam os braços e as costas, e o rosto estava constantemente ferido, austero e concentrado. Os cabelos loiros sempre bagunçados, os olhos negros brilhantes de sinceridade. O olhar estava treinado e, mesmo cansado, demonstrava frieza e precisão. Todavia, uma coisa não mudou: o objetivo. Icer ainda tencionava tornar-se o cavaleiro de prata de Bússola e voltar vitorioso para o Santuário de Athena, onde o pai o esperaria orgulhoso.

Levantou. Alto e imponente, assustava pelo vigor físico. Apesar disso, alguns de seus rivais conseguiam igualar-se a ele nesse aspecto, e, por vezes, até superá-lo; o treinamento inicial do mestre Ponse os havia preparado muito bem para o combate braçal. Entretanto, o garoto possuía uma grande vantagem: já dominava a própria cosmo-energia, coisa que seus colegas de treinamento estavam longe de conseguir.

- Jango! – dirigiu-se ao rival, enquanto seu corpo se contornava por uma aura brilhante vermelho-claro – Está na hora de trocarmos de rival por hoje, nossa luta já durou tempo demais.

- Não me faça rir! – respondeu o outro – Acabei de quase te nocautear, hehehe. Tá arregrando, Icer?

- Estava esperando você tentar ativar a cosmo-energia em batalha. Lembre-se de compreender o seu poder de aniquilar cada átomo da matéria. Essa é a chave pra obter o poder de cavaleiro...

- Não me venha com sermão! Eu e você somos vermes abandonados no mundo lutando por uma chance! Somos iguais!

Com isso, Jango lançou-se ao encontro do rival, de punho cerrado e ódio no olhar.

- Jango!

Os dois se chocaram. O soco de Jango o atingiu na cara, ao passo que seu ataque atingiu o estômago de Jango, que foi lançado longe pela energia vermelha que lhe brotava do punho, e caiu inconsciente à beira do mar.

- Muito bem... você está quase pronto para a próxima etapa do treinamento. – disse o mestre Ponse, que observava a luta de perto. – Meninos, acudam Jango!

Obedecendo à ordem do mestre, os lutadores que estavam ao redor pararam de treinar foram até a arrebentação das ondas. Jango estava caído à beira da praia, agonizando. A água estava gelada... ao colocarem os pés no vaivém do mar, os meninos suados e feridos aproveitaram para banhar-se ante a distração do mestre, ignorando o colega desacordado.

-Icer, - continuou o mais velho - acredito que você compreendeu que o ódio traz muitos frutos em combate, mas que superá-lo é muito mais importante... o ódio cega, e liberta poderes e vontades dos quais qualquer cavaleiro de Athena precisa se envergonhar. Cada um desperta a cosmo-energia à sua maneira. Talvez Jango o faça em breve, de forma flamejante, pelo ódio e pela inveja. Acredito que você poderá superá-lo mesmo quando ele chegar a seu nível, se mantiver o coração puro. Lutar não é algo pessoal, não se trata de sede de sangue. Um cavaleiro luta porque não pode deixar de fazê-lo, em nome de um bem muito, muito maior que suas vontades. Lembre-se disso...

O rapaz ficou observando calado o mestre afastar-se em direção aos meninos. Amedrontados, os pupilos pararam imediatamente com a algazarra com as ondas e, todos molhados, foram ao redor de Jango, como se jamais tivessem desviado a rota. Em seguida, o levaram para dentro do abrigo onde moravam, sob o olhar severo de Ponse.

A noite foi inquieta. O suor e os mosquitos impediam a continuidade do sono, é verdade, mas a inquietude vinha de dentro. Sonhos ruins, lembranças deturpadas; A Ilha da Rainha da Morte não só afetava as pessoas fisicamente, mas também lhes trazia mudanças psicológicas. Desde tempos mitológicos, o lugar era reduto dos cavaleiros renegados por Athena que, por algum motivo, não foram capazes de entrar para o panteão do Santuário e, revoltados, submeteram-se às armaduras falsas.

