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[Saint Seiya] Estrela de Guerra, escrita por Felipe Poseidon

Capítulos: Único
Autor: Felipe Poseidon
Gênero: drama psicológico
Classificação: 18 anos
Resumo: Fortes cenas de violência; alguns elementos yaoi. Shun questiona-se sobre a validade da Batalha das Doze Casas. Teria sido necessário lutar? Teria sido preciso derramar tanto sangue? O luto a Afrodite de Peixes não é só dele, entretanto. Um encontro inesperado, o ódio da vingança e o amor que sente por Hyoga o farão repensar a necessidade da violência.


ESTRELA DE GUERRA

Fanfic por Felipe Poseidon


História escrita para o Amigo Oculto de Fanfics 2009, promovido pelo Saint Seiya Superfics Journal.


Saint Seiya e todo o universo decorrente, sobre o qual se baseia este texto, pertence a Masami Kurumada, Shueisha e Toei Animation.

Atenção: Este texto contém fortes cenas de violência explícita e alguns elementos yaoi.


Viva! Tirei a Nemui! Foi bastante divertido escrever esta fic, já que conheço alguns dos gostos mais pitorescos da minha amiga secreta, e pude aproveitá-los totalmente. Escrevi cada palavra pensando na reação dela, por mais que tenha colocado coisas muito minhas que ela não aprecia (mas meu Shun é um amor, convenhamos!). Procurei aproveitar a ideia do pedido de Saint Seiya que ela fez, que falava do luto aos cavaleiros de ouro que morreram na batalha das 12 casas, mas levei isso para outro lado. Espero que tenha acertado a mão, e que tenha nascido um texto prazeroso e adequado!

Nemui, divirta-se, hohoho!




ESTRELA DE GUERRA


À Nemui.



O cheiro do pequeno quarto de madeira era inebriante. As crianças brincavam sobre aquele chão e sujavam as roupas brancas com o excesso de cera misturado à umidade. O menino que se excluía ao canto, cabisbaixo, olhava um livro com extrema concentração. Seus cabelos longos mal cortados derramavam-se sobre aquelas páginas, misturando-se ao suor e à tristeza.

O rosto dela já desaparecia de sua memória... Até alguns anos antes ainda lembrava de seu cheiro, embora fosse muito pequeno quando a vira pela última vez; agora nem isso. O cheiro da mãe vinha sendo substituído pelo cheiro do chão encerado daquele lugar horrível... Não chorava; ainda não sabia chorar. Guardava para si toda a angústia que sentia. Engolia o sofrimento para parecer bem para o irmão.

Ikki... sempre se sacrificando tanto para que ele ficasse confortável.

Estava olhando para o mapa da Europa: um grande pedaço de terra sólido e conectado, bem maior que o Japão. Por que um lado decidia guerrear com o outro? Países tão próximos, e mesmo assim tão decididos a se destruir. Via na televisão os horrores que a guerra vinha trazendo. Pilhas e pilhas de homens mortos... buscava alguma resposta naquele livro, mas nada parecia justificar... tudo não passava de explicações frias, como se a matança fosse normal, aceitável, boa. Por quê?

-Nii-chan – chamou.

-Shun? Tudo bem? – respondeu Ikki, preocupado, interrompendo sua própria leitura.

-Nii-chan, por que há tanta guerra? Por que tantas pessoas morrem pra defender um lado do mapa?

Ikki, sem responder, virou algumas páginas do livro de Shun e lhe mostrou. O menino contemplou, então, uma linda bola azul-esverdeada brilhando entre as estrelas.

-Essa é a Terra vista do espaço, Shun. – disse o mais velho.

-A Terra? Como ela é linda... Ikki! Estou vendo a Europa, a África, o Japão... mas nessa foto não há fronteiras como nos mapas. O padre disse que fronteiras são linhas imaginárias para demarcar territórios. Então eu pensei... se não passam de imaginação, por que acontecem tantas guerras? Por que os povos não se entendem melhor? – Perguntava Shun, com a angústia reprimida, esperando que o irmão lhe desse alguma resposta definitiva, satisfatória, que lhe enchesse aquele vazio interior de uma vez por todas.

-Ikki! – continuou, perplexo com a expressão esquisita do irmão. – Do jeito que as coisas andam, do jeito que eu vi na televisão, vão existir cada vez mais órfãos como nós, sem nem conhecer os pais... Ikki! Por quê? É tão triste crescer sem uma família, por que os homens não pensam nisso antes de começar as guerras? Por que não se lembram que são todos irmãos, que não podem acabar com a vida uns dos outros? Não entendo... Queria poder ajudar. Assim, haveria menos crianças como nós... Isso seria ótimo, né? Hein, Ikki? Ikki? Nii-chan?

O cheiro de cera não era mais tão doce. Já não era ele que substituía o cheiro da mãe. Agora só havia o cheiro entorpecente de veneno, e o silencioso aroma da morte. Lá estava Afrodite, morto, envolto em suas próprias armas traidoras. Sangue, muito sangue misturava-se no chão. As forças esvaíam-se completamente: consegui vencê-lo!

Consegui...

Consegui...

Mas de que adiantou? Por que derramei tanto sangue? Por que fiz exatamente o mesmo que aqueles homens que davam suas costas à paz?

Por quê?

Nii-chan...

***

O sol batia sobre seu rosto, acordando-o. Despertava sozinho, solitário, naquela cama grande e dura que o Santuário disponibilizou. Estava vivo agora, respirava o ar puro, sentia o sol.

Tudo aquilo passara... Ikki estava bem, o convívio com o irmão querido não terminara naquela cruel luta em Virgem. E Hyoga... Não teve, depois de tudo, a centelha de seu cosmo apagada pela frieza de Aquário.

Acariciou os próprios ombros, imaginando as mãos do amigo. “Aposto que se ele dormisse comigo, eu não sonharia com aquela luta novamente”, pensou.

Mas sonhava... noite após noite, sonhava com o rosto de Afrodite perdendo a fria luz de vida que ostentava. Sentia o remorso pulsando por dentro de sua pele. Levantou-se. Seu cômodo era o mesmo de Seiya, mas só o via lá para dormir – e era impossível acordá-lo. Faltavam alguns dias para que voltassem à Fundação Grado, no Japão.

Ikki já partira...

Despiu-se. Buscou suas roupas na cômoda vazia de madeira apodrecida que jazia encostada à parede de pedra, coberta de pó e teias de aranha. Ia iniciar o dia da mesma forma que os anteriores: vento, bosques do Santuário, cemitério, luto. Muito já ouvira de várias bocas, mas não podia se conformar com a carnificina que participara. Não podia compreender por que nascera sob uma estrela de guerra. Não podia encontrar motivos para a luta interna do Santuário. A natureza humana é assassina? A discórdia é o traço característico da racionalidade?

Estava marcada uma reunião dos quatro cavaleiros de bronze insurgentes e Athena reencarnada ao entardecer. Shun recebera o aviso pomposamente, por meio de um assecla do Santuário que fora ler o convite em seus aposentos. Não encontrava Saori há alguns dias... Devia ser muito difícil para uma adolescente mimada como ela comandar uma fundação multimilionária, e mais difícil ainda adaptar-se ao comando do Santuário. Por outro lado, ela amadurecera muito desde que se conheceram...

