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[Saint Seiya] Mãos Sujas de Sangue, escrita por Felipe Poseidon

Capítulo: único
Autor(a): Felipe Poseidon
Fandom: Saint Seiya
Gênero(s): Drama
Classificação: 12 anos
Status: Completa
Resumo: Shun está em viagem pelo Santuário e é vítima de um atentado terrorista.


Disclaimer: Saint Seiya não pertence a mim! :(

Para Nemui

Nemui-sama! Sempre adoro te tirar, porque seus prompts sempre são os melhores! Quando você escreveu esse, deixou em aberto sobre o protagonista. Eu não consegui imaginar essa história com ninguém além do Shun! (hohoho) Espero que se divirta (um pouco) lendo. E desculpe pelo atraso, minha sobrinha linda (:D) me fez suspender muitos projetos. Feliz 2013!

Mãos sujas de sangue

É difícil não conhecer novas pessoas em uma viagem de 10 horas de duração. Sentado ao lado de Shun Amamiya estava um senhor grego idoso, comerciante, que expandia seus negócios à América.

O Sr. Calino, como se identificara, tinha muita história para contar; vivera muitas guerras, fortes amores, muito trabalho e hoje gozava as recompensas que a vida lhe havia dado.

Atrás de Shun e Calino, havia um casal. Sem a intenção de intromissão, Shun acabara ouvindo conversas dos dois; eram americanos, recém-casados, passaram a lua-de-mel em Atenas. Ela estava grávida recente.

À frente deles estavam dois rapazes que falavam inglês com um sotaque que Shun não compreendia bem. Deviam ser escoceses ou irlandeses. Negociantes, provavelmente, moradores de Nova York.

A maior parte dos passageiros era americana. Executivos, famílias, casais; era verão no hemisfério norte, e viajar ao Mediterrâneo estava valendo a pena financeiramente. Havia mais de 300 pessoas a bordo.

“Sou representante do governo japonês na ONU”, disse Shun, ao ser questionado por Calino sobre sua profissão. Era, de certa forma, triste ter de esconder sua vocação como servo de Atena, defensor da paz. Mas defender a paz custara tantas vidas... Tinha medo do passado e ele não morreria jamais. Era bom ser apenas um burocrata, agora. “Acho que sou feliz, sim...”, respondeu à pergunta tão direta do senhor.

Se era feliz? Como seria possível falar em felicidade ao se olhar pra trás e sentir apenas medo? Medo do passado. Medo de reviver, mesmo dentro da mente, tudo aquilo. A que ponto chegaram os atos de suas mãos? Suas próprias mãos. Mais do que arrependimento, medo.

Quando Shun aceitou o cargo de diplomata do Santuário, não achava que a função seria tão complicada.

Seletos governantes sabiam da existência dos Cavaleiros de Atena no mundo. Funcionavam como uma coalisão de defesa dos interesses da deusa. Os governantes mais poderosos comprometiam-se, ao tomar posse, a não interferir nas guerras do Santuário e a impedir que outras nações o fizessem.

Se os exércitos humanos se envolvessem nas batalhas dos deuses, além de não terem chance, poderiam atrapalhar as estratégias dos cavaleiros. Todavia, tais governantes exigiam, em troca, informações sobre as decisões que envolvessem o bem-estar da humanidade tomadas por Atena. Era aí que entrava a atuação de Shun: reunir-se com tais governos para debater os rumos do mundo.

É verdade que a função livrava Shun de lutar e matar; era isso que queria. Mas por outro lado, o cavaleiro tinha que participar de protocolos e se utilizar de burocracias com as quais não fora acostumado na formação na Ilha de Andrômeda. O mundo era tão mais complicado do que parecia!

Shun tinha uma cadeira especial na ONU, como convidado do governo do Japão. Dessa forma, podia estar ciente das decisões feitas pela humanidade e, em nome do Santuário, coordenar acontecimentos estranhos em toda parte do mundo. Os inimigos de Atena eram astutos, e geralmente objetivavam causar grandes números de mortos. Era necessário muita atenção para identificar o começo de uma nova guerra santa.