Icer levantou, desistindo do descanso. Dormir trazia mais cansaço do que ficar acordado, naqueles dias. O alojamento era feito de pedra bruta, por isso não isolava a temperatura do lado de fora – era impossível permanecer lá dentro durante o dia, por exemplo, e à noite também não ficava agradável. Saiu, de pés calçados para prevenir-se de escorpiões e víboras que caçavam à noite. A lua estava cheia, em contraste ao fundo com os altos vulcões que cercavam a depressão onde moravam.

- Hey! – ouviu uma voz vinda de trás. – Também não consegue dormir?

- Jango? Me desculpe por hoje à tarde, eu...

- Desculpe? Deixe de ser idiota! Você devia ter me matado quando teve a chance. Escuta, tenho uma proposta pra gastarmos a noite.

- Sim?

- Vamos lá ver a armadura de Fênix? Vamos ver como ela reage! Você sabe que nunca nenhum cavaleiro a usou, e que ela tem o cosmo do tamanho de uma armadura de ouro... vamos ver se ela nos aceitaria!

- Jango, está louco? Ir à armadura de Fênix significa entrar no domínio dos cavaleiros negros!

- E daí? São um bando de homens fracos que não conseguem nem sair do território deles, por causa do selo. Já fui até lá. Além disso, um dia alguém tem que ir lá e vencê-los, não?

- Você já foi até lá? Se o mestre Ponse fica sabendo disso...

- Ele só vai saber se você contar, não é? Vamos, confia em mim.

“A armadura de Fênix...” – pensou. – “É, meu pai ficaria ainda mais orgulhoso se eu voltasse com uma armadura que nenhum guerreiro jamais vestiu.”

- Tá. Mas que ninguém fique sabendo disso também, Jango.

- Claro, claro, relaxa. Vem, me segue.

Estavam bem no centro da ilha. Ao sul, localizava-se uma região desértica habitada por nativos, e ao norte estava a região proibida dos cavaleiros negros. A depressão onde se encontravam era cercada por vulcões e pelo mar, de forma que era muito difícil sair dali. Jango parecia conhecer o caminho, tamanha destreza com a qual entrava e saía de grutas, avisando ao companheiro sobre trechos perigosos. Caminharam por meia hora, utilizando-se da natureza para chegar ao destino; escalaram rochas, mergulharam em olhos d’água e esquivaram-se por entre os galhos retorcidos da brava vegetação.

O fim da trilha levava a um vale, atrás da cadeia de vulcões por entre a qual cruzaram. O solo era pedregoso e infértil, como em toda a ilha, mas diferia da região central por ter coloração acinzentada. Nada parecia sobreviver ali, apenas escorpiões, aranhas e vegetação muito especializada.

- Não é difícil avistar a armadura de Fênix. – afirmou Jango – Veja, lá na frente, depois daquelas árvores retorcidas, há uma formação rochosa, certo?

De fato, por detrás do deserto cinza, havia uma concentração de rochas vulcânicas malformadas. Não chegava a ser uma montanha, mas era uma elevação se comparada à regularidade plana daquela depressão. Por trás da rocha havia um brilho, que, à primeira vista, parecia ser a mesma luz que se via no topo dos vulcões, do outro lado da ilha. No entanto, ali não havia vulcões.

- A armadura de Fênix reluz no topo da rocha, sem preocupação em se esconder. Lá está desde tempos mitológicos, e ninguém consegue sequer tocá-la. É como se uma maldição a protegesse. É tão poderosa que aniquila qualquer um que ousa tentar encostá-la. – Completou Jango.

- Pelo que nosso mestre Ponse disse, - respondeu Icer - a própria armadura de Fênix contém o selo de Athena que mantém as armaduras negras presas à ilha. Por isso nenhum homem jamais conseguiu obtê-la... É Athena quem a protege. Bem, vamos andando, não quero cruzar com nenhum desses renegados.

- Se eu fosse você, não os blasfemaria no território deles, he-he-he...