O som do vento aos ouvidos sempre agradava ao espírito do cavaleiro de Andrômeda. Sentia um grande alívio, seja qual fosse a dor, quando caminhava pela relva e deixava o vento cortar-lhe os cabelos por entre o rosto. É verdade que não pôde fazê-lo com muita frequência durante o treinamento na Ilha de Andrômeda, embora a dor fosse tremenda, nem tampouco pudera dar-se a tal luxo desde que retornara de lá, mas agora podia. Caminhava pelo Santuário, buscando paz interior, respirando o cheiro de plantas daquela região mitológica. No entanto, agora a dor não passava...

O que seria daqui pra frente? Era estranho pensar o que fora sua vida até então, qual objetivo tivera e se o cumprira. Perdera os pais, fora separado do irmão, superara-se física e sentimentalmente, conseguira aquela armadura, aquele poder... para quê? Tanto sacrifício e superação para, no fim das contas, fazer como o resto da humanidade: conflitar, matar e ferir? Nascera para aniquilar oponentes sob um disfarce de benfeitor?

Desceu pelo território irregular do Santuário por uma longa distância. Já conhecia aqueles lugares muito bem... embora se sentisse extremamente triste no cemitério dos cavaleiros, não podia deixar de ir lá.

Não queria, afinal, ter-se envolvido naquela batalha. Não queria ser ofensivo e vencer agredindo alguém, preferia o sacrifício, o acordo, a paz.

Afrodite era um guerreiro triste, pensava. Lembrava-se de ver uma grande melancolia naqueles olhos tão bonitos. Talvez não tivesse sido possível vencê-lo se não fosse a tristeza que sugava as energias dele... e tal pensamento trazia Shun ainda mais para baixo; aproveitara-se de uma fraqueza que também possuía para matar alguém.

Havia poucas flores naquela região do Santuário, pois o solo era constantemente revirado pelos coveiros; a morte era comum naquele lugar. Além disso, poucas pessoas deixavam oferendas para os falecidos, os cavaleiros não tinham tempo ou permissão para cultivar entes queridos. Shun deteve-se no lugar onde Afrodite fora enterrado, ao lado do qual se sentou. O túmulo do cavaleiro de Peixes era igual ao dos outros cavaleiros mortos durante a guerra, ornamentava-se apenas com uma singela cruz de madeira com o nome do falecido encravado.

Havia, entretanto, desde o primeiro dia em que fora até lá, um toque de diferença: uma solitária rosa vermelha.

Não ousava tocar na flor, mas percebia que ela jamais murchava ou secava. Imaginava se a vontade de Afrodite manifestava-se nela, uma vez que seu jardim fora aniquilado pelo Pégaso. Seria aquela a única chance que o guerreiro teve de manter sua beleza viva? Não duvidava disso, pois Afrodite era mesmo um guerreiro sensível...

Era inevitável, entretanto, olhar para aquela rosa rubra e lembrar-se do sangue. Como aquele homem tão belo e delicado conseguia matar sem sentir-se mal? Como pôde assassinar o bom Cefeu e, orgulhosamente, anunciar o fato antes da luta? Não sentia raiva ou ódio, apenas não entendia. Não conseguia conceber como alguém era tão cruel e tão belo ao mesmo tempo.

Repetia o ritual de ir aos túmulos em reverência ao cavaleiro de Peixes todos os dias desde a batalha pelas doze casas, buscando absolvição pelo que fizera. Não teria sido melhor ter desistido na Ilha de Andrômeda? Ter permitido que aquelas ondas o consumissem como a rainha mitológica? Assim não teria motivos para se arrepender agora... não teria causado a morte de Albion, e não teria feito June sofrer.

Mas também teria perdido Ikki para sempre, e... não teria encontrado Hyoga.

Seria melhor, não encontrar Hyoga?

Ajoelhado perante o túmulo de Peixes, teve os pensamentos interrompidos pelo toque de uma mão gelada em seu obro. De sobressalto, olhou e viu contra o sol alvos cabelos e um belo sorriso sincero. Era o cavaleiro de Cisne. Seus olhos claros estavam cansados, embora os ferimentos da batalha recente já estivessem cicatrizando. O amigo abaixou-se e, à altura dos olhos de Shun, perguntou com voz suave:

- Continua vindo aqui chorar?

- Não. – respondeu, não sendo capaz de esconder a cara inchada do pranto constante. – Apenas não consigo entender muito bem por que tudo aquilo foi acontecer com a gente...

Estavam perto do túmulo de Kamus. Ao lembrar-se disso, sentiu um nó na garganta: seria a dor de Hyoga maior que a sua? Certamente... Ele, afinal, fora forçado pelas circunstâncias a matar o próprio mestre. Talvez, para Hyoga, Shun fosse sortudo por ter podido vingar a morte de Albion, enquanto ele teve de superar Kamus. Sua dor era egoísta.

- Tem razão... – disse o Cisne. – Mesmo depois de tantos anos, é difícil entender por que fomos destinados a isso... mas não se culpe, Shun. O que fizemos talvez jamais seja perdoado, mas trouxe a paz. Não ouviu as palavras de Saori? Essa batalha purificou o Santuário de um mal antigo e persistente.

- Sim, mas... nada indica que dessa vez seja algo a mais do que uma paz frágil, que pode ser quebrada novamente pela ambição, pelo ódio gratuito, por estúpidas fronteiras...

- E então estaremos aqui, para acabar com as ambições e fronteiras, não é mesmo? – disse Hyoga esforçando-se para dar a Shun um olhar animador.

Como se as palavras felizes e o rosto acolhedor não surtissem efeito, abraçou Andrômeda. Embora suas mãos fossem frias, o calor do seu cosmo era envolvente.

- Obrigado... – prosseguiu o Cisne – Você se preocupou muito comigo e com nossos amigos durante a batalha. Sinto muito que você também tenha matado alguém, mas me orgulho da sua força.

Shun não respondeu nada. Não foi capaz. Não somente as lágrimas lhe impediam a fala, como também não sabia o que dizer. Seus sentimentos por Hyoga tornaram-se muito notórios durante a luta, e eles ainda não haviam conversado a sós desde então. Era surpreendente que o rapaz pudesse consolá-lo como um bom amigo, quando certamente continha uma dor muito maior que a sua. Hyoga era um homem realmente forte... Seu abraço era de fato atraente. Entregou-se, como jamais se permitiria fazer novamente. Chorou no ombro do Cisne, sem poder descrever para si o que sentia. Percebia a respiração dele em seu pescoço, a força de seus braços lhe envolvendo, seu cheiro tão característico lhe enchendo o pulmão com calmaria, e desejou que o tempo parasse naquele instante. Afinal de contas, ambos sofreram tanto a vida toda... por que não tinham o direito de amar?

Mas ele não faria nada, não tomaria iniciativa alguma. Tinha medo de ferir Hyoga confessando algo que ele não pudesse corresponder. Preferia ficar ali, do jeito que estava, sem exigir nada dele...

Sofreu uma pungente alfinetada de frustração quando o prazer do abraço se rompeu; Hyoga levantou-se rápido, desvencilhando-se de Andrômeda.

- Não está sentindo? – perguntou.

Shun olhou para seu rosto sobressaltado; ele buscava algo ao redor.

- Não percebe um cosmo diferente?

Prestando atenção, enquanto enxugava as lágrimas e recobrava a consciência, Shun pôde notar. Levantou-se e encarou a rosa sobre o túmulo. Branco de susto, afirmou com firmeza:

- Hyoga, este é o cosmo de Afrodite!

O Cisne lhe retribuiu o olhar com estranheza. Era um cosmo fraco agora. Pensando bem, não se parecia com o de um cavaleiro de ouro... Talvez Shun tivesse imaginado aquilo, talvez fosse o remorso aflorando.