A maior parte dos representantes de nações não sabia quem era Shun e desconhecia a existência do Santuário, mas acreditava que ele fosse representante de algum ministério japonês. Era aceito como um membro do clube, e até recebia a palavra de vez em quando.

Naquele dia, Shun pegara um avião em Atenas para reunir-se com os líderes do mundo em Nova York. Viajar o agradava, mas de forma agridoce; já sofrera tanto ao longo da vida que hoje sentia certo grau de culpa ao entrar em classe especial de um avião de primeira linha. Quando tinha que viajar com os jatos da fundação Graad, então, quase não se continha. Uma única pessoa causando tanto gasto de dinheiro e emissão de fumaça! Mas não era o caso dessa vez. Estava em um grande avião com muitas outras pessoas.

O voo estava tranquilo aquele dia. Não havia acontecido turbulência alguma, a noite já caíra há algumas horas, e os passageiros da classe especial começavam a cair no sono. Shun levantou-se para ir ao banheiro, ao som do ronco leve de Calino, para depois dormir. Amanhã seria um longo dia, precisava descansar.

O corredor macio do avião se estendia alguns metros até a placa luminosa que indicava o lugar do sanitário; aviões ainda impressionavam Shun. Estava no ar, veloz, e, ainda assim, do lado de dentro, parecia que nada acontecia. O chão era firme como o solo. O banheiro era pequeno, mas muito funcional; tudo ali era planejado para poupar espaço e oferecer conforto ao mesmo tempo.

Ao sair do banheiro, Shun deparou-se com dois senhores conversando. Deviam ser as únicas pessoas acordadas naquela ala, mas falavam baixo e não eram incômodos. Que língua falavam? Parecia árabe, ou alguma variação... Seguravam aparelhos luminosos. Smartphones? Não pôde ver, pois não interrompeu o passo. Logo estava em sua poltrona, com fones de ouvido, esvaziando a mente para dormir.

O rapaz caminhava entre as nuvens, suavemente, jovem e belo. Seu sorriso era interrompido repentinamente por uma cara de horror, enquanto correntes brancas o cercavam e o prendiam, primeiro nos membros, depois no tronco e, por fim, no pescoço. Com vontade própria, as correntes apertavam o rapaz até arrancar-lhe gritos de desespero; não tardava para que sangue jorrasse e manchasse toda a pele, a corrente e as nuvens de rubro. Morria agonizando, enquanto Shun, controlando as correntes, ria em escárnio.

Abriu os olhos, dilatados, tomado de taquicardia e suor. O pesadelo recorrente o atormentava desde que voltara do Elísio. Shun de Andrômeda, já fora chamado. Defensor da paz, defensor de Atena, matador de elite. Quantas vidas interrompera? Havia perdido a conta. Não conseguia viver um dia sequer sem se lembrar disso. Que horror em seu coração ao olhar para trás!

O avião encarava uma turbulência. Havia um temporal muito feio do lado de fora, era possível ouvir o barulho dos trovões e sentir a instabilidade do voo. Estava muito mais frio do que na hora em que fora dormir. Quanto tempo havia passado? A televisão à frente de seu banco não mostrava o mapa GPS como antes; estava fora do ar. Os passageiros à volta acordavam, pouco a pouco. Solavancos e o frio crescente começavam a preocupar Shun. Os senhores dos smartphones, perto do banheiro, não estavam em seus assentos. Será que estava tudo bem?

Foi quando uma voz fez-se ouvir nas caixas de som do avião:

“Senhores passageiros”, disse um homem, em inglês, com um sotaque forte que não era grego. “Pedimos para que permaneçam sentados, pois estamos passando por uma pequena turbulência. Estaremos chegando a Nova York dentro de duas horas, ao raiar do Sol, mas não aterrissaremos”.

Por que não aterrissariam? Muitas vozes murmuravam entre si a essa altura, enquanto a comunicação da cabine ficou em silêncio. Calino abriu a persiana de sua janela para assistir à tempestade, e logo Shun pôde ver que o avião saía das nuvens e voltava ao céu limpo. A turbulência estava no fim.