Tencionando seguir, Icer foi interrompido. Percebeu que as sombras das rochas ao redor se moviam, e que de tal movimento emanava hostilidade.

- Jango, está vendo? – Voltou-se para o companheiro, apenas para descobrir que ele havia desaparecido.

Era uma armadilha.

Antes que pudesse se mover, dezenas de homens com vestes negras esgueiraram-se à sua direção, imobilizando-o pelos braços e pernas. A visão era asquerosa: as armaduras que vestiam eram iguais às de bronze e prata originais, mas feitas com metal vagabundo de coloração negra. Quem poderia submeter-se a tamanha humilhação? Quem poderia blasfemar de tal forma o panteão sagrado dos defensores de Athena?

Livrando-se do choque, ativou a cosmo-energia para expulsar as mãos nojentas que seguravam seu corpo. Uma bola de luz vermelha nasceu em suas mãos e, agressiva, cresceu para longe de seu corpo em explosão, expulsando os algozes para longe. Levantou-se, no meio do cerco de cavaleiros negros.

- Jango! Apareça, Jango! – gritou, enfurecido.

- Aqui estou, Icer. – respondeu o outro, surgindo no meio dos cavaleiros negros. Não vestia uma armadura como os outros, mas misturava-se a eles como sendo membro do clube. – Sempre estive aqui. A ideologia dos cavaleiros negros se opõe a posturas como a sua. Você é como Ponse: pensa que seu orgulho o faz um defensor de Athena. Digo-lhe uma coisa: seu orgulho não é nada se comparado à magnitude do sentimento daqueles que são desprezados. O ódio e a inveja fazem com que a cosmo-energia exploda mais forte do que de quaisquer outras formas, e eu estou aqui para provar isso.

- Você?

- Sim, este é o meu território! Ponse não me deu outra escolha. Sempre dizendo que minha cosmo-energia estava errada, que atacar o oponente não devia ser uma manifestação de ódio, mas de justiça, bla-bla-bla. Eu digo: não há justiça nesse mundo, justos são aqueles que vencem, e para vencer não há limite.

- Jango, eu... vamos embora, vamos conversar. Você não está enxergando as coisas como são. – Disse Icer, com compaixão.

- Quem está cercado de ilusões é você, meu amigo. O Santuário não tem nada de justo, nada de pacífico. Tudo que há é corrupção, favoritismo e maldade. Todos sabemos que você, por exemplo, vai ganhar a armadura de Bússola não importa o quão bons seus rivais sejam, só por ser filho de um cavaleiro de ouro.

- Jango, eu... – Icer estava incrédulo.

- Cale-se. Sem chance de ter a armadura, sem oportunidade de explodir meu cosmo flamejante na frente de Ponse, só me restou vir até aqui. Nos últimos anos, ajudei meus amigos aqui a desenvolverem suas habilidades de luta, e os organizei como um exército.

Com essas palavras, os cavaleiros negros soltaram expressões de aprovação.

- Como bem imagina, – continuou Jango – todos aqui concordamos que a armadura de Fênix deve ser minha, para que eu possa liderar os cavaleiros negros em batalha contra o Santuário hipócrita. No entanto, a armadura está selada, e somente um guerreiro com a cosmo-energia forte e pura pode desfazer o selo.

- Você já tentou desfazer o selo sagrado de Athena, Jango? – Perguntou Icer, abismado.

- Claro que não! Tenho a cosmo-energia forte, mas Ponse ousou me dizer várias vezes que não era pura. Além disso, vi muitos amigos morrerem queimados, enlouquecerem ou mesmo mudarem de personalidade ao tocarem na armadura. Como sabe, todos aqui foram renegados, então, sob os olhos de Athena, somos indignos de desfazer seu selo. Precisamos de alguém considerado “bonzinho” pelo Santuário hipócrita. Diz a lenda que um “guerreiro valoroso deve servir de sacrifício a Fênix para que a armadura se liberte”. Bem, adivinhe... esse guerreiro é você, Icer!