Quando levantou as mãos para secar as lágrimas, sentiu uma dor surpreendente na superfície do antebraço: algo lhe cortou com precisão. Levantou-se e, olhando, viu uma nova rosa vermelha fincada ao chão, suja de seu sangue no hirto talo espinhento. Seu punho tinha um corte profundo escorrendo vermelho e ardendo fortemente. O líquido rubro e quente descia-lhe pelos dedos em abundância. Aquilo era uma rosa piranha? Foi atacado em plena luz do dia?

-Quem está aí? – perguntou Hyoga, aproximando-se do amigo em defesa.

O ar agora estava morno e pesado, as nuvens se agrupavam acima. Não havia um único barulho perceptível, além daquele proveniente dos corvos. O cheiro de morte habitual permanecia intocado, e não parecia haver movimento algum. Shun esforçou-se, mas não conseguiu perceber nenhuma cosmo-energia, nem mesmo alguma fraca presença agressiva; a energia que sentira antes havia sumido.

Tudo que via era a cara morta de Afrodite. Ela vinha do interior de sua mente, do fundo de seu coração.

Hyoga segurou firme seu braço, os dedos suaves manchando-se de sangue.

-Precisamos de um curativo. – disse ele, rasgando um pedaço do tecido da calça para envolver o ferimento.

Shun observou o próprio braço novamente. O corte era mesmo profundo, mas não sentia veneno algum. Seria mesmo uma rosa piranha? Hyoga terminou o curativo e encarou-o, preocupado. Tentou olhar tranquilamente em retorno, mas não foi capaz; Ia ao cemitério em busca de absorção e paz interior, e tudo que obtinha eram mais e mais dúvidas. Podia o espírito de um cavaleiro manifestar-se daquela forma? Conjurar objetos e atirá-los para ferir? Considerando que sim, sua dor no coração era ainda maior... Afrodite não o perdoava, nem mesmo após a morte.

Pegou a flor que o cortou, e examinou. Que perfume! Apenas cheiroso, não inebriante como aquele da casa de Peixes. Era idêntica à do túmulo... a beleza sóbria do cavaleiro de Peixes.

-Solte isso. – falou Hyoga, em tom preocupado – Há muitos relatos estranhos sobre este lugar, é melhor irmos embora.

Hyoga deu as costas e seguiu andando, morro acima. Shun seguiu, não tinha forças para se afastar dele por um segundo, fraco como estava se sentindo. A segurança que ele lhe transmitia era palpável, oposta à terrível sombra de culpa que crescia mais e mais na garganta.

Por mais que olhassem ao redor enquanto subiam, nada notaram; a paz do lugar não se alterou, e o único elemento que destoava do cinza sepulcral era o rubro do sangue em seu braço e das duas rosas caídas no túmulo de Peixes. As lágrimas começavam a secar; tornavam-se mágoa mais profunda e duradoura.

***

As escadarias de pedra dura ainda estavam como naquele dia. Aqueles degraus foram os breves momentos de descanso que puderam ter em meio à guerra... Lá estavam, intocados, desde os tempos mitológicos. Shun subia em direção ao templo de Athena. As memórias do percurso jamais sairiam de sua cabeça...

Lá estavam Saori, Seiya e Shiryu. Cumprimentaram-se. Shun não via Saori e Shiryu há dias... não estava propriamente feliz em vê-los. Não eram amigos? Por que seu sentimento por eles era tão frágil e casual fora da batalha, na vida real? Por que tudo era tão insignificante na vida real?

-E Hyoga, onde está? – perguntou, depois da sessão de cumprimentos vazios.

-Só falta ele para começarmos a reunião – respondeu Athena.

-Está com saudades do Japão? Saori adiantou que estamos aqui para combinarmos os detalhes do nosso retorno. – Falou Seiya, no tom alegre com o qual Shun estava mais do que acostumado.

Não. Ele não estava ansioso para voltar pro Japão. Por que estaria? Não tinha raízes lá... não tinha raízes em lugar algum. Não estava ansioso para nada.

Esperaram por Hyoga alguns minutos. Shiryu comentou que ele devia estar ocupado com alguma coisa, e Seiya falou sobre algo relacionado à viagem, sobre o jatinho e bagagem. Coisas tão banais... será que eles estavam mesmo em paz consigo mesmos? Depois de tudo que fizeram, conseguiam não pensar naquelas doze horas? Conseguiam viver?

Por que não se via capaz de ocupar-se com banalidades também?

Ouviram passos na antessala do templo, barulhos rítmicos de alguém chegando. No mesmo ritmo batia o coração de Shun; sentia-se bobo. A ansiedade por ver Hyoga manifestava-se fisicamente, agora.

-Senhora Athena! – gritou uma voz estranha.

Saori olhou para os outros, com a mesma cara de surpresa que todos compartilhavam. Não era o Cisne, era uma voz estranha, urgente.

-Sim? Entre e apresente-se! – respondeu Athena.

O homem penetrou pelas portas pesadas. Vestia a mesma roupa rasgada e as singelas proteções de couro que todos os guardas de pequeno escalão do Santuário vestiam, mas ostentava-as danificadas. Ferido, tinha sangue a escorrer pelas pernas e a misturar-se com o tom rubro do tapete onde pisava. Shiryu aproximou-se, preocupado – o rapaz estava exausto, mal se sustentava de pé.

-Sou Emir, da divisão das fronteiras do Santuário. Vim reportar um problema em nome de Hyoga de Cisne! – Grunhiu, em meio à falta de fôlego.

Hyoga? Em que problema teria se envolvido? Shun poderia gritar por informação, mas como sempre engoliu o que tencionava. Não podia demonstrar aos outros o tamanho do sentimento que encerrava. Eles não entenderiam...

-Prossiga.– ordenou Saori, perplexa.

-Um aspirante a cavaleiro foi encontrado morto no início da tarde, nos arredores do cemitério do Santuário. Meu comandante reportou o fato ao cavaleiro de Cisne, e nosso pelotão foi guiado por ele em investigação.

O rosto do homem, já pálido desde sua entrada, converteu-se em traços de desespero como quem lembra de algo horrendo.

-O homem morto era Eric, aspirante à armadura de Golfinho. Pertencia ao pelotão do cavaleiro de prata Ishtar de Cassiopeia. Fomos, portanto, contatar o mestre do morto primeiro. Não o encontramos, por isso repassamos os fatos ao Cisne, que estava a postos. – prosseguiu, gaguejando.

-E onde está Hyoga agora? Por que está ferido? – perguntou Athena.

-Nós... O senhor Cisne... – olhou para o chão, o terror estampado em seu corpo que tremia. – Descemos até a depressão do cemitério para examinar o local da morte da vítima... havia sangue por sobre os túmulos dos cavaleiros de ouro, mas o corpo já havia sido retirado pela expedição anterior. Foram proibidos de dar detalhes do estado do cadáver, pareciam chocados, mas... eu jamais pensaria... – hesitou novamente.

Parecia difícil demais para o pobre homem relembrar o que presenciara. Calou-se, caindo francamente nos braços de Shiryu. Estava a ponto de desmaiar.

Foi então que Shun se exaltou. Precisava saber imediatamente como estava Hyoga; uma angústia crescia-lhe peito acima, muito difícil de conter. Em situações normais, engoliria o sentimento pensando em não preocupar ou não chocar os outros, mas agora não era capaz; dias atrás, arriscara a própria vida para devolver calor àquele belo corpo gélido. Não podia conceber que depois de sofrer e lutar tanto, Hyoga tivesse...

