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[Saint Seiya] A Rejeição da Terra, escrita por Nemui


Capítulos: único
Autor: Nemui
Fandom: Saint Seiya
Classificação: livre
Resumo: Hyoga e Freiya enfrentam dificuldades para fugir de Asgard. O cavaleiro não vê com bons olhos a vida árdua no gelo.

“Não! Não atire!”

“Não se preocupe. Eu não vou acertar a princesa”, disse o outro soldado, esticando a flecha.

Hyoga quase torceu o pé para desviar-se do projétil, à sua esquerda. Em vez do corpo, sua mochila foi atingida, ficando com um extenso rasgo, de onde a comida vazou, como uma torneira aberta. Estavam em fuga, não podiam parar. O único caminho era montanha abaixo, por uma trilha escorregadia e perigosa demais para atravessar correndo. Não havia outra maneira: o cavaleiro tomou a garota nos braços e saltou feito um louco de uma altura de cinquenta metros. Caiu dolorosamente no chão, mas não parou. Olhou em volta e percebeu que havia uma pequena gruta na encosta.

Sem pestanejar, entrou na cova escura, queimou o cosmos e congelou a entrada, camuflando-a na neve. Ofegantes, viram as silhuetas saltando atrás da parede de gelo e indo para outra direção. Hyoga suspirou aliviado, procurou recuperar o fôlego e voltou a sentir a dor da tortura da prisão. Tinha sido espancado com força demais para recuperar-se em tão pouco tempo. Eram apenas duas horas, desde a fuga.

“Você está bem, Freiya?”

“Sim…”, respondeu ela, também sem ar.

“Vamos acampar aqui. Não podemos continuar assim.”

Havia um cobertor preso à mochila quase vazia. Foi entregue para Freiya. Havia algumas barras de cereais num bolso separado. Hyoga comeu apenas uma e deu o resto para a princesa. Tinha fome, pois passara quase dois dias acorrentado na prisão sem beber ou comer. Como estava exausto e com dor, deitou-se de lado no chão e, segurando o abdome socado, tentou relaxar.

Sentiu um toque quente. Freiya deitara-se ao seu lado e agora o cobria com metade do cobertor.

“Vai ficar doente se não se cuidar.”

“Eu estou bem. Só preciso descansar um pouco.”

Mentia. Tinha levado todo o impacto da queda para proteger Freiya. Mesmo que morresse, iria protegê-la com a vida.

“Hyoga… Obrigada por ajudar. Eu… receber a ajuda de alguém de fora de Asgard…”

“Não se preocupe com isso. Apenas descanse, Freiya. Sei que está sendo especialmente duro para você… Ser fugitiva em sua própria terra…”

Ouviu soluços. Dava angústia ouvi-la chorar sem poder fazer nada.

“Eu vou te tirar daqui”, disse. “Estará segura em minha aldeia. Não é um lugar luxuoso, mas vai se sentir bem lá.”

“Não…! Eu quero ficar aqui…”

“Aqui é perigoso demais, Freiya.”

“Mas é a minha terra… É a minha Asgard. Minha imã diz que esta terra nos ama… Eu sei disso.”

Hyoga duvidou. Para ele, não existia uma terra que amasse o homem. Ele, que vivia na terra do norte, já estava acostumado à dor. Sofria com o inverno.

“Freiya, você se sente bem-vinda em Asgard? Sente agora?”

Houve um silêncio.

“Eu amo Asgard.”

“Às vezes eu penso que são as pessoas que amamos, e não a terra. Eu acredito que a terra do norte não ama ninguém. Ela apenas deseja que o homem parta, porque ela é infrutífera, dura, seca, amarga. Eu gosto da minha aldeia porque nela vivem pessoas muito boas. Pessoas que, como eu, lutam todos os invernos. Pessoas com quem trabalho, festejo…”

“Não ama a Sibéria?”

Foi a vez de ele ficar em silêncio.

“Sabe… Eu amo Asgard. Sei que temos muitos problemas, mas eu me sinto bem-vinda nesta terra, mesmo agora.”

“Com todo o respeito, eu discordo, Freiya.”

Sentia enjôo. O corpo não parava de doer. Hyoga fechou os olhos com força e tentou dormir. O estômago doía, por causa dos golpes e também da fome. Comeria até insetos.

Ouviu a respiração de algum animal. Hyoga pôs-se de pé num salto, em alerta. Precisava proteger Freiya, não importava como. Olhou para o fundo da gruta e viu uma silhueta, aproximando-se. Era um urso! Queimou o cosmos e preparou-se para combater a fera.