“Senhores passageiros”, prosseguiu a voz da cabine, “Agora retomamos a rotina normal de voo, mas não haverá mais serviço de bordo. Informo-lhes que esta tripulação está sendo controlada por um grupo fundamentalista Islâmico, e que não aterrissaremos em Nova York. Atenção: pedimos a colaboração de todos. Não reajam, queremos evitar mortes fora de hora. Obrigado.”

Rapidamente, Shun viu o pânico generalizar-se entre os passageiros do avião. Muitos gritavam e choravam instantaneamente, outros se levantavam, sem rumo. Calino, em estado de choque, encarava o teto do avião. A moça grávida do banco de trás gritava para que o marido encontrasse a saída de emergência: precisavam pular.

Antes que todos começassem a fazer atos de loucura para salvarem-se, as portas do serviço de bordo abriram-se e vieram, de ambos os lados do corredor, homens encapuzados segurando armamento pesado. Gritavam, em péssimo inglês, para que todos ficassem sentados.

“Vou estourar os miolos de vocês se nos atrapalharem!”, um deles ameaçou.

Calino estava passando mal. Colocava a mão no coração e contorcia os músculos da face, gemendo de dor.

“Cale a boca, velho!”, disse um dos encapuzados, apontando uma arma contra a cabeça de Calino.

“Ele está passando mal!”, disse Shun.

“Então vamos acabar com o sofrimento dele, não é?”, respondeu o encapuzado sadicamente, com voz de sorriso. A moça grávida do banco de trás chorava em silêncio, com os olhos cheios de desespero. Os rapazes do banco da frente olhavam para o encapuzado, assim como todos à volta, incrédulos daquela crueldade, enquanto o homem colocava o dedo no gatilho, pronto para executar o senhor.

“Não!”, gritou Shun, com o coração batendo forte. “Você não vai apertar esse gatilho!”

“Ah, não?”, respondeu o homem. “E quem vai me impedir? Você, japonesinho? Heheheh.”

Antes que o homem terminasse de proferir a frase, Shun havia chutado sua mão e derrubado sua arma, longe.

“Vá pro inferno!”, gritou o homem, irado, dando um soco no olho de Shun. Rapidamente, todos os outros três encapuzados que estavam por perto imobilizaram o cavaleiro, segurando seus braços e pernas.

“Vamos espalhar o sangue desse japonês imundo na cara desses passageiros, pra servir de lição!”, disse um deles, abrindo uma bolsa de alça pendurada em seu ombro para pegar uma navalha.

Sem demora, o homem sadicamente raspou a navalha no olho socado de Shun, espirrando sangue. Shun gritou de dor, cego de um olho, sangrando por todo o rosto rapidamente. “Quer perder mais alguma coisa, japonesinho?” disse o encapuzado, apalpando a virilha do cavaleiro.

Shun havia prometido nunca mais usar sua energia cósmica para machucar. Sonhava, sempre, com seus atos passados, arrependimentos que carregava pesados sobre os ombros. Mas precisaria sentir aquele calor novamente; era necessário despertar o guerreiro adormecido. Precisava salvar aquelas pessoas. Precisava salvar o velho Calino. Fechou o olho, enquanto a navalha enferrujada do encapuzado se aproximava de sua virilha.

Do fundo de seu coração, dolorido, comprimido, saiu um pulso de energia cósmica quente. Como uma explosão, um big ben reduzido, o cosmo rosa emanou-se pelo seu corpo em um pulso único, que empurrou os corpos dos encapuzados para longe, explodindo-os em sangue e tripas que se espalharam pelas cabeças dos passageiros sentados. Parecia que, após tantos anos sem uso, o cosmo de Shun descontrolara-se um pouco. Quatro mortos. Passageiros desesperados novamente. Ferimento, sangue, cheiro de morte. Era um caminho sem volta: Shun tinha que lutar.