- E por que eu faria isso?

- Primeiramente, porque eu quero. Você não poderia lutar contra todos nós, somos um exército de mais de 80 guerreiros.

- Prefiro morrer pelos seus punhos do que servir a seus propósitos! – gritou.

- Imaginei que diria algo assim... – desdenhou Jango. – Mas pense: e se a armadura te aceitar? Você não só nos aniquilaria facilmente como terminaria seu treinamento de cavaleiro mais cedo e melhor do que o esperado, levando uma armadura tão impressionante quanto as de ouro para o Santuário. Papai Aldebaran adoraria isso, não é verdade?

A esse comentário, Icer calou-se. De fato, ser o cavaleiro de Fênix era algo que nunca lhe havia passado pela cabeça, mas que agora parecia tentador. Não, ele não morreria nem enlouqueceria se a armadura o repelisse... isso só acontecia àqueles cavaleiros renegados, sem alma, que nada tinham a perder. De qualquer forma, ele tinha chances de se tornar o cavaleiro de Fênix, de fato. Lembrou-se do pai, forte como um touro, inteligente como uma águia, justo como um dragão. Chegaria a seu nível, mesmo sem ter nascido sob a estrela de um cavaleiro de ouro. Talvez tivesse nascido sob a estrela de Fênix, não havia como dizer que não – ninguém jamais a nascera antes.

- Se eu quebrar o selo, – dirigiu-se a Jango – os cavaleiros negros estarão livres, certo?

- Sim, e é aí que você estaria me fazendo um favor. Talvez você ache que estaria profanando o Santuário ao fazer isso. No entanto, estaria dando oportunidades justas para seus rivais. Depois, se quiser, junte-se a Ponse e ao seu pai e venha nos caçar como cavaleiros honrados. Ninguém merece ficar preso a uma ilha como nós, sem ter cometido crime algum. Cadê a justiça do Santuário de Athena?

- Não concordo com tudo que diz, Jango, mas... está certo, vou até a armadura de Fênix.

- Isso aí, meu amigo! – respondeu Jango, colocando o braço pelas costas de Icer, como se o saudasse. – Sempre soube que era um homem justo e esclarecido. Vamos indo. – E, com um gesto e um assovio, Jango ordenou que os cavaleiros negros os escoltassem. Andaram em tropa até a base das rochas onde a armadura repousava.

- Fiquem aqui. – ordenou Jango aos cavaleiros negros. – Icer, venha comigo.

Os dois guerreiros escalaram a rocha sem dificuldade. Ao chegar no topo, os olhos de Icer foram ofuscados pelo brilho da armadura de Fênix. Aos poucos, pôde contemplá-la. Era dourada, de um brilho de fogo mais impressionante que o da armadura de seu pai. Formava com perfeição uma escultura do pássaro mitológico que a nomeava, sendo constituída pelas caneleiras e joelheiras embaixo, como se fossem os pés de uma ave; a cintura e o peitoral em cima, como o corpo do pássaro; as ombreiras, com penas gloriosas penduradas esvoaçantes, como as asas de fogo mitológicas e, por fim, a cabeça, constituída por uma máscara demoníaca como o rosto de um monstro mitológico, e um capacete em forma de plumas. Na frente da máscara, encontrava-se o selo de Athena, com seu nome sagrado escrito em letras gregas e uma aura prateada mantendo-a fixa sobre a armadura.

- Eu... – balbuciou Icer.

- É belíssima, não é mesmo? – Comentou Jango. – Sempre quis tocá-la, mas... não tenho o coração puro como o seu. – Um sorriso apareceu no canto de sua boca ao completar a frase, mas Icer não percebeu. Seus olhos estavam fixos na armadura, como se estivesse em transe. Como um inseto atraído pela beleza da luz, não pôde fazer nada além de erguer a mão vagarosamente em direção ao objeto de cobiça. Ao aproximar-se da aura que a veste exalava, sentiu os dedos queimando em brasa. A intensidade da energia era abissal. Ignorou a dor, ignorou a razão, e esticou o braço até que um dos dedos encostasse com força sobre a máscara.