-Hyoga está vivo? Por favor, me diga! Onde está Hyoga? – gritou, alto e firme, com um timbre de agonia ao fundo de sua voz. Viu o rosto do homem contrair-se de susto com seu ímpeto, e voltou ao estado normal de repressão quando deparou-se com a expressão de Seiya, preocupado. Queria chorar, queria pegar aquele homem pelo pescoço e arrancar-lhe a resposta que tanto ansiava, mas conteve-se. Os segundos que se passaram entre sua pergunta e a resposta de Emir pareceram-se horas, mas chegaram.

-Fomos atacados – disse, com a voz fraca e tremida, mas consciente. Shiryu lhe dava apoio, próximo à porta pesada do templo. – Havia rosas sobre o túmulo de Afrodite de Peixes, belas e intactas, mesmo sob o sol severo do meio-dia. Nosso companheiro que ia na linha de frente ficou impressionado pela beleza de uma das flores, e foi pegá-la, embora o senhor Cisne tivesse aconselhado-o a não fazê-lo.

-No instante em que ele tocou no caule da planta, fomos atacados por centenas de flores pontiagudas descendo pelo céu, como flechas. Eu corri, morro acima, e... – o homem começou a chorar. – Alguns dos meus companheiros, feridos pelas flores, começaram a... arrancar os próprios olhos. – hesitou novamente, soluçando em pranto. – O senhor Cisne tentou criar um círculo de gelo para protegê-los, mas as rosas quebravam seus cristais. Elas não pararam de cair por algum tempo, e não havia a presença de nenhum cosmo... eu não percebi, pelo menos, e... meus companheiros arrancaram os próprios olhos até que seu sangue se esvaísse e começassem a se contorcer no chão, com os corpos todos fincados por rosas. Quando a chuva parou, eu e mais dois sobreviventes nos reunimos com o senhor Hyoga. Ele, então, ordenou que eu viesse avisar-lhes do ocorrido, e seguiu para fora dos limites do Santuário.

-Hyoga! – gritou Seiya. – Precisamos ir atrás dele! – e saiu andando em direção à saída.

-Seiya, espere! – ordenou Athena, impaciente. – Precisamos analisar a situação. Um ataque de rosas... o que isso significa?

-Afrodite... a culpa é minha! – ajoelhou-se Shun, o descontrole tomando-lhe por completo. Tremia, pensava no sangue do cavaleiro de Peixes escorrendo junto ao veneno de suas próprias flores. Hyoga! Seu corpo tão azul, tão sem vida, tão gelado...

Em frangalhos, Andrômeda contou suas experiências no túmulo de Afrodite. Disse que sentia-se mal por ter matado um guerreiro tão valoroso e triste, e que por isso visitava o local diariamente desde a guerra. Relatou ainda o ataque que sofrera no começo do mesmo dia, e que estava receoso de que o espírito de Afrodite não o perdoasse.

Emir chocava-se a cada nova palavra proferida por Shun, a ponto de precisar fechar os olhos e sentar no chão, apoiado em Shiryu. O Dragão e o Pégaso defendiam a necessidade de irem imediatamente ao resgate de Hyoga, buscando rastrear seu cosmo nas vilas próximas ao Santuário.

Saori, por sua vez, claramente não sabia o que fazer. Era uma crise muito grande para um Santuário recém-purificado, e para uma comandante recém-chegada. Ordenou que os guardas, comandados por cavaleiros, iniciassem buscas.

Shun colocava cada vez mais em dúvida a importância daquela batalha pelas doze casas; teria sido, afinal, apenas carnificina gratuita? O Santuário teria uma corrupção perpétua em seu interior? Ou pior: o que fizeram era a própria corrupção, e agora os fantasmas injustiçados tentavam se vingar? Suas convicções mais profundas começavam a falhar... E agora não havia Hyoga nem Ikki para lhe dar forças.

***

Chovia um temporal sem piedade sobre os telhados de palha da pobre vila mediterrânea. Aquelas dezenas de pessoas viviam ali por gerações, tão perto do templo de Athena, e tão pouco sabiam sobre o Santuário e os cavaleiros... Shun caminhava pelas ruas estreitas, os pingos grossos batendo em sua armadura e produzindo barulhos metálicos que chamavam atenção; podia ver os olhos tristes e curiosos observando-o pelas pequenas janelas sujas.

Os cosmos de Shiryu e de Seiya estavam próximos, assim como os de Mu e Aldebaran... Os cinco cavaleiros vasculhavam a vila ao sul do Santuário buscando um mísero faiscar da presença do Cisne, mas nada encontravam. Rosas pontiagudas, pessoas arrancando os próprios olhos, sangue escorrendo em abundância, o olhar apavorado de Emir... Hyoga...

A atenção de Shun mudou de foco quando percebeu uma mudança nos barulhos dos pingos de chuva em sua armadura. As correntes estavam se mexendo, levantando-se espontaneamente como cobras prontas para dar o bote. Sentiam alguma coisa! Andrômeda sabia que as correntes de sua armadura tinham o poder mitológico de encontrar o que seu cavaleiro mais desejasse encontrar, com uma sensibilidade muito superior à capacidade humana, mesmo a de um guerreiro como ele. Começou a correr para onde apontavam. Seu coração palpitava de esperança – se elas diziam a direção de onde estava a pessoa que seu coração mais desejava ver, ele ainda estava vivo.

Seguiu por muitos minutos, correndo o máximo que podia, sob a chuva torrencial. As correntes o guiaram de volta aos perímetros do Santuário, mas nunca tinha ido para aqueles lados, ficavam muito além da área de treinamento das amazonas. Pisava em poças profundas, pois o solo agora era arenoso e com muito poucas plantas.

Parecia que estava fugindo de Leda e Spika nas noites tortuosas da Ilha de Andrômeda, molhando-se com a cruel chuva noturna daquele inferno. A corrente mudava de direção bruscamente, indicando-lhe que direção tomar por entre os labirintos de árvores retorcidas e pedras milenares. Não pensava, só sentia. Queria vê-lo, precisava vê-lo.

A corrente perdeu vida de uma vez, quando ele saiu de uma senda de pedra e penetrou no que parecia ser um bosque, à pouca luz daquela noite fechada. A chuva, aos poucos, enfraquecia, oposto ao palpitar de seu coração. Não percebia mais os cosmos dos companheiros, não sabia a que distância estava da vila ou do templo de Athena. Estava frio e escuro, e agora que voltava à razão pensava no perigo que estava correndo. Ainda assim, a armadura, bela e viva, recém-restaurada através do sangue dos cavaleiros de ouro, não poderia estar errada... Hyoga deveria estar naquela região.

Sim... uma tênue alegria crescia-lhe peito acima. Era a presença do Cisne! Podia sentir a segurança e o calor voltando ao seu corpo. Ele estava por perto!

-Corrente relâmpago! Por favor, encontre Hyoga!

Os elos metálicos cresceram a partir dos braços da armadura de Shun sem fim, enfileirando-se em vaivéns triangulares. Seguiam sem direção em uma velocidade incrível, produzindo uma frequência de barulho metálico assustadora. O raio procurava incessantemente aquilo que o cavaleiro ordenava, circulando-o, afastando-se e reaproximando-se em meio à escuridão. Algo estava confundindo a precisão lendária daquelas correntes... Um redemoinho prateado formava-se em torno de Shun, a esperança crescente de saber que Hyoga estava bem, que não fora morto pela vontade de Afrodite, que poderia amá-lo...

