|

[Harukanaru Toki no Naka De] A Menina das Três Horas, escrita por Madam Spooky

Capítulos: único
Fandom: Harukanaru Toki no Naka De
Autora: Madam Spooky
Gênero: Drama. Universo Alternativo.
Classificação: Livre
Resumo: Tomomasa e Fujihime. "Todos os dias, pontualmente as três, ele parava a carruagem frente à estação de trem e esperava."


Shortfic escrito para o desafio dos 140 temas do fórum Mundo dos Fics, com o tema "Usual".

Todos os dias, pontualmente as três, ele parava a carruagem frente à estação de trem e esperava. Exatos dez minutos se passavam e o homem conhecido pelos amigos como Tomomasa colocava a cabeça para fora da janela e a via, tão precisa quanto ele, atravessando a rua em passos lentos, levando um ramalhete de flores meio murchas e um cesto coberto por um pano azul bordado.

Observá-la subir, tateando, as escadas da estação até o corredor das bilheterias, os objetos firmemente apertados nos braços, para pouco depois fazer o caminho de volta com olhos marejados e expressão cheia de tristeza era um fardo ao qual condenara a si mesmo nas últimas três semanas. Ainda não se recuperara completamente dos ferimentos herdados em batalha e ainda menos do choque que fora encontrar sua cidade natal transformada em pouco mais que um rascunho da bela metrópole que conhecera. Mesmo assim, insistia em cumprir aquele compromisso que era um bálsamo mais poderoso que os que indicavam os médicos. Vê-la era a comprovação de que nem tudo tinha sido perdido. Que o que realmente importava no passado permanecia vivo.

Assim como se tornara habitual, ela descia as escadas com mais pressa do que as subira pouco antes. Tomomasa apertou o punho contra o peito e sentiu um sobressalto ao ver algo diferente na cena. Lágrimas cascateavam pelas faces dela e, ao transpor o último degrau, perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos no chão, derrubando as flores e quase descobrindo o cesto que conseguira segurar apenas no último instante. Sem pensar, o cavalheiro saltou da carruagem e, ignorando a dor afiada que tomava conta de sua perna esquerda ainda em processo de cura, correu de encontro à jovem, ajudando-a a levantar. Foi apenas quando olhos de ambos se encontraram que, com um estremecimento, ele se deu conta do que fizera por impulso.

- Muito obrigada – ela sorriu entre as lágrimas e agradeceu novamente quando o rapaz lhe devolveu as flores.

Levantaram-se juntos e Tomomasa a conduziu lentamente escada acima, de volta a estação. Ela parecia pálida e trêmula e, embora seus olhos estivessem secos agora, era visível que havia chorado. Acompanhou-a até um banco de madeira e a fez sentar-se, se demorando em pé a fitá-la. Eram os mesmos olhos castanhos, os mesmos cabelos compridos e os mesmos traços harmoniosos que estavam gravados em sua memória, mas ela tinha crescido em uma mulher bonita durante os anos em que estivera fora. Seu olhar havia mudado também, estava sempre dirigido para frente como se não pudesse enxergar – apesar de que ver apenas sombras, como Takamichi lhe explicara, apesar de seus protestos, não podia se chamar de enxergar.

Sentiu o impulso de deixá-la ali e voltar para a segurança do transporte que o esperava, mas suas pernas não obedeceram. Queria ouvir o som da voz dela, ainda que as palavras lhe partissem o coração. Tinham sido muitos anos, ela era apenas uma criança naquela época e quem sabe de quantos jovens condenados ao alistamento ela ouvira promessas de um futuro. Quem sabe qual deles pronunciou as palavras que ela levava no coração.

- Eu sinto muito se o incomodei – a garota abaixou a cabeça e sorriu tristemente. Tomomasa, relutantemente, ergueu-lhe o queixo com a ponta dos dedos e deu um apertão suave na mão que ainda segurava a cesta como se tivesse medo de que ela desaparecesse. Ela não o reconheceria pela visão, mas certamente o faria se ouvisse sua voz, então permaneceu em silêncio.

A jovem sorriu com gratidão e esperou alguns instantes que ele dissesse alguma coisa, mas, como o silêncio continuou, começou a falar ela mesma:

- Eu venho aqui todos os dias esperar pelo trem das três e meia. Ele sempre chega alguns minutos mais cedo, então eu também. – Sua voz era suave e seus olhos contemplativos. – Ele continua a trazer sobreviventes, então eu continuo a vir. Há alguém que prometeu voltar para mim quando eu era apenas uma garotinha.

Ela largou o cesto sobre o banco e levou a palma aberta para frente dos olhos. Tomomasa adivinhou que ela pensava no contorno daquela mão do jeito que se lembrava de antes. Tinha perdido quase toda a visão em um acidente cujos detalhes desconhecia, mas que acontecera enquanto estava fora, em um lugar que imaginara ser o certo a estar se suas intenções eram proteger seu país e seus entes queridos. Sentia-se tão tolo agora. Tomar parte em uma guerra, contribuir para seu avanço, por menos que tivesse escolha, não garantia a proteção de ninguém, assim como nenhum outro bem.

- Eu tenho medo que ele não me reconheça agora – ela riu e suas faces adquiriram um belo tom rosado –, então eu trago as flores do jardim da minha casa onde nos falamos tantas vezes e biscoitos de canela – ela puxou o pano azul revelando biscoitos compridos, a maioria quebrado ao meio por causa da queda. – Ele também não estava no trem de hoje. Você pode pegar alguns se quiser.

Tomomasa obedeceu e levou um biscoito a boca. Eles tinham aquele maravilhoso sabor de canela que o lembrava as manhãs em casa, chás da tarde na companhia de amigos e piqueniques sob as cerejeiras na primavera. A vida antes que o mundo desmoronasse sobre suas cabeças.

- Bons, não?

Ela sorriu e se levantou, levando as flores preciosas e os biscoitos quebrados. Não havia mais lágrimas em seus olhos, mas um sorriso que dizia que suas esperanças haviam revivido. Agradeceu mais uma vez e já caminhava para a saída quando parou e falou mais para si mesma que para o desconhecido:

- Se ele apenas voltasse, eu não me importaria que não fosse por mim.

Tomomasa sorriu, mas não a impediu de afastar-se. A dor na perna tinha diminuído para um latejar ritmado e ele sentia o coração liberto de um peso. Seu fardo acabaria no dia seguinte quando finalmente... Não hoje, mais no dia seguinte, completamente livre de todos os medos.

Da mesma forma que a garota fizera ao partir, ele parou a meio caminho da saída da estação e pronunciou sua própria confissão.

- Ao contrário de você, Fuji, eu sou um homem egoísta. Não suportaria a idéia que não fosse eu quem você estava esperando todo esse tempo.

Era finalmente bom estar em casa.


FIM

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Leia Também

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...