Foi como acordar de um sonho direto para um pesadelo. Gritou de desespero, berrou como nunca berrara antes, enquanto a mão grudava na máscara como se estivesse levando um choque de alta tensão. Jango observava a cena com apreensão; queria que seu plano desse certo.

- Mamãe! Mamãe! – gritou o pequeno Icer. – Mamãe, acorde!

- Ela se foi... – disse Aldebaran, com os olhos cheios de lágrimas. – Ela se foi, e a culpa é minha.

- Você a matou! – acusou Icer – Foi o seu ataque que a matou!

- Foi um acidente, meu filho, foi um acidente... – desesperava-se Aldebaran.

- Aniquilar o Santuário hipócrita! – disse Jango.

- Hoje oferecemos a Aldebaran de touro a condecoração de cavaleiro mais valoroso. – Disse o mestre Shion, em toda sua opulência, no trono sobre as doze casas. – De seu trabalho, vêm surgindo nos últimos anos os melhores discípulos e valorosos cavaleiros de prata e de bronze. Também condecoramos Misty, que abdicou de sua armadura de amazona em prol da vida em família com o cavaleiro de Touro e seu filho. Sua morte não foi em vão.

- Aniquilar o Santuário hipócrita! – disse Jango.

- Quero treinar com você, papai. Quero aprender com você o sétimo sentido.

- Não, meu filho, não posso mais treinar ninguém... depois da morte de sua mãe, não posso mais treinar ninguém... vou conversar com o Grande Mestre para que você seja enviado a um valoroso cavaleiro para lutar por sua armadura.

- Você vai para a Ilha da Rainha da Morte, treinar com Ponse de Cabeleira de Berenice pela armadura de Bússola.

- A Ilha da Rainha da Morte – disse Aldebaran – é um inferno na Terra. Quando quis que você se tornasse cavaleiro, não queria que fosse parar em um lugar tão inóspito...

- Eu aguento... – respondeu o menino, sorrindo com a ingenuidade das crianças, sem os dentes da frente – Vou fazer de tudo para um dia ser como o senhor!

- Eu desisti da minha armadura por você! – gritava Misty, bêbada. – Acha que é fácil se apaixonar por um cavaleiro? As amazonas devem escolher matá-lo ou amá-lo! Você foi meu mestre, como poderia matá-lo?

- Pois devia ter me matado, mulher! Devia ter matado seu mestre! Saia daqui!

- Não, não saio!

- Saia, saia!

- Não! Por mais que eu odeie, o despreze, não saio! Você vai ter que me tirar daqui!

- Devia ter me matado então, mulher! – e desferiu um soco em seu estômago. Um soco carregado de ódio, embriaguez e cosmo-energia. Sangue espirrou por toda a casa, sangue espirrou na cara do pequeno Icer.

- Mamãe! Mamãe! – gritou o pequeno Icer. – Mamãe, acorde!

- Ela se foi... – disse Aldebaran, com os olhos cheios de lágrimas. – Ela se foi, e a culpa é minha.

- Você a matou! – acusou Icer – Foi o seu ataque que a matou!

- Foi um acidente, meu filho, foi um acidente... – desesperava-se Aldebaran.

- Aniquilar o Santuário hipócrita! – disse Jango.

- Pois devia ter me matado, mulher! Devia ter matado seu mestre! – Disse Aldebaran, desferindo um soco de ódio.

- O ódio cega, e liberta poderes e vontades dos quais qualquer cavaleiro de Athena precisa se envergonhar. – Disse Ponse.

- Você é como Ponse: pensa que seu orgulho o faz um defensor de Athena. Digo-lhe uma coisa: seu orgulho não é nada se comparado à magnitude do sentimento daqueles que são desprezados. O ódio e a inveja fazem com que a cosmo-energia exploda mais forte do que de quaisquer outras formas, e eu estou aqui para provar isso. – Disse Jango.