Ficou tonto ao acompanhar as correntes girando violentamente, o barulho de metal confundindo-lhe os pensamentos. Afinal, que lugar era aquele? Quem estava ofuscando seu cosmo? Sentiu aquela presença que lembrava Afrodite. Viu, novamente, a cara pálida do belo cavaleiro perdendo o brilho de sua energia majestosa naquela noite trágica. Sentiu o mesmo cheiro daquela noite... As rosas demoníacas seriam uma presença constante em seus pensamentos por muito tempo... As rosas, o cheiro de morte, a escuridão.


***

Acordou com a luminosidade forçando-lhe a vista. A chuva passara, o Sol brilhava forte. O som dos pássaros era notável, cantavam felizes como se fosse primavera. Abriu os olhos e viu insetos voando por sobre seu corpo, a maciez da terra quente abaixo. Que lugar era aquele? Levantou-se e, confuso, olhou ao redor. Estava cercado por roseirais, em exuberante florescer. Sentado no solo, não via além das plantas em seu redor, os galhos retorcidos carregados de flores eram mais altos que seus olhos. Espinhos tão grandes quanto as flores brilhavam com o choque do orvalho com a tímida luz do sol.

Ficou de pé. Percebeu que também havia margaridas, violetas, orquídeas e flores das mais diversas, plantadas em fileiras organizadas e florescendo abundantemente. As dimensões do jardim eram bastante consideráveis, já que as plantações perdiam-se no horizonte.

-Despertaste, Andrômeda? – Shun ouviu uma voz firme vinda de trás. Ao virar-se, surpreendeu-se: jazia um homem de altura mediana, as proporções corporais perfeitas, vestes leves de algodão. Seu rosto era exemplar, belo como o de uma estátua sagrada; os olhos verdes brilhavam por entre a franja de finos cabelos loiros que caíam levemente pela face. O nariz e a boca eram suaves, a pele alva como a neve, o sorriso encantador.

-Quem é você? – perguntou Shun.

-Sou Ishtar. Sou o dono desse jardim... gosta? – respondeu, calmamente.

-Como me trouxe aqui? Que lugar é esse?

-Aqui são os jardins do Santuário. Eu e Afrodite cuidávamos das flores juntos. – Disse o homem, sorrindo pontualmente ao ver a cara de Shun quando mencionou Afrodite. – Sim, Afrodite de Peixes, aquele que você matou. – Mudou a expressão angelical para uma seriedade impiedosa.

-Afrodite... sim, eu... – balbuciou Andrômeda, sem poder encarar o homem. A presença que sentira antes era dele. Era impressionante como lembrava a cosmo-energia de Afrodite, embora menos agressiva. As palavras lhe faltaram, o remorso irrompendo na glote.

-Siga-me. – ordenou Ishtar, em tom de ira, dando-lhe as costas e caminhando decididamente em meio aos roseirais.

Andaram pelas flores até uma casa de vidro no meio da plantação. Shun nunca havia estado em uma estufa antes, mas pôde reconhecer a construção. Tratava-se de um edifício amplo, com as paredes e o telhado de vidro resistente, já esverdeado. No interior, o vapor das plantas embaçava as paredes, mas era possível enxergar longas mesas de trabalho, onde jaziam vegetais coloridos.

-Entre. – Disse o homem, no mesmo tom imperioso de antes. Shun obedeceu, não podia negar a vontade de alguém tão decidido que usara o nome de Afrodite. Seria amigo dele?

Esse Ishtar se parecia com Afrodite... ambos eram muito bonitos e altivos... Lá estava, ainda, o corpo esbelto do cavaleiro de ouro atirado ao chão, envolto em sangue e rosas. Culpa sua, responsabilidade de suas mãos.

O calor no interior da estufa era quase insuportável, de forma que Shun começou a suar minutos depois de ter entrado. Havia um cheiro forte desagradável, claramente proveniente dos vasos coloridos enfileirados pelas inúmeras estantes e mesas do lugar. O perímetro da grande sala era tomado por canteiros, de onde nasciam plantas grandes e multicolores. Algumas delas agarravam-se às paredes e cresciam pelas janelas até o teto, desesperadas pela luz, tão escassa naquela translucidez opaca.

-O que quer de mim? – Shun rompeu o silêncio, sem fôlego.

-Não seja mal-educado, cavaleiro. Sente-se, quero conversar com você. – Respondeu o homem, indicando uma poltrona de madeira maciça entre alguns canteiros de mármore, no meio da sala. – Sabe, sou o mestre das flores do Santuário de Athena. Sou o cavaleiro de prata de Cassiopeia, posso domesticar as plantas e delas extrair venenos e antídotos. Afrodite cultivava suas rosas comigo, nós... – Parou de falar, mudando sua expressão etérea para uma concentração silenciosa.

-Cassiopeia... o mestre do aspirante que foi assassinado no cemitério? – Perguntou Shun, lembrando-se do relato de Emir.

-O cemitério... tenho te observado, sempre visitando o túmulo de Afrodite. De que adianta visitá-lo, agora que está morto? – E encarou Shun, uma expressão difícil de traduzir nos olhos frios.

-Eu... não me perdoo por ter matado Afrodite, - respondeu Shun, olhando nos olhos do outro, a tristeza do coração estampada na face. - reconheço que era um guerreiro valoroso e discordo da violência usada em nome da bondade. Mas...

-Mas, nada. – interrompeu Ishtar. – É bom que tenha conhecimento do erro que cometeu, assim não deixará de entender o que preparei para você. Demorei alguns dias pensando na melhor forma de demonstrar tudo aquilo que seu nome representa para meu coração, e acredito que cheguei a uma bela conclusão.

Sorrindo, o cavaleiro andou até a mesa de trabalho do outro lado de onde estavam, e pegou uma enorme papoula roxa, plantada em um vaso de barro. Seu cheiro era forte, o pólen que expelia era visível; Shun começou a espirrar assim que Ishtar se aproximou. Não era uma flor saudável como aquelas do lado de fora, era murcha, úmida e perturbadora.

-Não é uma flor bonita? É uma papoula... Vamos, examine, gastei algum tempo cultivando-a à perfeição.

Arrancou a planta bruscamente do vaso, as grossas raízes espalhando terra úmida pelo chão. Aproximou-a do rosto de Shun, fazendo seus olhos lacrimejarem de irritação. Ao notar a sensibilidade do olfato de Andrômeda, sorriu, ordenando que cheirasse. Como ele não o obedecia, mudou a expressão para uma irritação rígida.

-Se não quer cheirá-la, terá que experimentar de outra forma. – sussurrou, apalpando o caule espinhento, arrancando-lhe as raízes maiores.

De supetão, sem que Andrômeda pudesse se defender, atirou a flor contra seu peito, como Afrodite fazia com as rosas. Em choque, Shun sentiu a dor do caule pontiagudo penetrando-lhe a pele, o veneno espalhando-se instantaneamente – em segundos, sentiu os músculos peitorais dormentes.

-O que é isso? – Gritou, levantando-se. As forças se esvaíram, e caiu de volta à cadeira. Não conseguia mexer o corpo, era pesado demais para a própria vontade. Tentou falar novamente, mas a língua estava dormente. Desesperado, as lágrimas já lhe embaçando a vista, berrou.

-Grite, Andrômeda, grite livremente. Como vê, estamos bastante isolados e hermeticamente fechados, ninguém o ouvirá. – Desdenhou Ishtar, secando as lágrimas dos olhos de Shun com os dedos compridos e sujos de terra. – Acredito que teve contato com minha rosa de homenagem a Afrodite, e que ficou intrigado ao receber o corte do espinho de uma saudável rosa piranha hoje cedo. – passou a mão pelo braço ferido de Shun. Desatou o tecido colocado por Hyoga e começou a acariciar a ferida, que já cicatrizava. Então, sem nada que indicasse o que faria a seguir, abriu o corte com os dedos violentamente, fazendo o sangue jorrar e o cavaleiro gritar pela pontada de dor. Sorriu e, quando o silêncio foi retomado, prosseguiu, olhando em seus olhos.