“Espere”, interrompeu Freiya, segurando-o. “Não machuque o urso… Fique parado e só se defenda se ele atacar.”

Ele escutou as palavras da princesa apenas porque em sua cabeça a missão era ser guardião e servo dela. Ficou imóvel, com o coração acelerado. Sentiu o fedor animal ao ficar de cara com o focinho molhado. Foi cheirado por longos segundos, tenso. Já vira muitos ursos. Provavelmente seria mordido, derrubado e amassado pelo peso daquele animal se não fizesse nada. Mas queria obedecer a Freiya.

Aos poucos, o animal afastou-se e caminhou pelo lado, em direção à saída. Hyoga acompanhou-o com os olhos, incrédulo. Era inverno, ele deveria estar hibernando. O urso ergueu-se sobre as patas ao alcançar a parede de gelo, apoiou o peso sobre ela e abriu um buraco para passar. Freiya segurou-lhe a mão, com gentileza.

“Viu? Ele não fez nada.”

A dor voltou ao corpo. Hyoga sentou-se no chão e cobriu o abdome. Estava doendo muito mais do que antes. Seu estado poderia ser pior? Não podia nem enxergar direito, por causa do rosto inchado. Em Asgard, foi torturado sem piedade, e agora sofria de fome e frio. Olhou para o chão. Escapar do urso fora seu primeiro momento de sorte no dia.

“Tente descansar”, aconselhou Freiya.

“Não posso. Pode ser que ele volte. Preciso fechar a entrada da gruta.”

“Não… Por favor, não faça isso, Hyoga. Ele precisa da gruta para hibernar…”

“Então devo esperar acordado por ele. Para a nossa segurança.”

“Mas… Está tão ferido. Por favor, descanse. O urso não vai machucá-lo, eu juro.”

“Como pode afirmar isso com tanta certeza sobre um animal selvagem, Freiya? Meu dever é protegê-la, e eu sei como os ursos são perigosos quando se aproximam dos humanos. Já fui atacado por um antes, durante o meu treino.”

“Mas… Precisa confiar em mim…”

“Desculpe. É para o seu bem que estou fazendo isso.”

Em vez de insistir, Freiya sorriu e cobriu-o de novo com o cobertor.

“Então eu vou esperar com você.”

Ficaram em silêncio. Não demorou mais de dez minutos para o urso voltar. Tinha pescado, e carregava um peixe enome na boca. Hyoga pensou em levantar-se, mas foi segurado pela princesa.

“Não.”

Ficou imóvel. O urso caminhou tranquilamente até Hyoga. E como numa fábula, aproximou o focinho dele e largou o peixe em seu colo. Em seguida, dirigiu-se até o fundo da gruta e voltou a adormecer.

“O quê…?”

“Eu disse”, respondeu Freiya. “A terra nos ama, Hyoga. Você também nasceu nestas terras congeladas, por isso é filho delas. O urso deve ter percebido que você estava com fome.”

Era mágica. Hyoga não acreditava em mágicas daquele tipo, apesar de sua aldeia possuir muitas histórias. De animais que sentiam gratidão, que ajudavam humanos de corações puros. Será que ele era bem-vindo nas terras do norte? Era verdade que a aurora boreal era um presente apenas ao povo do norte. Também era verdade que as plantações, depois de terem sido cultivadas com tanto suor e mãos calosas, davam a alegria aos moradores com seus pequenos frutos. E era verdade, também, que o Mar da Sibéria tornara a beleza de sua mãe eterna.

Sentiu-se mal. E se tivesse esperado quando o urso polar aproximou-se, naquela ocasião em que lutaram até a morte? Talvez fosse a terra que não se sentia bem-vinda. Hyoga olhava para o peixe de forma diferente agora.

“Freiya… Você disse que quer ficar aqui em Asgard… porque esta terra te ama, não é isso?”

“Sim… Você sente o amor dela agora?”

Ele sorriu.

“ Como desculpas, trarei Asgard de volta ao que era antes, Freiya. Até lá, prometo que a protegerei.”

Lutaria com todas as forças. Traria Asgard de volta, retribuiria aquele amor. Depois, voltaria para as vastas planícies congeladas, que o aqueciam por dentro. Tomaria a pesada enxada nas mãos grossas para acariciá-las. E rezaria para que sua mãe fosse protegida para sempre por aquelas terras abençoadas.
*FIM*

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