- O ódio salva. – Disse uma voz desconhecida. O timbre era estrondoso como um trovão. Estava coberto por uma túnica vermelha, e tinha a silhueta magra e alta; tratava-se da presença de um deus. Seu rosto estava oculto por trás da imagem demoníaca da máscara da armadura de Fênix.– O ódio salva quando a justiça é inútil. Athena organizou um Santuário em nome da guerra por justiça. Guerra e justiça são antônimos. O Santuário se tornou corrupto, a burocracia mundana opõe essa organização à santidade, à ordem e à paz que somente os deuses são capazes de impor. Eu digo: a guerra organiza o mundo, o ódio traz a vitória, e a justiça está com o vencedor. Obrigado por me salvar, ó cavaleiro. Culpado, te chamarão. Mas isso será breve. Em poucos anos, dominarei o Santuário e o destruirei de dentro pra fora. Você não será esquecido. Não se esqueça de mim. Livro-me de meu selo e deixo-o a seus cuidados, por enquanto. Volto para te libertar quando a vitória estiver ao nosso lado.

A essas palavras, Icer contorcia-se de dor, com a mão presa à máscara. De repente, seu braço foi expelido para longe, e o selo de Athena rasgou-se em pedaços. A máscara desvencilhou-se vagarosamente da armadura de Fênix, envolta em energia vermelho-sangue. Jango jamais sentira um cosmo tão poderoso na vida.

A máscara demoníaca traçou um caminho no ar, em direção ao rosto desfigurado de dor de Icer, ao chão. Ao encostar-lhe à face, fundiu-se e queimou-lhe a última expressão humana que teve. Agora, ele e a máscara eram um só.

Assustado, Jango esgueirou-se por trás de Icer para roubar a armadura de Fênix. Ao tocá-la, todavia, um clarão de energia expeliu-se dela, como uma erupção solar, e atingiu-lhe direto no rosto. Queimado, jogou-se rocha abaixo para pedir socorro a seu exército de renegados. O cosmo vermelho arrebatava toda a região, e tudo que os cavaleiros negros puderam fazer foi correr em desespero.

Icer estava morto. Em seu lugar, estava a máscara demoníaca selada por Athena dentro da armadura de Fênix, durante a guerra sagrada que aprisionou o deus Ares. Icer não existia mais; havia, em seu lugar, o selo de Ares, a semente do ódio.

A armadura de Fênix não se entregou a ninguém, e os cavaleiros negros permaneceram aprisionados naquela região da ilha; Isso só mudaria quando o selo de Ares fosse destruído.

No entanto, o cosmo de Icer cresceu tanto com o ódio que o possuíra, que ele se tornou quase invencível. Sem dificuldade, retornou ao acampamento de Ponse e aniquilou a todos. Passou semanas se divertindo com o sangue dos antigos colegas de treinamento, e subjugou o próprio mestre com tamanho ódio que reduziu sua existência a uma massa de sangue e ossos. Tortura e sede de sangue foram sua única forma de diversão, a partir de então. Com frequência, caçava cavaleiros negros ou habitantes da vila nativa somente para torturá-los demoradamente em seu covil. Certo dia, anos depois, recebeu o convite do Santuário para ser treinador de cavaleiros, e aceitou de bom grado.

No momento em que Icer desfez o selo de Athena, certo cavaleiro de ouro de nome Saga teve a ideia de punir o irmão gêmeo invejoso, prendendo-o no Cabo Sounion, na Grécia, para morrer afogado. Mais ideias assim atormentariam esse cavaleiro, e muitas mortes seriam provenientes de tais ideias, como uma fileira de dominós caindo cada vez mais ruidosamente.

Icer fez-se notar para o pai, sem dúvida... não como o cavaleiro de Bússola, nem como o cavaleiro de Fênix, mas seu nome correu o Santuário e sua reputação amedrontou a muitos. Ficou conhecido por todos como Cavaleiro do Diabo, cavaleiro da Ilha da Rainha da Morte, ou, simplesmente, como “O culpado”.

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