-Encontrei Afrodite em uma missão na França, anos atrás. Ele ainda era um garoto, teve os pais mortos pela guerra e refugiava-se em um pequeno orfanato. Era belo e delicado, um pequeno anjo... os garotos mais velhos o abusavam de todas as formas possíveis, pois ele não sabia se defender. Resgatei-o daquele inferno, e trouxe-o comigo para treiná-lo. Queria que convertesse toda sua beleza em força e poder.

-Bem... nos amamos profundamente conforme ele crescia e florescia de maturidade. Nos amamos... Amor... ele existe, no fim das contas, não é verdade? Pena que seja tão sofrido. Você sabe, não é permitido que cavaleiros amem, sobretudo que mantenham relacionamentos entre si. Sei que me compreende muito bem, vi seu olhar e senti a doçura de seu cosmo quando estava com aquele rapaz no cemitério.

Sorriu largamente ao ver a expressão de Shun. O sorriso seria encantador e contagiante, se Andrômeda não estivesse na situação em que estava. Chorava de raiva por não conseguir mover nem mesmo um dedo, a dor lancinante da ferida do braço e da pulsação carregada do pólen venenoso. Tentou falar, xingar, mas não sentia a língua. Mordia-a, sem perceber, tamanha agonia, e cuspia sangue enquanto emitia sons sem sentido. Tudo que podia fazer era ouvir a voz altiva de Ishtar, mexer os olhos e gritar, em desespero e ódio pulsante. Logo engasgou e calou-se, mirando firme aqueles olhos cruéis, antes tão encantadores. Ele continuou.

-Recentemente, coloquei em prática a última ideia que tive junto com meu amado pupilo. – Prosseguiu Ishtar, em tom solene. – A rosa da demência, cujo veneno faz a vítima perder o amor pela própria vida e ter o ímpeto de suicidar-se, arrancando os próprios órgãos. Belo, não? Uma ótima arma de guerra pela paz. – Riu, ironicamente, encarando os olhos abismados do cavaleiro de bronze. – Ela fez com que os guardas de seu amigo Cisne sucumbissem em seu redor, o que facilitou as coisas.

Shun o encarou, apavorado, gritando e chorando com a certeza de que aquele monstro fizera algo a Hyoga.

-Trouxe-o comigo, certo de que você viria atrás. – Falou alto, sobrepondo-se ao barulho que Shun fazia. – Não, não se desespere... esperei sua chegada para que nos divertíssemos juntos. Antes de vingar Afrodite, Andrômeda, me vingarei por mim mesmo. Você levou de mim a flor mais bela que cultivei, e não é capaz de imaginar a dor que guardo no coração. Por isso, lhe mostrarei com precisão como é essa dor, essa ferida interior que jamais cicatriza. Depois, vou dilacerar seu corpo e tirar-lhe a vida, como foi feito com meu Afrodite. – Abaixou-se à altura dos olhos de Shun, secou-os novamente e encarou a face paralisada, o terror aflorando pelos olhos vermelhos, as pupilas contraídas em medo. – Pode chorar e gritar. Eu já o fiz bastante também. Agora só me resta ver seu sofrimento. – E sorriu como uma criança prestes a observar um espetáculo inesquecível.

Levantou-se e caminhou até uma pequena porta no fundo da estufa. Demorou por alguns minutos, enquanto produzia fortes barulhos metálicos e de móveis sendo arrastados; Shun, imóvel, só pôde acompanhar os barulhos. Percebeu quando Ishtar se aproximava, arrastando algo pesado de madeira. O coração palpitava de medo do que veria, os minutos arrastavam-se inebriantes em meio ao cheiro das flores e a pulsação dolorida daquele pólen de papoula correndo em seu sangue, sendo bombeado a cada uma de suas células, já tornando dormentes os dedos das mãos e dos pés.

A chegada de Ishtar não decepcionou o pavor que sentia, o choque de ver o que viu foi possivelmente o maior que teve em toda vida. O que ele arrastava era uma cadeira como aquela sobre a qual sentava. Nela jazia Hyoga, nu, a pele alva tingida de rubro de seu próprio sangue que ainda escorria em abundância. Estava desacordado, a cabeça pendendo para trás da cadeira, uma papoula roxa maior que a de seu próprio peito tornando-o incapaz de se defender. Nos pés da cadeira, sangue; um enorme rastro de sangue estendia-se desde a porta pela qual Ishtar arrastou Hyoga. Era uma carnificina.

O choque foi tamanho que Shun não pôde desviar o olhar do corpo ferido; notou que havia cortes profundos feitos precisamente por sobre as cicatrizes contraídas na batalha das doze casas, pela cruel Agulha Escarlate de Escorpião. Em algumas dessas feridas, o sangue ainda jorrava quente e longe, aproveitando a forte pressão da pulsação do cavaleiro. Ishtar sorria demente, passando a mão nos ombros do Cisne como se estivesse massageando-o.

-Gosta, cavaleiro? – perguntou, dirigindo-se a Shun. – O belo corpo de seu amigo nórdico fica muito bonito contrastando com o tom rubro do sangue, não é verdade? – E lambeu os dedos sujos de sangue. Os cabelos de Hyoga, outrora amarelos e brilhantes, agora estavam manchados de vermelho, caídos sem vida pelos olhos. – Farei com que o Cisne recupere a consciência para começarmos a diversão.

Cassiopeia caminhou até um pequeno armário onde guardava frascos coloridos. Dele, retirou um pequeno tubo amarelo e um vermelho.

-Aqui estão alguns dos meus tesouros. – Disse, dirigindo-se a Shun. Pegou o frasco amarelo e prosseguiu. – Primeiro, óleo de octomênio, cujo cheiro forte desperta os seres do mais profundo sono de Hipnos.

Abriu o frasco e colocou embaixo das narinas de Hyoga, que despertou de imediato. Seus olhos abriram, a cabeça levantou. As pupilas estavam dilatadas, mas foi perceptível que enxergava Shun à sua frente: estampava-se no rosto o horror de vê-lo, frágil, nas mesmas condições em que se encontrava, prestes a sofrer o que já sofrera. Não gritou, mas seu olhar traduzia tudo que sentia. Shun chorava mais do que nunca, tentava gritar o nome de Hyoga, mas só conseguia emitir grunhidos desesperados. Eles seriam torturados um de frente ao outro. A impotência corroía a mente de ambos, por mais que tentassem mover os membros, avisar do perigo que corriam a alguém de fora, mais desgastavam sua energia e divertiam o sadismo insaciável de vingança de Ishtar.

-Tudo bem, Cisne? – Perguntou Cassiopeia com a voz suave, acariciando-o. Hyoga queria desvencilhar-se daqueles dedos venenosos, mas não podia mexer nem ao menos o pescoço pelo efeito da papoula paralisante. Ishtar desceu as mãos devagar pelo pescoço ensanguentado, alcançando sem demora o peitoral saliente, cheio de cicatrizes e sangue. Acariciou os mamilos rosados com um sorriso no rosto.

-Já decidi... – prosseguiu. – Agora vou regar seu lindo peitoral com ácido de mandrágora.