Tentando ignorar o desespero das pessoas ao redor, Shun caminhou até a cabine, chutou a porta e encarou o que estava por vir, em posição de luta. Lá estavam homens com vestimentas muçulmanas controlando o painel. No canto, empilhados, cadáveres do piloto, copiloto e comissários de bordo. Ao vê-lo, dois capangas sacaram suas armas e apontaram-nas contra Shun. Todavia, antes que disparassem, o cavaleiro os nocauteou com socos na velocidade da luz.

“O que pensam que estão fazendo?”, gritou, encarando os homens que comandavam o painel da cabine.

“Justiça. E você, japonês insolente, por que está se metendo? Vai acabar explodindo como todos aqui, não há volta.”

“Justiça? Com morte? Que grande bobagem.”, disse Shun, desafiadoramente.

“Queremos aniquilar esses americanos imundos que espalham a maldade pelo mundo!”, respondeu o que pilotava o avião, calmamente, com sotaque forte. “Vamos chocar este avião contra o Empire State Building durante a manhã, pra mostrarmos à Casa Branca que estamos à espreita.”

“E vão consumir 300? Mais todos os trabalhadores do prédio?”, gritou Shun, incrédulo.

“Sacrifícios são necessários. Nossa voz deve ser ouvida, acima de todas as nossas vidas.”, respondeu o homem.

“Isso é loucura. Não vou permitir isso.”, disse Shun. Sem demora, o cavaleiro nocauteou o homem e seus parceiros na cabine, com chutes e socos. “Sem mais mortes”, pensou. No entanto, com a queda do fundamentalista que pilotava o avião sobre o painel, o avião se descontrolou e desceu. Estava caindo.

Ao virar-se para encarar o pânico atrás, encontrar alguém que soubesse manipular um avião e salvar Calino, o cavaleiro foi surpreendido. Um último fundamentalista vinha correndo do corredor em direção à cabine, com arma em punho, atirando contra Shun e quem estivesse na frente.

Em um ímpeto de autodefesa, o cavaleiro lançou uma corrente nebulosa contra o rival, matando-o. As pessoas do avião estavam descontroladas a essa altura, tentando proteger-se embaixo dos assentos.

Muitos tiros atingiram Shun no tronco e no pescoço, ele percebia agora. Após a adrenalina e o calor do cosmo, agora sentia dor. Sangrava muito rapidamente. Precisava controlar o avião. Caído ao chão, ensanguentado, riu da ironia. Arrastou-se até o controlador e empurrou-o para cima, afastando o corpo do fundamentalista inconsciente. O avião voltou À estabilidade, mas precisaria ser pilotado até Nova York para aterrissar. Virou-se para pedir ajuda, mas sua visão escureceu. Caiu, com vontade de vomitar. Sentiu o próprio sangue ensopando o chão em que caíra.

Ia morrer lutando. Teria mesmo nascido para a guerra? Para a matança? Passara toda uma vida lutando, matando. O medo do passado era o medo do presente e do futuro; temia ter que matar novamente, temia ter que enfrentar seu destino. Mas era seu destino. Ia morrer assim, matando. Matando para salvar os outros.

Sempre havia preferido sacrificar-se para salvar os outros. Talvez devesse mesmo colocar sobre seus ombros o pecado do assassinato em nome da maioria. Esse era seu sacrifício maior: matava pelos outros. Matava para que os outros vivessem e não matassem mais.

Um membro da tripulação estava vivo, na segunda classe, e tinha treinamento para pilotar o avião em emergências assim. Os fundamentalistas que sobreviveram ficaram inconscientes com os golpes de Shun até o fim da viagem, e receberam a pior punição de todas: foram presos pelo governo americano. Alguns passageiros morreram, mas a maior parte, incluindo Calino, salvou-se.

Shun Amamiya morreu naquele voo, com ferimentos de armas de fogo. O cavaleiro que sobrevivera a tantas situações de perigo e a tantas guerras sagradas morreu como civil, em uma briga humana, para salvar as vidas de centenas de pessoas que seriam vítimas de um ataque terrorista. Seu nome civil, Shun Amamiya, entrou para a história oficial como membro martirizado da ONU. Seu nome real, Shun de Andrômeda, foi glorificado no Santuário de Atena como um dos mais valorosos cavaleiros de todas as eras.

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