Sorrindo de felicidade, abriu o frasco vermelho e coletou com um conta-gotas uma pequena dose do líquido. Aproximou-se vagarosamente à frente de Hyoga, os gritos de Shun como trilha sonora para seus ouvidos tranquilos. Deixou pacificamente que uma gota vermelha caísse no exato centro do mamilo esquerdo do cavaleiro. Shun fechou os olhos e grunhiu de pavor; um grito horrendo veio de dentro do corpo do Cisne; sentia uma dor insuportável que o faria debater-se desesperadamente se não estivesse paralisado, enquanto a gota concentrada corroía a pele sensível do mamilo de fora para dentro, cavando a carne, borbulhando.

A cabeça de Hyoga estava vermelha de pulsação sanguínea. Caía para trás, os olhos fechados com força, as veias da testa saltadas de dor. Quando reabriu os olhos, em singela recuperação, um novo pingo volumoso de ácido já estava sendo derramado sobre o mamilo direito. Em seguida, escorreu peito abaixo, deixando um risco de carne-viva por onde passava vagarosamente. O sofrimento era tamanho que os dedos dormentes dos pés se dobravam, o rosto contraía-se e girava em insanidade, os pés da cadeira se mexiam somente em reação aos trancos violentos da cabeça. Quando o pingo parou próximo à virilha, misturando-se ao sangue e ao suor, a sala estava em silêncio novamente. Hyoga estava inconsciente.

-Oh, ele desmaiou... – comentou Ishtar, decepcionado. – Vamos prosseguir.

Retornou ao pequeno armário e retirou de lá um pequeno estojo. Voltou a passar o frasco amarelo sob as narinas de Hyoga, que despertou rapidamente. Sua ira era palpável, a cara vermelha e os olhos quase saltando do crânio. Balbuciou, resmungou, mas não pôde se fazer entender. Shun estava perplexo. Quais eram as chances de ser capturado por um cavaleiro insano dentro dos territórios do Santuário? Por que estavam passando por aquilo, depois de tanta luta e tanto sofrimento?

Ishtar continuou massageando Hyoga asquerosamente, um sorriso débil expandindo-se de orelha a orelha. Passou as mãos pelo corpo quente de ódio, besuntando-o com o próprio sangue. Desceu os dedos compridos pelo pescoço, passando pelo abdômen, virilha, coxas, até chegar aos pés.

-Agora, - continuou – vamos nos divertir com esses dedinhos.

Abriu o pequeno estojo de tecido que pegara do armário. A mão ensopada de sangue sujava tudo que tocava, mas ele não parecia se importar. Retirou do recipiente grandes agulhas verdes, algumas grossas e algumas finas, fazendo um monte delas na palma da mão, fechada em forma de concha.

-Esses são espinhos dos roseirais de Afrodite. Costumávamos retirá-los para testar seu veneno com aspirantes a cavaleiro que nos desagradavam. Parece-me perfeitamente adequado o uso deles agora, embora não passem de despojos de nossas experiências.

Segurou delicadamente um espinho particularmente grande. Parecia medir quatro ou cinco centímetros, mas era incrivelmente fino. Verde-escuro, tinha a ponta avermelhada. Lambeu a ponta e fez uma cara de prazer ao sentir o sabor nefasto. Sem falar nada, apenas sorrindo e soltando pequenas gargalhadas de sadismo, aproximou a agulha do maior dedo do pé esquerdo de Hyoga. Segurando o dedo e o espinho com precisão cirúrgica, começou a enfiá-lo vagarosamente no espaço entre a unha e a pele. Sorrindo largamente, observou a cara de pavor, a boca arreganhada e o berro trágico do Cisne, cujo rosto contorcia-se novamente.

-Andrômeda - disse, rindo –, como todas as minhas ferramentas, este espinho não causa apenas uma dor física comum. Como vê, é um espinho grande com uma terminação rubra. Sim, é proveniente de uma saudável plantação de rosas envenenadas. Quanto mais fundo - e enfiava com mais rapidez, rindo enquanto falava –, maior a dor.

Quando terminou, o espinho completamente enterrado na pele da vítima, levantou-se. Hyoga parara de gritar há algum tempo, estava novamente desmaiado, com a língua para fora da boca, saliva pingando abundantemente.

-Seu amigo está ficando fraco! – comentou Ishtar, fazendo cara de triste. Pegou o frasco com a essência de octomênio, e, levantando o rosto do Cisne, despejou de uma vez só todo o conteúdo pela narina; depois, apertou-as para que o líquido não saísse. Hyoga despertou de imediato, tossindo, desesperado por ar, enquanto o óleo venenoso descia-lhe pela traquéia, corroendo os tecidos. Quando Ishtar soltou as narinas, sangue foi expelido violentamente pela via nasal e oral. Depois disso, cada vez que o cavaleiro respirava, sentia o ar cortando-lhe as feridas por dentro, enquanto o sangue fluía abundantemente para fora.

-Agora não desmaiará com tanta facilidade, o octomênio entranhado em seus pulmões te manterá bastante consciente. – Falou o torturador, olhando fundo nos olhos lacrimenjantes e ensanguentados.

Retomou o estojo de espinhos manchado de rubro. De lá, retirou mais quatro agulhas pontiagudas, sorrindo para um esverdeado Shun de Andrômeda.

Um por um, enfiou os espinhos rapidamente nos outros dedos do pé de Hyoga. Desta vez, a violência das penetrações era tamanha que o Cisne não parou de gritar até que a sessão terminasse. Shun vomitou em si mesmo, a voz rouca já não gritava, os olhos molhados já não choravam. Ao fim, o a perna inteira de Hyoga latejava pelo veneno cruel que corria irritando a pele de dentro para fora.

-E agora, para onde vamos? – discorreu Cassiopeia, largando no chão o pé roxo, as unhas exibindo espinhos negros por dentro da couraça turva, completamente inseridos na pele.

Novamente, iniciou a massagem asquerosa. Passou os dedos viscosos pelas canelas, fazendo movimentos circulares. Subiu pelo joelho, esfregou-a pelas coxas com volúpia e, por fim, ajoelhado de frente para o homem, disse:

-Ah, sim, podemos iniciar o grand finale... O que faremos aqui?

Shun não pôde enxergar, mas imaginou que as mãos nojentas estivessem acariciando a virilha de Hyoga. Ishtar já estava todo sujo de vermelho, e o pouco da pele intacta que aparecia do Cisne já estava assustadoramente pálida. Ele perdera muito sangue... Shun queria ativar o cosmo para mover as correntes, mas nada podia fazer; era como se a papoula cortasse o poder de sua energia como eliminava sua capacidade de movimentação. Em silêncio, a garganta seca, observou Ishtar levantar-se e ir até algum lugar atrás de onde estava. Estava preparando o golpe final para Hyoga, dissera que o mataria ao fim da tortura.

Depois, era sua vez.

Olhou para os olhos de Hyoga – já não o via lá. Estava acordado, mas não parecia consciente. Só um milagre os salvaria...

Foi quando ouviu uma voz. Sim, conhecia aquela voz... e aquele cosmo. Era Seiya! O Pégaso estava por perto! Estaria sonhando?

Não, era melhor que Seiya não os encontrasse... ele também seria capturado por Ishtar, também sucumbiria às essências do cavaleiro demoníaco, também sofreria como Hyoga, paralisado e envenenado... Voltou a chorar, embora considerasse que não tinha mais lágrimas. Sofria como nunca sofrera, mesmo nos piores dias na Ilha de Andrômeda, nas piores crises de saudade de Ikki, na mais sanguinolenta das batalhas nas casas do Zodíaco.

-O que é isso? – Falou Ishtar, interrompendo o que preparava. Caminhou até a porta da estufa. A voz de Seiya estava mais próxima. Gritava pelo nome de Hyoga.

Ainda mantinham as buscas, então... quanto tempo se passara? Será que ele percebia o cosmo dos dois ali dentro?

-Hyoga! Shun! – Ouviu-o gritar, nitidamente, como quem procura por crianças perdidas.

A partir daí, só pôde ouvir. Seiya devia estar à porta da estufa. Silenciou-se ao observar o homem ensanguentado, arisco, perguntando-o o que fazia naquela área do Santuário. Respondeu que procurava por dois companheiros, Cisne e Andrômeda, e quis saber se Ishtar não os havia visto. Tendo um não como resposta, não se conteve. Perguntou quem era ele, e por que estava sujo de sangue. Como resposta, um ataque; Shun não soube definir qual. Tudo que ouviu foi o grito de susto de Seiya. Cassiopeia atacou sem avisar, como quando lhe enfiara a papoula peito adentro... era uma cobra sádica.

Seiya levantou-se, cambaleante, e revidou com uma técnica especial. Oh, não fora atacado com a papoula! Estava se movendo, estava revidando... Shun queria revidar também. Queria ver Ishtar sofrer, sangrar, morrer pelo próprio veneno.

Pégaso gritou por Shiryu e os outros cavaleiros. Não estava sozinho! Foi possível perceber a chegada de fortes cosmos de cavaleiros de ouro. Shun tentou ativar a própria energia, para sinalizar que estava lá dentro, ainda vivo. Queria poder levantar-se e lutar, aniquilar Cassiopeia com seu ataque mais potente.

O que se seguiu foi além de qualquer esperança que pudesse cultivar: uma batalha se iniciou. Lá estavam Mu, Aldebaran e Aioria, além de Seiya e Shiryu. Não foi uma luta difícil; os cavaleiros de ouro sabiam como se defender das essências de Cassiopeia, e todos estavam saudáveis e preparados para vencê-lo. Ele, por sua vez, estava insano e cansado. Um triste guerreiro, enlouquecido pela vontade de vingança.

Não, a insanidade de Ishtar não era passional. O que Shun vira nos olhos daquele homem eram maldade, pura e simples crueldade.

Era o mesmo brilho esverdeado que vira nos olhos de Afrodite, anunciando aos quatro ventos que havia assassinado Albion. Era o mal-estar que notara na casa de Câncer, as faces de mulheres e crianças orgulhosamente aprisionadas em sofrimento, enquanto Máscara da Morte pisava nelas, satisfeito. Era o que vira na face demoníaca de Saga, dominado pela aura da perversidade.

Agora notava: havia lutado contra o mal. Não participara de uma guerra em vão, promovera uma purificação. A maldade humana era perceptível e por vezes irreversível; nesses casos, a guerra talvez fosse a única solução. Contra aqueles que se divertem com o sofrimento alheio, que buscam a morte de muitos pelo próprio crescimento, a paz não pode muito... Agora via: aquilo pelo que lutava era muito diferente dos desentendimentos gratuitos que as fronteiras e a ideologia proporcionavam. Ele lutava contra a crueldade viva, a terrível maldade que se materializara em Ishtar enquanto fazia Hyoga sofrer.

Hyoga estava desmaiado novamente, enquanto os gritos e a energia lá fora explodiam. Pobre Hyoga... tanto sangue derramado. Sofreu aquele horror por causa do amor que Shun nutria por ele. Por causa da insanidade de um cavaleiro que percebeu que ele era o maior tesouro de seu coração... De fato, guardar aquele sentimento era necessário. Não só porque os outros não entenderiam, não só por causa de perigos imprevistos como este; mas porque esse amor era um fardo. Quando finalmente pudessem viver longe da guerra, construir a felicidade afastada do sangue, não queria que Hyoga tivesse um peso como aquele para carregar. Precisava contentar-se com a amizade daquele homem que tanto alegrava seu coração.

De repente, foi audível o barulho metálico que era tão familiar ao cavaleiro de Andrômeda. A esperança cresceu peito acima, desfazendo-lhe o nó na garganta: a corrente de Andrômeda estava viva! A influência de Cassiopeia perdia forças, e seu cosmo morno timidamente reaquecia os membros dormentes.

-Corrente! – ordenou. A flecha ofensiva da arma moveu-se furtivamente até a papoula em seu peito, e, de um único bote, desfez as pétalas nefastas. Repetiu o mesmo com a papoula de Hyoga, esperando que os movimentos voltassem logo para que pudesse socorrê-lo.

Lá fora, Ishtar de Cassiopeia tentava defender-se dos ataques fortes dos cavaleiros de ouro. Antes que todos pudessem notar a origem do barulho de vidro quebrando com violência, Cassiopeia foi atingido pela corrente ofensiva de Andrômeda, que vinha de dentro da estufa. Pelas costas, a arma mortal de Shun penetrou em cheio o coração do cavaleiro insano, já enfraquecido pelos ataques dos oponentes. O sangue jorrou em fúria pelo peito, acompanhando a direção da corrente, que logo se recolheu ao braço de Andrômeda.

Ishtar desabou sobre o solo do jardim, o sangue saindo com violência pelas costas e pela boca, em fatal hemorragia. Seu corpo, debatendo-se, misturou-se ao veneno da plantação de rosas. Muitos cortes espinhentos abriram feridas profundas pela pele antes que expirasse.

A imagem final era a mesma da triste morte de Afrodite de Peixes na décima segunda casa zodiacal, dias atrás. Entretanto, dessa vez, Shun não sentiu remorso algum por tê-lo matado.

Desmaiou de exaustão. Estava tranquilo agora, ouviu ao longe a voz de Seiya e Shiryu entrando na estufa, horrorizados, prontos para acudir Hyoga.

Estava tranquilo...

Tinha a resposta para a pergunta que tanto o inquietava: é verdade, nascera sob uma estrela de guerra. Mas não, não guerreava em vão. Quem o fazia eram as pessoas como Ishtar e Afrodite... e contra eles, devia seguir lutando como um homem.

Hyoga e Ikki estavam certos. Hyoga e Ikki. Seria feliz se eles o fossem.

***

01-2010


Notas do autor:

Nemui!
Não consegui escrever um Shun que não gostasse do Hyoga, foi mais forte que eu! Mas fiz questão de fazer um Shun que sofresse horrores por causa disso, como uma punição (hohoho). Lógico, também não consegui fazer cenas de tortura tão boas quanto você, nem imaginava conseguir, mas procurei concentrar em um vilão ridículo aquelas ideias malucas que tínhamos no canal. Veja que lindo o que eu fiz com o Hyoguinha!! *__* Espero mesmo que alguma coisa desse texto tenha te divertido, apesar da minha inabilidade pra não-usar-yaoi. Pelo menos foi um yaoi extremamente frustrado, né?
O flashback com a cena do Shun criança mudou de lugar várias vezes, mas acabou ficando no começo, uma boa abertura. A história da fic nasceu a partir dela, e é nela que está a maior homenagem a você. O Ikki entrou e saiu da trama também, e acho que você teria gostado mais se ele estivesse presente, mas achei mais coeso sumir com ele por aí, pelos vulcões do mundo.
Bom, feliz 2010! Que você tenha muita inspiração pra torturar o Hyoga e escrever as histórias brilhantes que derrama sobre o teclado com tanta facilidade. Muita paz e muito texto, e conte sempre comigo para falar sobre aleatoriedades nas horas de vazio de inspiração. Yeah yeah!

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